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Paulo Cunha/LUSA

Paulo Cunha/LUSA

Um ano depois, o que eles encontraram na gaveta dos dinossauros

Armas, semáforos avariados, quadros de Soares e muitas contas para pagar. A herança dos novos autarcas é feita disto. Mas um ano depois das autárquicas, muitos garantem já ter obra para mostrar.

Será que é perigoso ser presidente da Câmara Municipal do Funchal, na Madeira? Alguém com certeza pensava que sim, ou não fosse o novo autarca, Paulo Cafôfo, ter descoberto no seu gabinete duas pistolas logo no primeiro dia em que chegou à presidência. “Não sou dado a cowboyadas“, ri-se Cafôfo, que, a 29 de setembro do ano passado, fez história ao pôr um ponto final no domínio PSD naquele município. Miguel Albuquerque, o seu antecessor, que aspira agora ao lugar de Alberto João Jardim, defende-se. “Não tenho jeito para pistoleiro. Nunca andei aos tiros a ninguém”, diz, garantindo que quando ele chegou à câmara, há 19 anos, as armas já lá estavam e “ficaram sempre dentro de uma gaveta”.

Se o problema da dívida do Funchal se resolvesse à pistolada, certamente Cafôfo não se teria importado de dar uso a uma das pistolas. Só que não é um tiro que trata do assunto – e as armas foram entregues à PSP. O novo presidente daquela autarquia conseguiu unir o PS, o Bloco de Esquerda, o Movimento Partido da Terra (MPT), o Partido Trabalhista Português (PTP), o Partido dos Animais e da Natureza (PAN) e o Partido da Nova Democracia (PND, entretanto afastado do executivo) em torno da sua candidatura, o que já não foi tarefa fácil. Mas o pior ainda estava para vir.

"Nunca fui dado a cowboyadas", afirma Cafôfo. O seu antecessor, Miguel Albuquerque, diz que também não. "Nunca andei aos tiros a ninguém".

“Nunca foi tão difícil ser presidente”, começa por dizer Cafôfo, a quem todos tinham dito que o município funchalense “dava lucro”. Mas, analisadas as contas ao pormenor, descobriu que, em 2012 e 2013, a autarquia não tinha pago nem um cêntimo aos grandes fornecedores, numa conta que ascendia a sensivelmente 20 milhões de euros. “Uma câmara que não paga só pode dar lucro”, ri-se o autarca, que tem de lidar com um défice de 90 milhões de euros que deixa o município numa situação “periclitante”. “O que temos estado a fazer [ao longo deste ano] é pagar dívidas… mas eu não quero só pagar dívidas!”, diz, acrescentando que todos os compromissos que assumiu na campanha eleitoral “estão no terreno”, mesmo que ainda não estejam plenamente concretizados.

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Uma das medidas que já está implementada é o orçamento participativo, que o Funchal terá este ano pela primeira vez e que, face a 19 anos de governação social-democrata na capital da Madeira, representa uma “mudança de mentalidade do que era o exercício da democracia”, acredita Paulo Cafôfo, que defende que “nunca ninguém fez tanto em tão pouco tempo nem com tão pouco”. E sem pistolas.

Paulo Cafôfo, presidente da câmara do Funchal, aqui ao lado do ex-líder do PS, António José Seguro, que fez parte da coligação que derrotou o PSD

Joana Sousa / ASpress

Soares e os buracos

Fora as cowboyadas madeirenses, há um tema que une os presidentes de câmara que, no ano passado, entraram pela primeira vez nos seus gabinetes, depois de anos de governação dos chamados ‘dinossauros autárquicos’: dívidas, dívidas e mais dívidas. Há precisamente um ano, a 29 de setembro de 2013, os novos presidentes regozijavam e prometiam um novo ciclo. Depois, depararam-se com a realidade, dizem, segundo as versões que contaram ao Observador. No caso da Trofa, também com um anacronismo.

Mário Soares já não é Presidente da República desde 1996, mas isso não impediu que Joana Lima, a anterior presidente, eleita pelo PS, tivesse um retrato do histórico político no seu gabinete. Sérgio Humberto, o novo presidente eleito pelo PSD e CDS, ficou indignado e mandou retirar o quadro da parede por se tratar do retrato do “maior corrupto da História de Portugal”, afirma, e a obra aguarda melhores dias num armazém municipal. “Não vamos gastar dinheiro a enviá-lo a Soares”, resume Humberto.

Insólitos à parte, a situação da câmara da Trofa era, há um ano, “terrível”. “Terrível”, reitera, disparando em seguida que a dívida do município é de 68 milhões de euros e as receitas são de 70 milhões. Joana Lima, a quem Sérgio Humberto sucedeu, estava longe de ser um ‘dinossauro’: a socialista só cumpriu um mandato e tornou-se a primeira mulher presidente de câmara a não conseguir a reeleição. Ainda assim causou estragos, acusa o novo autarca.

