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MÁRIO CRUZ/LUSA

MÁRIO CRUZ/LUSA

Do congresso ao Mexefest: quem dá mais música?

Quem disse que não era possível juntar política e música? Num vaivém desenfreado, o Observador esteve no XX Congresso do Partido Socialista e no festival Mexefest.

Política e música de mão dada. Será possível? Sim senhor. Foi nisso que o Observador se aventurou, qual bola de ping-pong, entre o XX Congresso do Partido Socialista e o festival Mexefest. Lisboa foi palco de uma importante reunião que discutia o futuro do país, quiçá onde estaria o futuro primeiro-ministro, António Costa. Mas não só: Lisboa teve música e salas a perder de vista para quem gosta desta vida de bater o pé e abanar o capacete. Esta missão omnipresente ganhou, de imediato, uma banda sonora inevitável: “Porque eu só quero ir/Aonde eu não vou/Porque eu só estou bem/Aonde não estou”. António Variações é que a sabia toda…

“Boa noite freaks… e os outros de Lisboa”. Foi assim que começou o espetáculo de St. Vincent, pela voz da extravagante e sensual Annie Clark. Estávamos na madrugada de sábado, a poucas horas do arranque do congresso portanto. O público estava com ela, tudo o que fazia estava no ponto, na dose certa. O que dizia, os gestos em slow motion e o olhar penetrante. Quem estava no Coliseu dos Recreios ficou agarrado, como que hipnotizado. Não deixa de ser curioso fazer uma viagem mental à realidade política. E não é isto o que o povo quer? Ouvir a música certa a cantarolar nos ouvidos, os gestos apropriados, uma postura confiante e uma narrativa e retórica que não deixam largar mão. Tem tudo a ver com sedução.

Mas também na música, e tantas vezes, há bolas ao poste. Como aconteceu a esta mulher, cujos dedos roçavam de forma lasciva nas cordas da guitarra elétrica. “Eu e vocês temos muitas coisas em comum”, voltou à carga, ainda com 100% dos “delegados” e apoiantes com ela. “Nascemos antes do século XXI. Depois, quando estamos numa loja olham-nos como se fôssemos roubar. E aí só temos duas soluções”, disse, seguindo-se depois um sem número de coisas até que culminou com a segunda opção: “ou então roubamos”. Foi tudo muito giro até passarmos a fronteira dos três, quatro, cinco minutos. Aí, aquilo abanou. Ouviram-se alguns assobios. Houve até quem dissesse “canta mas é pá!”.

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Pois, até aqui, como na política, as pessoas preferem ver ação em vez de uma lengalenga sem fim. O que aconteceu então? Tocou-se pouco depois o “Digital Witness” (vídeo em cima), para fazer as pazes. Tal e qual como os políticos, quando sentem o chão a fugir dos pés, que berram um sound bite impecável, incontestável, irresistível. Et voilà! Ligação estabelecida.

“ESTE CONGRESSO É MAIS MÚSICA SLOW”

Um cenário em tons de vermelho e verde vestia a FIL, o palco do congresso socialista, numa clara alusão à bandeira portuguesa. O que era feito do amarelo? Talvez ficasse para alguns sorrisos e desconfortos. É que este evento tinha algumas limitações. Havia um nome proibido, um fantasma, um elefante numa sala de porcelanas. José Sócrates foi detido na sexta-feira da semana passada (dia 21) e encontra-se em prisão preventiva. Para António Costa, ao contrário de António José Seguro, que sempre preferiu não largar da mão o passado, foi um valente murro no estômago. Uma autêntica casca de banana no caminho. Há sensivelmente um mês, Ferro Rodrigues, o novo líder parlamentar do PS, elogiou no Parlamento o antigo primeiro-ministro porque “resistiu até ao limite” ao resgate financeiro. Era um congresso assombrado…

António Costa entrou ao som de duas obras de Brahms, a Sinfonia n.º1 e Abertura do Festival Académica. Longínquo vai o tempo em que se ouvia Vangelis (“1492”), que ditava a entrada de António Guterres, o engenheiro desta prática. José Sócrates caminhava triunfante com uma das músicas principais do filme “Gladiador”, enquanto António José Seguro preferia a canção da série “Norte e Sul”, porque apelava à “defesa dos valores da dignidade humana”.

