Depois do vestido branco e dourado ou azul e preto, que dividiu os internautas em fevereiro de 2015, o novo dilema em destaque nas redes sociais é se o leitor consegue ouvir algum som num gif silencioso, que mostra postes de eletricidade a “saltar à corda” — sim, é insólito.
Does anyone in visual perception know why you can hear this gif? pic.twitter.com/mcT22Lzfkp
— Lisa DeBruine ?️? (@LisaDeBruine) December 2, 2017
O gif foi originalmente criado em 2008 pela conta de Twitter @IamHappyToast e, desde então, tem circulado na internet. Já antes foi motivo de debate no Reddit, em 2013, e no Imgur, em 2011. Também o Buzzfeed selecionou o gif, em 2013, como uma das 26 imagens capazes de “quebrar o nosso cérebro”.
Quase dez anos depois de ter sido criado, o insólito e misterioso gif é notícia em diferentes meios internacionais — da espanhola Verne à inglesa BBC –, depois de a professora universitária Lise DeBruine, do Instituto de Neurociências e Psicologia da Universidade de Glasgow, o ter partilhado com a seguinte pergunta na legenda: “Alguém sabe porque conseguimos ouvir este gif?”.
À pergunta colocada pela professora responderam, em formato sondagem, mais de 250 mil pessoas — a maior parte admitiu ter, de facto, ouvido alguma coisa. Uma pesquisa rápida pelos comentários entretanto publicados permite perceber que existem diferentes reações, uma das mais interessantes levanta a seguinte questão: “Estou a ter dificuldade em perceber se teria ouvido alguma coisa se não tivesse lido a sugestão no tweet [de que iria ouvir algo]”.
My favourite explanation so far is that this triggers the acoustic reflex, which is usually triggered by speech or loud noises. https://t.co/OjHX84xs4C
— Lisa DeBruine ?️? (@LisaDeBruine) December 3, 2017
No Twitter, Lise DeBruine conta que várias pessoas fizeram o exercício com os filhos: “Alguns ouvem, outros sentem-no e outros não ouvem nem sentem nada”. A professora já admitiu, após várias trocas de respostas, que a sua explicação preferida é que o gif desencadeia o reflexo acústico, “que por norma é desencadeado pela fala ou por ruídos altos”.
O reflexo acústico é “um estímulo que pode vir de fora ou que pode ser provocado internamente pela pessoa, que vai criar um reflexo na área acústica do cérebro o que, por sua vez, resulta na estimulação”, explica ao Observador Pedro Ferreira Alves, neuropsicólogo no Instituto Terapêutico Analítico Psicologia Aveiro (ITAPA).
A explicação dada está longe de ser consensual. Outro utilizador da rede social Twitter diz que, na sua opinião, é o facto de a imagem tremer que é responsável por todo o efeito — é precisamente esta a explicação que parece fazer mais sentido para o criador do gif. “O facto de ter movimento provoca sempre uma reação acústica”, acrescenta Pedro Ferreira Alves.
The thump is almost entirely in the shake, if you crop out the pylons themselves you can still hear it. They just give it height. pic.twitter.com/3LZK1g24yZ
— HappyToast ★ (@IamHappyToast) December 4, 2017
À BBC, DeBruine disse não ter uma resposta clara: “Pensei que alguns cientistas da área, que sigo no Twitter, me conseguissem explicar isto de imediato, mas parece que há muitas explicações plausíveis e que não há um consenso claro”.
Também a BBC aborda a sugestão de um utilizador de Twitter, Chris Fassnidge, cujo doutoramento em psicologia na City University, em Londres, é precisamente sobre este campo de atuação. É ele quem fala numa teoria a que o seu laboratório chama de “ouvido visual”. “Suspeito que este fenómeno esteja intimamente relacionado com o que chamamos de Resposta Auditiva Evocada Visivelmente [Visually-Evoked Auditory Response, em inglês].”
O neuropsicólogo Pedro Ferreira Alves explica que a Reposta Auditiva Evocada Visualmente consiste no facto de as “imagens visuais evocarem sensações, memórias e experiências”, pelo não é preciso “ter um som explícito para que o possamos reproduzir internamente”.
Para o especialista, ambos os conceitos fazem sentido, mas Pedro Ferreira Alves prefere falar na complexidade da consciência humana. “Não podemos olhar para o fenómeno como uma parte isolada do cérebro”, garante, remetendo o assunto para a “capacidade de abstração do ser humano”, de maneira a dar sentido ao que vemos. Em causa está a capacidade “de criar ilusões que tem que ver com a educação formal que recebemos, que não está acessível a todos”.
É precisamente a capacidade de abstração que permite ao ser humano ir além da sua “experiência imediata”, ir além dos que os seus olhos vêm. “Quando uma imagem produz movimentos familiares, o cérebro cria a sua própria banda sonora”.