O Teatro Nacional São João (TNSJ), no Porto, inicia este sábado um ciclo dedicado a Gil Vicente, com várias iniciativas dedicadas à obra do mais importante dramaturgo português. A homenagem a um “autor tão grande” — como classificou o diretor artístico do TNSJ, Nuno Carinhas, na apresentação da programação, em dezembro passado — inclui a exibição da peça Embarcação do Inferno, uma conferência, uma sessão de leitura encenada e uma oficina de trabalho. O ciclo vai arrancar com um “atelier de leitura encenada” da chamada “trilogia das barcas” — Auto da Barca do Inverno, Auto do Purgatório e Auto da Glória –, orientado pelo diretor artístico do TNSJ, Nuno Carinhas, e pelo encenador Nuno M. Cardoso.

A iniciativa, intitulada “Atelier 50”, é “uma ação de envolvimento da comunidade no universo teatral”, pode ler-se num texto de apresentação, e visa recordar a trilogia apresentada entre 1517 e 1519, na corte do rei D. Manuel I, como “o ponto culminante do teatro religioso vicentino” e como destaque da “alegoria sagrada do teatro europeu do século XVI”. A atividade tem entrada gratuita, até à lotação de 50 pessoas, e decorre das 10h às 17h30, no Mosteiro de São Bento da Vitória, espaço sob a alçada do teatro nacional.

No dia 15 de janeiro, é a vez do Teatro Carlos Alberto acolher a conferência “Gil Vicente no seu tempo e no nosso tempo”, ministrada por José Augusto Cardoso Bernardes, professor catedrático da Universidade de Coimbra e especialista no dramaturgo, poeta e ourives. Marcada para as 21h de dia 15, com entrada gratuita, o autor de Sátira e Lirismo no Teatro de Gil Vicente vai falar sobre “a caleidoscópica obra daquele que é tido como o fundador do teatro português”.

A conferência precede a apresentação de cinco récitas de Embarcação do Inferno, uma coprodução da Escola da Noite, de Coimbra, e do CENDREV — Centro Dramático de Évora, que recupera um texto do precursor do teatro português, com encenação de António Augusto Barros e José Russo, no Teatro Carlos Alberto, de 17 a 21 de janeiro. Estreada a 6 de outubro de 2016, no Teatro Garcia de Resende, em Évora, e com consultoria científica de Cardoso Bernardes, a peça é criada a partir “do mais estudado texto do ‘Livro das Obras'”, com cinco séculos de antiguidade.

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Com cinco séculos de antiguidade, Auto da Barca do Inferno é a mais reconhecida obra do autor e “um ápex do teatro europeu do final da Idade Média”. “Talvez no tempo em que vigoram conceitos como os de pós-verdade, os dilemas do Bem e do Mal dramatizados no início do século XVI nos pareçam obsoletos. Mas, entre risos, pragas, blasfémias, orações e lamentos, vislumbramos no teatro de Gil Vicente o que somos: talvez mesmo aquilo que estamos em vias de ser”, descreve o texto de apresentação da produção. Com interpretação de Ana Meira, Igor Lebraud, Jorge Baião, José Russo, Maria João Robalo, Miguel Magalhães, Rosário Gonzaga e Rui Nuno, Embarcação do Inferno estará em cena até 21 de janeiro, com a última récita a ter tradução em língua gestual portuguesa.

Se Gil Vicente é um “enigma que não se desfaz, a despeito de todas as leituras que sobre a sua obra possam ser realizadas”, o São João dá espaço ao trabalho do “Trovador” e convida ainda professores e outros curiosos da comunidade escolar para uma oficina dedicada a Gil Vicente, no dia 20, no TNSJ. Durante todo o dia, a formação “tem como objetivo a partilha de algumas ferramentas de trabalho teatral que possam auxiliar os professores na sala de aula no ensino de teatro”.

Dramaturgo, poeta e ourives, Gil Vicente partilha com o espanhol Juan del Encina, também compositor, o papel de impulsionador da dramaturgia na Península Ibérica, sendo uma das principais figuras do seu tempo na dramaturgia europeia e na transição entre a Idade Média e o Renascimento. Como ourives, é-lhe atribuída a Custódia de Belém, mandada lavrar por D. Manuel I e datada de 1506, que faz parte do acervo do Museu Nacional de Arte Antiga (MNAA). No Teatro Nacional São João, a obra vicentina tem sido presença recorrente, e Breve Sumário da História de Deus, em 2009, foi a primeira peça encenada por Nuno Carinhas, enquando diretor artístico da instituição.