Já muito se escreveu, nos últimos meses, sobre o impacto verdadeiramente mundial de uma possível saída do Reino Unido da União Europeia (UE). Os mercados financeiros, de imediato, e a economia europeia, brevemente, irão sentir — parece consensual, visto de fora — os efeitos da incerteza associada a ter a segunda maior economia da UE a sair do clube. Depois há as implicações políticas e as consequências geopolíticas. Mas este texto não é sobre isso. É, ao invés, sobre quem vai tomar a decisão (por eles e por todos nós).
Ao longo dos últimos dias, o Observador conversou, em Londres, com dezenas de pessoas que disseram como iam votar — ou, em boa parte dos casos, para onde estavam inclinados para votar, a poucas horas do referendo. Sim, a poucas horas do referendo, várias pessoas ainda não tinham decidido o seu sentido de voto. Para estes, o ex-primeiro-ministro Tony Blair tem um conselho: “não votem“.
Mas Liam Wright vai votar, apesar de na segunda-feira ainda não ter a certeza em quê. “Diria que estou 70% inclinado a votar na saída e 30% na permanência”, diz o designer gráfico com uns enganadores 26 anos.
Quando saiu da faculdade, Liam passou vários anos a “pagar para trabalhar, porque era esperado de mim que o fizesse. Depois de alguns anos a trabalhar de graça, custou-me muito chegar à posição onde estou”. Na opinião do designer gráfico, a pertença do Reino Unido à União Europeia será parte da razão por que é tão difícil para os jovens entrar no mercado de trabalho.
E não só no mercado de trabalho. “Quando ouço as pessoas a avisar que se o sair vencer, os preços das casas irão descer — isso, para mim, que quero comprar a minha primeira casa daqui a uns anos, isso seria uma ótima notícia”, diz Liam Wright, em conversa com o Observador.
Liam não está a conseguir comprar a sua própria casa, não obstante o facto de o mercado imobiliário da capital britânica estar em fortíssima expansão. Contudo, para mal dos pecados de Liam, o grande crescimento da oferta não está a fazer cair os preços das casas. Pelo meio o que é que acontece? “Londres transformou-se numa selva de betão“, diz outra votante no leave, Christine — esta sem qualquer dúvida de que irá votar pela saída.
#Christine vota "Sair" porque Londres se tornou uma selva de betão" pic.twitter.com/daPE2WYLZb
— Edgar Caetano (@EdgarCaetano) June 21, 2016
Christine diz que vive neste local — o South Bank de Londres — “há anos e anos” e, na sua opinião, deixou de ali existir uma comunidade. E o que preocupa Christine, que trabalha com pessoas sem abrigo, é que “antigamente os nossos sem abrigo eram britânicos com problemas de álcool, por exemplo, e agora quase todos os nossos recursos são dedicados a refugiados e imigrantes que temos de tentar ajudar, negligenciando os nossos”.
“Não me interprete mal”, diz Christine ao Observador. “Se eu estivesse no lugar deles, eu também quereria vir para cá”, sublinha. Mas quem são eles? Os refugiados do Médio Oriente? Os imigrantes de outros países europeus? Especificamente, dos novos países europeus, eventualmente? “Não tenho qualquer problema com os imigrantes, desde que trabalhem, Deus os abençoe. Mas o que constato é que há enormes quantidades de pessoas que vêm para cá sem qualquer ocupação, apenas interessados, naturalmente, em explorar os nossos recursos — e o Reino Unido, assim, não aguenta”, diz Christine.
Em resumo, Christine vota sair porque “a Europa consegue safar-se muito bem sem nós, e nós conseguimos safar-nos muito bem sem ela“.
A questão da imigração tem sido o cavalo de batalha da campanha do leave. E isso está a ser bem acolhido por uma grande fatia da população — um taxista, que também votará out, comenta com o Observador: “Somos todos bastante diferentes uns dos outros, não somos? Na medida do razoável, devemos ficar cada um no seu cantinho“. E o que significa “na medida do razoável”?.
