Esta semana tive que optar. Quem faz coisas como eu, ou nós, com contas bem feitas, não pode estar no Web Summit e na COP22 na mesma semana. De um lado estava a grande montra e centenas de potenciais investidores, do outro as Nações Unidas, o futuro do planeta, apresentar o potencial do que fazemos para financiar o desenvolvimento limpo dos países em desenvolvimento e, claro, Marrocos. Escolhi o segundo.

Viajar, por trabalho ou lazer, é sempre inspirador. Viajo muito na Europa por trabalho, não tanto por lazer como gostava (queremos sempre mais e mais tempo), mas foi a falta de roaming de dados que me devolveu uma sensação antiga: de “sentir” a viagem e ter vontade de a escrever. Desde o “mochilão” de 2008 na América do Sul que não sentia isto.

A viagem para Marraquexe, para a COP22, a primeira após o histórico Acordo de Paris e a primeira depois da eleição do Donald Trump, começa como qualquer outro ponto da minha agenda: responder a emails e posts até à última, ir de mota à pressa para o aeroporto (com paragem para abastecer pelo meio…) e chegar à porta já com o embarque aberto.

Sobrevoar Marrocos dá-nos o primeiro contacto com o lado exótico da viagem. Uma planície desértica, com ocupação esporádica e o Atlas, de cumes nevados, como pano de fundo. Na aproximação a Marraquexe facilmente vemos a diferença da arquitetura e materiais de construção, aqui muito mais argiloso, e uma cabeça como a minha, que costuma ver nos telhados o potencial solar desperdiçado constata “aqui os painéis solares concorrem com as parabólicas pelo espaço disponível nas coberturas”. O exotismo desaparece quando da janela do avião vemos um avião da RyanAir ao lado.

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No aeroporto percebemos que a cidade se vestiu para recebe a COP22 e, como só haviam dois passageiros para a zona do meu Riad (uma espécie de alojamento local que existe às centenas em Marraquexe e que tem muito boa reputação, no meu caso, com razão) levam-me (e à estudante americana que também esperava transporte) de carro elétrico até à Medina. Com ela percebi que as campanhas de marketing no estrangeiro funcionam, apesar de não as vermos. Conhecia a TAP Portugal stopover. Diz que Boston tem Lisboa por todos os lados.

As pessoas estão orgulhosas da cidade, de receber a Cimeira, e foram preparadas para isso. As três primeiras com quem falei repetiram as mesmas perguntas e comentários: “é a primeira vez aqui?”, “quando foi a última vez?” e “a cidade está muito diferente” com uma expressão de satisfação nos olhos. Para quem chega na minha posição isso é o contrário do que se quer ouvir mas temos que perceber a sua posição. A ligação entre o aeroporto e o centro é feita por avenidas novas, cheias de referências e orientações para a COP22, ladeadas por enormes parques públicos e hotéis de 5 estrelas.

O caos no trânsito densifica-se à medida que nos aproximamos da Medina, o coração de Marraquexe. É curioso como, quando estamos a pensar as alterações climáticas, a poluição atmosférica, etc., o fazemos com pensamento no mundo que nos rodeia mas aqui as emissões relacionadas com o transporte não têm comparação possível. Uma frota automóvel muito mais antiga e com pouco manutenção torna vários segmentos de qualquer passeio a pé irrespiráveis.

Passamos pelo local da conferência. Talvez seja porque não há nenhum sítio com a capacidade necessária na cidade, tudo parece ser feito em tendas gigantes. Ou será para manter presente a crise dos atuais refugiados, muitos dos quais estão já relacionados com o clima? Amanhã vou perceber melhor.

Chegados à Medina vejo que, felizmente, nesta parte pouco mudou. Claro que a minha memórias da praça e do souk são de há 16 anos quando, acabado de tirar a carta, saí pela primeira (e única vez) de carro da Europa, numa aventura todo-o-terreno com o meu pai. Que bom estar naquele epicentro de vida real. O cheiro a assados, fritos, especiarias, sumo de laranja e incenso rodeado de encantadores de cobras, curandeiros, artesanato e frutos secos.

Encontrei-me com o Robert Pasicko da UNDP que estava com uma perita em negociações climáticas, também da UNDP e que participou nas últimas vinte COPs. A última vez que esteve em Marraquexe foi em 2001, como eu, mas ela veio para a COP6!

Falámos sobre a emoção de Paris no ano passado, sobre as limitações das tomadas de decisão por consenso e sobre os desafios desta COP. Contou que os países “desenvolvidos” entendem que os “em desenvolvimento” já devem ter objetivos vinculativos de emissões de CO2, mas os “em desenvolvimento” dizem que então os objetivos de financiamento por países desenvolvidos também devem ser vinculativos. E de como é difícil chegar a uma boa solução, porque os “desenvolvidos” sabem que grande parte dos fundos doados se esvai na corrupção.

Jantámos na praça como não podia deixar de ser, na tenda em que vimos mais famílias marroquinas e sentados à mesma mesa, já com o Sam da TRINE, uma plataforma como a Parity, mas especializada em investimento via crowfunding em projetos de energia limpa em África. O cheiro a fritos tomou conta da ocasião, mas soube muito bem. Amanhã começa a sério!

Coordenador Europeu do CITIZENERGY