Sereno, com um jornal ao colo, João Cardoso, de 62 anos, estava na bancada e não apoiava esse silêncio, esse faz de conta. “Acho que devia ser apoiado. Sócrates existe. Sempre gostei dele. Não podemos renegar o passado”, explicou. Seria como um fantasma? João Cardoso, militante há 30 anos e habituado a estas andanças dos congressos, confirmou, adiantando depois que lhe agradaram os discursos de António Costa e Carlos César. Mas esperava um e só um: o de António Sampaio da Nóvoa, um potencial candidato presidencial. “Gosto muito de o ouvir.” Para este militante, que estava ao serviço em Santa Margarida quando se preparava o golpe das Caldas, na madrugada de 16 de março de 1974, Portugal “precisa de um abanão”. Mas de que tipo? “Houve cravos na guerra que eu fiz. Os tempos são outros. Eles falam, falam, falam, mas não se traduz em nada.” Ok, e o tal abanão? “Eu tinha uma G3. Não preciso de dizer tudo, pois não?…”

“Acho que devia ser apoiado. Sócrates existe. Sempre gostei dele. Não podemos renegar o passado”
João Cardoso, militante há 30 anos

Suavizando a conversa, apontámos as armas para a música. “Este congresso é mais música slow. Dá para dançar, mas pode ser que ainda ainda mexa. Esperemos que sim.” Afinal, o partido tomou o caminho que ele mais desejava: “Era apoiante do Costa desde o princípio.” Não lhe importa a troca de vocalistas da banda nas vésperas de um grande show. Habilmente, João Cardoso levou a conversa para Tomar, a terra onde nasceu. Disse um sem número de celebridades, jornalistas e artistas com quem partilha a terra mãe, mas deixou propositadamente um nome para último. “Veja lá se adivinha… o Relvas!”, elucidou, com um sorriso malandro. São já muitos congressos a virar frangos, como diz o povo, por isso aprende-se a arte da retórica branca e negra. Manipular faz parte. Tal como um músico quando diz que os portugueses são o melhor público para o qual já atuaram.

Tino de Rans estava algures na sala. O que estaria ali a fazer? Estaria de volta? Iria discursar e abraçar efusivamente António Costa como o fez a António Guterres? Tornou-se imediatamente num dos objetivos para esta reportagem. Enquanto essa conversa não acontecia, subiu ao palco um homem que prometia aproximar-se do estilo de Tino. Falamos de Carlos Alberto Ramos, um homem natural da Guiné-Bissau, atual número 5 da lista da Junta de Freguesia de Algueirão-Mem Martins, que estudou na Faculdade de Direito de Bissau. A entrada foi forte, com um tom de voz pesado, áspero. “Vamos gritar: viva a agenda!”. Não se ouviram grilos (“cri cri”), mas só porque em vez do eco que esperava das próprias palavras se ouviram palmas. Menos mal, salvou-se um desconforto implacável.

Tino de Rans estava algures na sala. O que estaria ali a fazer? Estaria de volta? Iria discursar e abraçar efusivamente António Costa como o fez a António Guterres?

O discurso foi apaixonado, sempre com lamentações por causa da limitação de tempo. “O problema do PS é a comunicação interna”, vaticinou, apostando depois em vários conselhos e práticas para implementar no que diz respeito ao funcionamento harmonioso do partido. Arrancou palmas e sorrisos. Houve empatia. O relógio avançava mais rápido do que as palavras, e apressou-se, não resistindo e soltando um “vamos ganhar a maioria absoluta a esses gajos!” Na bancada, ouviu-se um “ó meu deus”. Mas também houve elogios. Seria o novo Tino? O cumprimento a António Costa não foi tão fervoroso.

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Isto de subir a um palco e atuar para centenas de pessoas tem muito que se lhe diga. E vê-se bem quem domina a arte, ou quem está mais à vontade. É como num encontro de ténis, em que é tão diferente a forma como os melhores e os que estão muito abaixo no ranking batem na bola. Na política é igual, a colocação de voz, com subidas e descidas de tom, qual montanha-russa, visa sacar da audiência um sentimento de pertença conjunta e identidade. Entre algumas contribuições menos conseguidas, não muito impactantes, seguiu-se Ana Gomes, que soube agarrar aquela gente outra vez. Lá está, uma “tenista” que mora muito perto da suite executiva no tal ranking.