“Infelizmente, no passado, não existiu obra. Aumentou a dívida em dez milhões de euros e nunca fez nada”, afirma Humberto, cuja câmara tem a sua sede numa moradia, estando os serviços municipais espalhados por uma miríade de edifícios. Há um ano, diz, as rendas de todo o complexo camarário ascendiam a 300 mil euros; hoje esse valor é de 200 mil. Essa poupança, somada à conseguida pela redução das estruturas dirigentes, vai permitir à Trofa “deixar de ser a capital dos buracos”, o infame título conseguido pela localidade graças ao mau estado da sua rede viária.

Sérgio Humberto, presidente da autarquia trofense, não se inibiu e participou recentemente num banho público

Miguel Pereira / Global Imagens

Campos de futebol para todos

Braga pode ter estradas mais bem tratadas do que as da Trofa, mas de buracos não se livra. A dimensão do que a autarquia deve aos credores é quase tão impressionante quanto o tempo que durou o mandato de Mesquita Machado. São 250 milhões de euros, segundo as recentes contas da PriceWaterhouseCoopers (PWC), pedidas pelo novo autarca, Ricardo Rio. A ele coube-lhe a tarefa de “afirmar uma diferença” face à governação socialista. E o facto de terem sido 37 anos de Mesquita Machado em Braga até “facilitaram o trabalho de afirmação da diferença” ao novo presidente, diz o próprio, eleito por uma coligação do PSD, CDS e Partido Popular Monárquico (PPM).

Já as questões de dinheiros não são tão fáceis de resolver. Um dos problemas com que a autarquia se debate vem, por exemplo, da manutenção de nada mais nada menos do que 30 campos de futebol, espalhados por todas as freguesias do concelho e que resultaram de uma parceria público-privada “claramente ruinosa” para os cofres municipais, comenta Rio. Os campos, diz, foram instalados “sem se discutir a utilidade do investimento – que é claramente discutível”. Agora, a autarquia tem sete milhões de euros para pagar anualmente, o que faz com que, juntamente com a manutenção do Estádio Municipal, “quase 15% do orçamento municipal vá para isto”.

"Não podem ser as pessoas a pagar os excessos de quem está a gerir a coisa pública", diz Eduardo Vítor Rodrigues, presidente da câmara de Gaia, referindo-se a certos "exageros" que afirma ter encontrado.

Quando chegou à câmara, Ricardo Rio tinha à sua espera muitos processos judiciais. Um deles era relativo a obras a mais no estádio, outro relativamente à anulação do aumento das áreas de estacionamento pago – ambos ainda a decorrer – e um outro sobre a expropriação de uns terrenos que pertenceriam à filha e genro de Mesquita Machado, que custou três milhões ao erário autárquico. Essa “negociata” acabou por ser anulada, refere Rio, que apesar do entusiasmo que essa decisão judicial lhe traz à voz, tem ainda de lidar com “acordos não formalizados e compromissos assumidos” pela anterior gestão e que deixarão a câmara de Braga a pagar contas pelo menos durante mais 25 anos.

Mas, à semelhança aliás de todos os presidentes de câmara ouvidos pelo Observador, o autarca diz estar interessado em olhar para o futuro e realça que, só no ano que já leva de mandato, a nova gestão já conseguiu dar atenção a “áreas negligenciadas” do concelho. Tais como? “Cultural, económica, patrimonial… nunca foram prioridades de anteriores executivos”, afirma o autarca, para quem Braga deve continuar a afirmar-se como a terceira cidade do país, tornando-se num “pólo de atração” a todos os níveis.

Ricardo Rio (à esquerda), aqui no Dia Nacional do Bombeiro, assinalado este ano em Braga

Paulo Jorge Magalhães / Global Imagens

Pequenas opulências de amigos

Se Ricardo Rio reclama para a cidade dos arcebispos o título de terceira maior cidade do país, Eduardo Vítor Rodrigues reclama para Vila Nova de Gaia o de terceiro maior concelho, atrás de Lisboa e Porto. E, em número de habitantes, até tem razão: Gaia tinha, em 2011 (data dos últimos Censos), 302.295 moradores, enquanto Braga registava 181.494 pessoas, ficando em sétimo lugar dos municípios mais populosos.

O novo autarca de Gaia, eleito pelo PS, debate-se com os mesmos obstáculos que os outros. De Luís Filipe Menezes, o anterior presidente, recebeu uma câmara “com muitos problemas”, nomeadamente a nível financeiro. Sem querer entrar em detalhes, Eduardo Vítor Rodrigues destaca que, entre setembro do ano passado e este ano, a autarquia conseguiu reduzir em 32 milhões de euros o passivo que havia nas contas. Isto mercê de “um grande esforço de contenção”.

No primeiro dia no seu gabinete, deu de caras com “formas de opulência e de exibir poder, exageros” que não quis especificar e aos quais, afirma, tratou de pôr cobro. “Não podem ser as pessoas a pagar os excessos de quem está a gerir a coisa pública”, afirma, proferindo de seguida uma frase que é habitual nos novos autarcas: “Quero olhar para a frente e não para trás”. E o que é que está à frente? A reabilitação urbana e da estrutura viária do concelho são duas das suas maiores preocupações, mas o que é mesmo urgente e lhe consome mais tempo é a renegociação da dívida que permita fugir do Fundo de Apoio Municipal.

