Na minha crónica de 9 de fevereiro intitulada “O Diabo não chegou mas vem aí o Anjo” argumentei que as estimativas de crescimento económico entre 1.3% e 1.7% para 2017 eram demasiado pessimistas e estava convicto de que “a economia portuguesa está prestes a iniciar um período de crescimento sustentado com forte criação líquida de emprego”. E sugeri mesmo que esse crescimento em 2017 suplantaria os 3% e colocaria o desemprego claramente abaixo dos 10%.

Que diferença 7 meses fazem… Neste momento, o crescimento económico no segundo trimestre está nos 2.9%, acima da média europeia, e o desemprego está nos 9.1%, em linha com a zona Euro. O déficit público parece controlado e Portugal ganhou maior credibilidade junto das instâncias europeias e das agências de rating da dívida pública.

A que se deve estes bons resultados? Em primeiro lugar, gostaria de alertar para um erro típico de analistas e comentadores que é tentarem explicar fenómenos económicos estruturais com base em políticas recentes, em particular decisões orçamentais do governo atual ou do anterior. O debate sobre qual governo tem o mérito destes resultados é um debate inútil e contraproducente pois sugere que as dinâmicas económicas reagem imediatamente a políticas orçamentais do Estado. Ao invés, os fenómenos económicos (decisões de investimento e emprego, mobilidade, internacionalização e competitividade empresarial) têm geralmente causas múltiplas e de longo prazo.

No artigo de 9 de fevereiro elenquei as dinâmicas e setores que estavam a acelerar o crescimento da nossa economia. As raízes mais profundas dessas dinâmicas têm a ver com opções e estratégias assumidas há décadas, como a adesão ao Euro que obrigou os empresários a inovarem para as suas empresas serem competitivas, a participação no mercado livre europeu que recebe o grosso dos nossos bens e serviços, investimentos em educação e ciência que aumentaram a qualificação da nossa mão de obra, investimento em acessibilidades, a melhoria de serviços públicos em algumas áreas chave (saúde, eficiência da máquina fiscal, processos ágeis de criação de empresas), bem como estratégias inteligentes de associação e cooperação setorial. Este crescimento é assim resultado de um esforço coletivo dos portugueses ao longo dos últimos 20 anos e pode ser sustentável pois Portugal reforçou a sua competitividade económica sendo atualmente um dos países mais atrativos do mundo para visitar, viver e trabalhar. Prevejo mesmo que a população residente em Portugal inverta o seu ciclo negativo iniciado em 2010 e comece a crescer (apesar do saldo demográfico ainda negativo), devido à entrada de estrangeiros e regresso de muitos emigrantes, o que aumentará a dimensão da nossa economia (que nestes últimos seis anos perdeu mais de 2% da população residente e mais de 5% da população ativa).

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Não vale a pena, portanto, debater qual governo tem mais mérito, mas vale a pena debater o que deve o atual Governo fazer neste novo contexto. É que o acelerar do crescimento económico desde o 2.º semestre de 2016 (embora com os ânimos algo esfriados pelo dececionante resultado do 2.º trimestre de 2017 com um crescimento em cadeia de apenas 0.3%) tem uma implicação importantíssima para os nossos governantes – pela primeira vez em seis anos um Governo português tem a possibilidade de realizar opções políticas e económicas de fundo, em vez de apenas tentar gerir uma crise financeira sem ter margem de manobra nenhuma.

E aqui é importante lembrar uma regra económica fundamental: a política orçamental deve ser contracíclica – quando a economia cresce o Estado deve gastar menos para não exacerbar o ciclo económico e ganhar folga financeira para poder gastar mais quando vier novo ciclo negativo. Esta é a melhor forma de amenizar as consequências dos ciclos económicos. No entanto esta boa prática não é óbvia pois vai contra a intuição geral de como gerir o orçamento de um agregado familiar.

Numa família, se os tempos estão difíceis (um dos membros fica desempregado ou tem um problema da saúde, as poupanças são poucas e existe dívida), não há outro remédio senão reduzir as despesas e poupar o máximo possível, cortando gastos supérfluos, adiando a remodelação da casa e a tão desejada viagem de férias. Se vierem tempos bons (se somos aumentados ou promovidos ou se acumulamos poupanças folgadas), podemos novamente gastar mais, fazendo aquela viagem de sonho ou renovando o carro de família.

Num Estado poderia pensar-se ser natural fazer o mesmo. Em alturas de crise corta-se nas despesas para evitar o agravamento do déficit e o consequente endividamento e, em alturas de crescimento económico, com maiores receitas fiscais e menores despesas com o subsídio de desemprego, tem-se margem para gastar mais, aumentar salários e realizar despesas adiadas, sem aumentar muito o déficit público. Ora, isto seria uma política orçamental profundamente errada pois acentuaria o ciclo económico ascendente de forma não sustentável e perder-se-ia a margem orçamental para aumentar a despesa pública numa futura recessão económica. Isto foi o que aconteceu em 2011, pois não se criou folga orçamental durante o período de crescimento e, quando chegou a crise, fomos obrigados a impôr uma dolorosa austeridade que aprofundou ainda mais a recessão.

Precisamente porque a economia está a crescer e existe criação de emprego, o Estado tem uma oportunidade única de conter os seus gastos de forma a conseguir anular o déficit público. Ao mesmo tempo deve alterar o perfil do stock de dívida pública para aumentar a sua maturidade e reduzir a taxa, de forma a beneficiar com as novas perspetivas orçamentais e económicas, o que levará a uma enorme poupança de juros. O Estado pode também aproveitar para acumular uma almofada financeira elevada para reduzir o risco na gestão da dívida (num cenário de baixas taxas de juro o custo deste “seguro” é muito reduzido). Sobrará ainda folga para relançar uma política criteriosa de investimentos públicos estratégicos, essa sim merecedora de um debate aprofundado e um consenso alargado entre os partidos.

Se esta política orçamental for feita este ano e o próximo, e a economia mantiver um ritmo de crescimento perto de 3%, o país criará uma folga orçamental elevada que permitirá amenizar a próxima crise, quando ela aparecer, seja ela provocada por um conflito armado internacional, um nova crise financeira, ou uma crise política na Europa. E se a crise não aparecer tão cedo, podemos finalmente começar a corrigir os erros do passado, reduzir o peso da dívida, e ganhar autonomia para o futuro.

Filipe Santos é professor catedrático na Católica-Lisbon School of Business & Economics (email: filipe.santos@ucp.pt)