Também para o Observador o relógio era implacável. Depois de uma correria, eis que o táxi de Mário Santos parou. Homem pacato, de 61 anos, natural da Lousã, está nesta profissão há quase 22 anos. Foi bate-chapas desde os 14 anos, mas a vida deu uma volta. E a política, dará uma volta? “Eu votei neste Governo, mas ainda não decidi em quem vou votar”, admitiu. E o fantasma do congresso? “Não lhes convém falar no Sócrates. O homem ainda não foi julgado, só mesmo pela opinião pública. Não gostava dele como primeiro-ministro. Não era o mais indicado pela personalidade e, depois, pelos resultados da governação. Agora o António Costa…”, hesitou largos segundos. “Aquela forma como entrou, quando empurrou o outro para fora [Seguro]. Não sou desse partido, a guerra é lá com eles.”

“Não lhes convém falar no Sócrates. O homem ainda não foi julgado, só mesmo pela opinião pública. Não gostava dele como primeiro-ministro. Não era o mais indicado pela personalidade"
Mário Santos, taxista

Na praça dos Restauradores estava o estúdio onde a Vodafone FM fazia a emissão em direto. Por lá, estavam a atuar os Big Red Panda, finalistas do Vodafone Band Scouting, um programa que apostou na descoberta da música portuguesa. A rádio selecionou 16 novas bandas e destas foram escolhidas quatro, que acabaram por disputar a gravação de um LP. Fazia frio, mas era de borla, por isso juntaram-se ali 20, 30 pessoas. A tal missão omnipresente teve continuidade numa sala do Cinema São Jorge, onde tocavam os Savanna. Muito rock, muita corda sob tensão, uma bateria a virar do avesso, mas uma voz que não acompanhava. Às vezes acontece.

Do outro lado, no congresso, Álvaro Beleza, Jorge Reis Novais, Pedro Nuno Santos e Sampaio da Nóvoa apoderavam-se do microfone. O ritmo abrandou com a música de Pedro Lucas, no Starbucks da Estação Ferroviária do Rossio. Estava praticamente lotado, com muitas pessoas à conversa enquanto bebiam, nos sofás ou de pé, o seu café ou cappuccino. Os clientes e os funcionários tinham de berrar para trocar pedidos, enquanto Kalú, o baterista dos Xutos e Pontapés, explicava a um jovem, porventura um dos três filhos, como se afinava um certo instrumento. Esta aventura musical teria o ponto final, por agora, na Casa do Alentejo, para ouvir os Bristol. Boa onda, grandes vozes e som que fazia qualquer um abanar o esqueleto. Mas o destaque vai mesmo para a arquitetura do local, que mais parecia um cenário do jogo Prince of Persia (na versão dos anos 90, claro).

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“EXISTE UM FANTASMA E UM ELEFANTE NA SALA

De volta ao ponto de partida, a viagem de táxi, agora com Paulo Pereira, de 51 anos, foi mais atribulada. Pelo tom, criticas, mas essencialmente pelo desfecho. Este taxista, com três anos de profissão e que prefere trabalhar de noite, diz-se sem fé nos políticos. “Sócrates ‘tá armado em filósofo. Não venha cá com teorias, que eu não acredito na inocência dele. (…) Acredito muito no juiz Carlos Alexandre, mas acho que o Sócrates vai para casa com pulseira eletrónica. Acho um exagero a [prisão] preventiva.”

Já perto da FIL, entre “Costa não vai lá”, discursos sobre a hipocrisia dos políticos, uma tirada sobre Seguro — “era a coisinha mais insonsa que já vi” — e ódios de estimação face a Sá Carneiro e Cavaco Silva, Paulo Pereira saiu-se com um “sou salazarista.” Não entende como falam tão mal do antigo ditador. Não entende porque mudaram o nome da Ponte 25 de Abril. “Foi um dos melhores estadistas do século XX a nível internacional”. No final da viagem pediu “desculpa por qualquer coisinha”. Ora essa, afinal foi o 25 de abril que permitiu que estas conversas existissem… O sorriso amarelo e o braço a torcer invadiram-lhe a alma enquanto dava o troco. Numa altura em que se discutia, a tão-somente 50 metros, o futuro de um país que é democrático há apenas 40 anos, não deixa de ser interessante ter encontros de primeiro grau com outras realidades.