“Não é assim que devemos colocar a questão. O que preocupa muitos cidadãos não é a quantidade de pessoas que estão a entrar no Reino Unido nos últimos anos. O que realmente as preocupa é uma ideia, que o Leave tem conseguido difundir, de que o governo não tem qualquer controlo sobre esta matéria”. A explicação é-nos dada por Mark Bentley, que vota remain porque “a Europa tem muitas falhas mas abandoná-la não é a solução“.
Mark, um cinquentão que trabalha em televisão e documentários, acredita que o ficar acabará por vencer por larga margem — talvez “60%”. E porquê tanta confiança? “Porque nos referendos as pessoas tendem sempre, no final, a pender para o status quo“. E houve outro acontecimento decisivo: a morte violenta da deputada Jo Cox.
“Claro que teve um efeito nas intenções de voto. Há pessoas idóneas com muito boas razões para preferir sair da União Europeia, mas esse acontecimento acabou por expor o lado feio do leave“, nota Mark Bentley. O homem que matou Jo Cox, Thomas Mair — ou, como o próprio disse, em tribunal, chamar-se, “Morte aos Traidores Liberdade para o Reino Unido — é alguém representativo de um nacionalismo extremista que existe aqui”. O ambiente sente-se pesado, em Londres, por vezes, “e até gerações mais velhas de pessoas imigrantes se queixam dos imigrantes”, diz Mark Bentley.
Mas há, também, quem tenha a opinião de que o caso Jo Cox não tem qualquer relevância — ou não deve ter, pelo menos — para este referendo. “O caso provocou um choque muito grande, mas pelo que lê nas notícias, foi um caso isolado e o homem tinha problemas mentais — o que, a propósito, deverá fazer com que seja condenado como um doente mental e não como um assassino”, afirma Alison Gilliard, de 37 anos, que, “regra geral”, vota no Partido Conservador.
Alison vai, portanto, votar no leave. E não foi fácil chegar a essa decisão: há vários meses, começou a desconfiar dos argumentos transmitidos de forma quase consensual pelos jornais que lê. “Procurei informar-me mais e, gradualmente, cheguei à minha decisão de votar pela saída“, apesar de não ter sido fácil encontrar informação sobre o que é que isso significava, numa primeira fase.
É preciso uma reformulação na economia britânica, defende Alison, com mais atenção à indústria produtiva e a setores como a pesca. É quando fala sobre a pesca, e numa alusão aos sistemas de quotas aplicados na UE, que Alison diz que “algumas das regras que são feitas na Europa são absolutamente ridículas“. A decisão correta, para Alison, é abandonar a União Europeia, sem prejuízo de um dia poder voltar a entrar, “com condições melhores”.
Líderes europeus e responsáveis da política britânica garantem que a decisão de sair seria “irreversível”, mas Alison não faz caso. “É uma tática de alarmismo” — scaremongering, uma palavra que se ouve muito em Londres por estes dias — e “claro que a Europa nos deixaria voltar a entrar. A Europa precisa de nós”, remata Alison Gilliard.
“Alarmismo”? Será? Não, se perguntarmos a Ian, um recém-reformado que se passeia pelos jardins à beira de Westminster Abbey. “Vou votar remain porque acho que há muito errado com a UE mas também há muitas coisas boas na UE”, diz o perfeito cavalheiro, ao Observador. “Acho que uma saída seria um desastre para o país, tanto financeiramente como culturalmente. Seria mau para nós e mau para o resto da Europa – talvez para o resto do mundo”, afirma.
#Brexit Ian vota Ficar. Sair da UE seria "um desastre" para o Reino Unido pic.twitter.com/NTTGbgKiCd
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Ian tem uma outra preocupação, não tão indireta quando isso, quando se fala em vitória do Brexit. “Se votarmos leave teremos um governo diferente, um governo mais à direita, que ninguém legitimou por eleições”, diz o homem de 60 anos. David Cameron garantiu publicamente, nos últimos dias, que não se demitirá caso o Reino Unido venha a sair da União Europeia, mas Ian não está convencido de que isso seja possível.