"Moralizámos muito" as situações de mau uso dos dinheiros públicos, afirma Bernardino Soares

Jorge Amaral/Global imagens

Quem também se deparou com uma certa opulência autárquica foi Bernardino Soares, presidente da Câmara de Loures, reconquistada no ano passado pela CDU depois de uma governação PS. Mas, à primeira vista, ninguém diria, uma vez que quando os semáforos do município se avariavam, não havia ninguém que os arranjasse. Isso e os elevadores dos edifícios da câmara – em nenhum dos dois casos havia contrato de manutenção. Seria uma questão de falta de fundos?

Ao que parece, não, pois naquele município não haveria muitas chefias que não tivessem o seu carro de serviço. “Moralizámos muito essas situações”, garante o presidente – e, assim, muitos desses carros estão hoje parados. “Não podemos pedir compreensão à população para a incapacidade de resolver certas situações, que até precisavam de ser resolvidas, sem tomar outras medidas”, afirma Bernardino Soares, que herdou uma dívida de curto prazo de 17,5 milhões de euros, o que “torna manifestamente difícil a gestão corrente do dia-a-dia”.

Graças ao Porto, "as pessoas acabam por não perceber as especificidades do bilhete de identidade de Valongo", que as tem em abundância, afirma o autarca local.

Por outro lado, a nova gestão também se viu obrigada a criar novas regras internas de utilização de telemóveis, o que terá permitido a redução da fatura de telecomunicações em cerca de 60%. Mas havia abusos? Havia “situações de desperdício”, responde simplesmente o presidente, que admite que tinha “alguma ideia” do estado da autarquia mas não “a noção exata”.

Noção exata é um conceito que também não se podia aplicar a Gondomar, o município que, ao que parece, era a capital das bizarrias. Marco Martins, eleito pelo PS, encontrou o gabinete previamente ocupado por Valentim Loureiro praticamente “transformado num bunker“, relatou o novo autarca à Visão em janeiro. Mas mais: desse local saía um elevador secreto e de uso exclusivo do major que ligava diretamente ao estacionamento onde Valentim e a filha (ex-vereadora) aparcavam os seus automóveis. O Observador quis saber o que tinha acontecido a esse elevador, mas não foi possível, até ao momento, falar com Marco Martins.

José Manuel Ribeiro não esconde o orgulho que sente por Valongo

Jorge Amaral/Global Imagens

O inquilino da terra dos biscoitos

Quem oiça falar José Manuel Ribeiro dificilmente acredita que haja pessoa mais orgulhosa na sua terra do que o novo presidente da câmara de Valongo, eleito pelo PS. O Porto, a escassos quilómetros, “tapa muito e as pessoas acabam por não perceber as especificidades do bilhete de identidade de Valongo”, afirma. E que especificidades são essas? Ribeiro enumera: é a “terra dos biscoitos”; a “terra dos brinquedos”; a terra de onde se extrai a ardósia usada nos antigos quadros de escola – “os antecessores dos tablets – apenas não recebemos royalties [direitos de autor]”, brinca -; a terra do ciclismo e do BTT, entre outras coisas.

Com tamanho património, poderia julgar-se que governar Valongo é tarefa fácil. Desengane-se quem assim pensa, avisa José Ribeiro, que tinha à sua espera mais de 100 processos judiciais para resolver, muitos deles ainda não resolvidos e que, no total, poderão representar um prejuízo de 12 milhões de euros para os cofres municipais. Além disso, “já há uns meses” que a Inspeção Geral de Finanças anda a auditar as contas da câmara, o que pode trazer ainda mais surpresas a um concelho que se viu obrigado a recorrer ao Programa de Apoio à Economia Local (PAEL), onde foi buscar 16 milhões de euros que permitiram pagar aos fornecedores – mas deixou encargos de 1,8 milhões anuais para devolver o empréstimo.

Mas José Ribeiro não parece ser homem para falar de contrariedades. E, por isso, lista mais especificidades do concelho, estas já por si implementadas. Valongo é, por exemplo, “o único município onde há um deputado municipal surdo” e também o local onde há “o único boletim municipal” onde os partidos da oposição podem “escrever o que bem entenderem”. “Somos inquilinos do espaço público”, repete José Ribeiro diversas vezes, ele que diz já ter perdido 16 quilos só desde que é presidente. O seu maior orgulho é “a redução brutal do prazo médio de pagamento” a fornecedores, de 139 para 56 dias, o que lhe terá permitido poupar nos novos contratos celebrados pela autarquia.

Há cerca de um ano, quando o novo inquilino chegou à câmara, que funciona num prédio de habitação, esta estava literalmente a meter água, atulhada de bidões para conter a chuva que entrava pelos tetos. Houve obras e pelo menos esse problema ficou resolvido. Noutros campos, a câmara continua a meter água. Mas José Ribeiro está confiante: “Podemos ser muito felizes aqui”.

 
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