Os discursos na casa continuavam a exaltar o novo líder, António Costa, gritando que o Governo de Passos Coelho fomentou divisões entre velhos e novos, ricos e pobres, empregados e desempregados. Assim mesmo, como quem gosta de rotular e separar as águas entre o rock, punk e pop. Lá fora, ao frio, ouviu-se o Cante Alentejano, pela voz de um grupo de Ferreira do Alentejo. “Isto não é político nem religioso. Hoje estamos no PS, amanhã podemos estar noutro lado”, afirmou, desempoeirado, o chefe de delegação, digamos assim. Cantariam mais tarde o “Grândola, Vila Morena” lá dentro.

Os discursos na casa continuavam a exaltar o novo líder, António Costa, gritando que o Governo de Passos Coelho fomentou divisões entre velhos e novos, ricos e pobres, empregados e desempregados. Assim mesmo, como quem gosta de rotular e separar as águas entre os rock, punk e pop.

Fernando, de 52 anos, estava sentado sozinho na bancada. Ou quase. É que a mulher é delegada socialista, do Barreiro, e estava lá em baixo. “Vim dar apoio e ouvir as ideias. Sou um ouvinte”, explicou este homem que se fez militante em 2014 porque “era altura de passar dos bastidores para a ação”. Para Fernando, os cabeças de cartaz deste festival político eram António Costa, Carlos César, Capoulas Santos e Almeida Santos. O estilo de música não era importante, mas sim a mensagem. “Se fosse um festival de música, que fosse em português para que todos entendam”.

Nos corredores do congresso continuava a cochichar-se sobre Sócrates. Ainda ninguém havia dito aos microfones o nome do ex-líder do partido. Ninguém, e a noite já ia longa. Entre delegados lá se desabafava que os jornalistas queriam era perguntar sobre o ex-primeiro ministro. “É normal”, diziam. A porcelana continuava intacta, até que chegou ao púlpito Miguel Alves, o presidente da Câmara Municipal de Caminha. “Existe um fantasma e um elefante na sala. Quem vê esse fantasma não sabe ver o óbvio, que no PS ninguém manda de fora a sua agenda. Não temos uma agenda articulada desde o exterior”, atirou. ” O autarca disse ainda que o PS é um partido “levantado do chão” e “com orgulho do seu passado”, incluindo o passado recente. Apesar das promessas, não ousou dizer o nome de Sócrates. Disse sem dizer, como quem desafia uma ordem vinda de cima.

“Existe um fantasma e um elefante na sala. Quem vê esse fantasma não sabe ver o óbvio, que no PS ninguém manda de fora a sua agenda. Não temos uma agenda articulada desde o exterior”
Miguel Alves, presidente da CM de Caminha

O “animal feroz”, como é conhecido José Sócrates, não teve direito a existir no congresso. Existiu, lá está, sem existir. Mas Miguel Alves dava uma ótima deixa para um regresso ao Mexefest. Os Wild Beasts iriam tocar às 00h15 no Coliseu. A sala estava cheia, o público animado. Afinal, era um dos grandes concertos do cartaz, senão o maior. O concerto durou menos de uma hora e meia e foi de alto gabarito. No fim, com as luzes, via-se de tudo. Conversas íntimas, casais apaixonados, amigos em amena cavaqueira e caminhadas a desafiar a gravidade, com dois copos de cerveja na mão e um chão a desviar-se. A noite era uma criança para aquela gente, por isso ainda estava tudo muito impecável. Ao contrário do que acontece num congresso, onde figuras como António Costa e Carlos César, quais maratonistas, ficaram mais de 12 horas e as olheiras e cansaço davam de si.

E Tino de Rans? Desapareceu em combate. Não discursou, não virou de cima abaixo um congresso ameno e nada empolgado como o fizera em 1999. “Por amor de Deus não durmam à sombra da laranjeira”, foi uma das frases do então presidente da junta de Rans, no concelho de Penafiel. Nem se viu e ouviu Tino, nem o nome José Sócrates. A disciplina de voto virou disciplina da narrativa. Ao aceitar esta omissão coletiva na narrativa, o Partido Socialista pretende mostrar união e contenção. As águas foram separadas, como queria António Costa. Mas até quando vai a música aguentar neste tom?

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