“Uma vitória do sair levaria a todos os tipos de caos que se possam imaginar”, diz Ian. E isso faz com que se possa ter como um “mal menor” o facto de a Europa se fundar, em certa medida, em “burocratas não eleitos e dinheiro desperdiçado“.
Opinião absolutamente contrária tem Alan Cross, que dá mais peso na balança à burocracia europeia (a famigerada red tape) na altura de decidir como votar. Vai votar leave — “definitivamente” — porque não aceita a perda de soberania que implica a participação na União Europeia.
#Brexit Alan vai votar pela Saída porque diz que não gosta de ver Bruxelas legislar para o Reino Unido pic.twitter.com/NpCx8Opphv
— Edgar Caetano (@EdgarCaetano) June 21, 2016
“Tenho idade suficiente para me lembrar como funcionavam as coisas no tempo da EFTA”, diz Alan Cross, que fumava um cigarro junto a Lambeth Bridge — um local onde, confessa, não se pode fumar. O britânico lamenta que, agora, “tudo tem de passar por eles” — Bruxelas — no que a legislação diz respeito. Esta foi a posição assumida, também, por Sarah Franklin, uma rececionista de 52 anos que lembra que, “no início, isto era só para ser um bloco de comércio. Como é que, de repente, é Bruxelas que determina, indiretamente, quanto é que ganhamos ao fim do mês?”
Para Sarah Franklin, “a influência da Europa no Reino Unido é a bit too much — um pouco excessiva”. E é por isso que a rececionista vai votar pela saída — “apesar de dizer isto não ser muito popular, neste momento”, ou seja, desde a morte de Jo Cox.
Mas, voltando a Alan Cross, sair não é um perigo para a economia, porque “Londres continuaria, mesmo fora da União Europeia, a ser o centro económico mundial que hoje é”. Neste ponto, Alan concorda com a campanha pelo Leave, e com os argumentos defendidos por figuras como Boris Johnson e Nigel Farage.
A poucos metros de Alan, porém, está alguém que a última coisa que quer é que a associem a pessoas como essas — Johnson e Farage. Gabriella sabe pouco de Economia — ela própria o diz — e prefere temas como os Direitos Humanos. Considerando-se uma pessoa “politicamente situada muito à esquerda”, Gabriella recorda-se de ser influenciada por figuras da esquerda britânica no sentido de idealizar a saída da União Europeia.
Para que não restassem, a Gabriella, quaisquer dúvidas sobre como deveria votar, surgiu o “discurso de xenofobia e este tipo de narrativa horrível que tipos como Nigel Farage adotam”. Muito cedo desde que a campanha começou, Gabriella não teve dúvidas: vai votar pela permanência — ficar.
E é também no ficar que vai votar Rebeca. E, também, Mia. E, ainda, Jessica. As três amigas, todas com 20 anos, acham, simplesmente, que ficar na União Europeia é aquilo que é melhor para o seu futuro, para a sua segurança económica e para as suas perspetivas de emprego.
“Vamos todas votar no ficar, sim. Quase todos os nossos amigos vão votar no ficar, só alguns familiares mais velhos é que preferem sair”, diz ao Observador uma das jovens. É bem sabido que os cidadãos desta faixa etária tendem a preferir, de forma predominante, a permanência. Mas o receio de alguns analistas é que, em muitos casos, será difícil mostrar-lhes o incentivo que devem ter para votar. Muitos defensores da União Europa receiam que estes jovens, pró-europeus, simplesmente fiquem em casa.
Não será o caso de Rebeca, Mia, Jessica. Nem dos seus amigos. “Todos vão votar, garanto-lhe“, diz uma das jovens – é difícil recordar qual delas, exatamente.