A Quebrar o Silêncio é a primeira associação portuguesa que presta apoio especializado a homens vítimas de abuso sexual. Esta sexta-feira celebra o seu primeiro ano de atividade, altura em que organiza um evento para lançar materiais de sensibilização, mas também para refletir sobre a sua intervenção no ano de estreia.

Convidados como Tozé Brito, Margarida Medina, da Associação de Mulheres Contra a Violência (AMCV), e Ana Paixão, da Questão de Igualdade, vão fazer parte do evento para uma conversa informal sobre violência e abuso sexual de homens e rapazes. O fundador da Quebrar o Silêncio, Ângelo Fernandes, diz que “A maioria dos homens vítimas de abuso sexual demora cerca de 26 anos em silêncio até procurar apoio. E a maioria destes homens que chega até nós, procuram apoio pela primeira vez”.

A associação recebeu, no seu primeiro ano de atividade, 85 pedidos de apoio — mas na avaliação foram contabilizados apenas os pedidos até 8 de janeiro de 2018, ou seja, 76. Desses 76 pedidos, 46 eram homens sobreviventes, 16 pessoas não sobreviventes (familiares ou pessoas amigas) e 14 mulheres sobreviventes que foram reencaminhadas para entidades parceiras como a AMCV.

A idade média dos homens sobreviventes que procuram a Quebrar o Silêncio é de 36 anos. Num total de 46 homens sobreviventes, 36 referem que é a primeira vez que procuram apoio (78,3%) e 10 já o tinham feito antes (21,7%). Os que recorrem à associação não são residem apenas em Portugal (um total de 26 homens), mas também em Espanha, França, Suíça, Roménia, Alemanha ou Brasil. Quanto à prevalência do abuso, 30 dos homens sofreram abusos continuados (65,2%) e três casos foram de abuso pontual (6,5%). Na sua maioria

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As pessoas por vezes acreditam que os agressores são estranhos, mas essa é uma ideia errada. A maioria dos casos ocorre na infância e em cerca de 90% dos casos o agressor conhecia o rapaz, porque era familiar ou conhecido da família. E estes não são casos pontuais. Na maioria das vezes, falamos de casos de abuso com duração média entre 3 a 4 anos, sendo que há casos de abuso com duração superior a 10 anos”, explicou Ângelo Ferreira.

A Quebrar o Silêncio refere que há muita desinformação e muitos mitos acerca do abuso sexual de homens e rapazes, havendo uma certa resistência em reconhecer que eles também são vítimas — um em cada seis homens é vítima de abuso antes dos 18 anos. Os valores tradicionais da masculinidade reforçam ideias erradas, como “a ideia de que os homens são sempre o agressor e nunca a vítima, o que alimenta também o silêncio dos homens sobreviventes e acaba por se tornar num obstáculo a procurar apoio.” Dos 85 pedidos de apoio no primeiro ano de atividade da associação, 78,3% é de homens que procura apoio pela primeira vez. Em 66% dos casos, o abuso ocorreu antes dos 11 anos.

Além do acompanhamento dos homens sobreviventes, a Quebrar o Silêncio trabalha com as escolas para realizar ações de sensibilização para rapazes e raparigas, onde se abordam temas para lá do abuso sexual.

Quando pedimos que nos ajudem a definir o que é ser homem, a maioria das respostas vem no sentido de que o homem não pode chorar, tem de ser forte e saber defender-se… Os valores tradicionais da masculinidade continuam muito presentes na educação das crianças. Numa das sessões, um dos jovens referiu-me com convicção que «ser homem é ser o pilar que sustenta a família»”.

Sobre a violência sexual, o fundador da associação refere que os jovens “por um lado compreendem que a responsabilidade do abuso é do agressor, mas por outro continuam a acreditar que a vítima pode provocar e que de algum modo é responsável pelo abuso sofrido. É um reflexo da cultura de responsabilização que observamos diariamente, e que muitas vezes aponta o dedo a quem sofreu o abuso e não a quem o cometeu, o que promove também o silêncio das vítimas”.

A Quebrar o Silêncio vai lançar, em 2018, um podcast com o mesmo nome, e já há temas e convidados para os três primeiros programas. O primeiro é sobre o abuso sexual de homens e rapazes, com Tozé Brito, depois o tema será a educação sexual e sexualidade, com Vânia Beliz e o terceiro terá como convidada Catarina Marques Rodrigues, para falar sobre os media e a violência sexual.