Para si, é mais provável um padre católico ser pedófilo ou um muçulmano ser terrorista? Agora que passou o choque inicial da pergunta, deixe-me desenvolver até dar a resposta, até porque tem truque. A primeira vez que fiz esta pergunta entre os meus amigos do Facebook, a reação foi de choque. Disseram-me que a comparação era muito triste, que não fazia sentido olhar para as duas coisas como se fossem iguais, que estava a gozar com as convicções alheias. Deram-me enormes relatórios sobre as motivações do mundo cristão e sondagens entre o mundo islâmico. As reações foram das mais variadas. Mas, na verdade, a pergunta é de uma simplicidade matemática cristalina. É, obviamente, mais provável um padre católico ser pedófilo.

Arriscando que boa parte dos católicos já não esteja a ler este parágrafo, e de acordo com relatórios de várias comissões desse mundo fora quando o escândalo da pedofilia no clero rebentou nos EUA, incluindo os realizados pela própria igreja, encontram-se números na ordem dos 4% no caso dos EUA e dos 7% na Austrália, para citar alguns. Para que 7% dos muçulmanos fossem terroristas implicaria ter cerca de 112 milhões de terroristas, o que é quase dez vezes toda a população muçulmana na Europa comunitária (se tomarmos a Europa teríamos que contar com a Turquia e a Bósnia, com um número na ordem dos 80 milhões). Portanto, falando em termos rigorosos, a probabilidade condicionada de se ser pedófilo sabendo que é padre é muito maior que a probabilidade condicionada de se ser terrorista sabendo que é muçulmano.

O truque que eu usei foi muito simples, usei a religião para bater os dois números e a reação imediata é ver-se um ataque às convicções de cada um, embora a resposta fosse razoavelmente óbvia quando pensamos que os muçulmanos são um terço da humanidade, muito mais que todos os católicos, sejam eles do clero ou não. Nenhuma das pessoas a quem fiz inicialmente a pergunta me questionou qual a probabilidade de ser pedófilo, independentemente de ser padre, número que nunca ninguém se dedicou a estudar, mas, com quase toda a certeza, posso adiantar que ser pedófilo não tem nada a ver com a religião que se professa ou a profissão que se adota. Na verdade, a probabilidade de ser um pedófilo católico deve ser exatamente igual a ser um pedófilo muçulmano. Essa seria a contestação natural à pergunta dos padres.

Misturar emoções com matemática é algo bastante estudado, inclusive premiado com o Prémio do Banco da Suécia em Ciências Económicas (popularmente designado por Nobel da Economia) naquilo que é a perceção das pessoas relativamente ao risco, isto é, na perceção das probabilidades da ocorrência futura de eventos. Não é complicado atirar emoções juntamente com números para provocar alterações na perceção do ser humano. Acontece quando olhamos para os sorridentes jovens bem-sucedidos, como o presidente da Tesla, que nos atira um mundo maravilhoso de tecnologia inimaginável, mas pouco baseada em realidades financeiras, para nos vender outros sonhos ainda mais improváveis. E essa perceção faz com que a empresa que produz 100 000 carros por ano valha mais que aquelas que produzem dez vezes mais. Outros atores bem treinados na técnica são os executivos da CGTP quando montam as suas manifestações na Avenida da Liberdade, cuja geometria favorece bastante a técnica. Não é complicado perceber que consigo “encher” uma avenida de 1 km com 200 grupos de 25 pessoas separadas por 5 metros umas das outras levantando faixas e bandeiras (eu já lá estive e 10 metros de separação é vulgar). Ora isso são 5000 pessoas. No entanto, a ex-ministra Canavilhas chegou a reclamar o despedimento de uma jornalista por mentir quando esta avançou com um número de 15 mil pessoas para uma manifestação em defesa da escola do estado. Reclamava a senhora que seriam 80 mil, isto é, uma avenida que terminaria em Queluz ou, se imaginarmos que os passantes levariam uma hora a vir do Marquês aos Restauradores, a manifestação teria acabado para lá das 4 da manhã. Ora, acho eu que a ex-ministra não pode ser tão pouco dotada para números, que não conseguisse fazer estas contas. Simplesmente deixou que a bem aplicada técnica dos executivos da CGTP lhe obumbrasse a aritmética.

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Nenhum destes exemplos é, no entanto, comparável com os do terrorismo islâmico, estes sim os verdadeiros mestres da arte, se tomarmos os números como métrica de sucesso. Repare-se como os jornalistas tentam sempre omitir a origem étnica dos terroristas. A vitória dos terroristas começa exatamente no momento em que a leitura inicial, feita por quem tem a missão de divulgar o facto, é que “os muçulmanos fizeram um atentado”. Na verdade, o que acontece é que 0,000000001 dos muçulmanos fizeram um ataque. Ninguém iria omitir se fossem louros, coxos, palermas ou sportinguistas, porque em nenhuma destas características se faria a extrapolação da amostra para o universo. Como notou bem o Luis Aguiar Conraria há uns dias, ninguém associa o terrorismo dos supremacistas brancos à raça branca, apesar do atentado ter motivos raciais; nem se passou a fazer uma perseguição aos imbecis por se gritar ‘Heil Trump’ em Charlottesville.

O ponto é que o sucesso dos terroristas islâmicos não está na emoção que eles colocam nos atentados, até porque, com ênfase no respeito pela dor das famílias das vítimas que nem consigo imaginar, quando comparados com aquilo que era produzido por Brigadas Vermelhas, ETA, IRA, etc., os números dos terroristas islâmicos são até pouco relevantes. É na emoção do nosso lado que a vitória deles se baseia, no facto de nos tornarmos irracionais e não respeitarmos aquilo que é óbvio pelos números. Porque se nos colocarmos do lado deles, sem tomarmos em conta a emoção gerada deste lado, matar duas dezenas de pessoas por atropelamento é algo que os portugueses já fazem num trimestre, sem qualquer ajuda divina, nem promessas de virgens no além.

Mas onde os terroristas começam a ganhar por goleada é quando o Presidente da República Portuguesa, o Rei de Espanha e o primeiro-ministro português resolvem espalhar-se ao comprido e, num ato que só posso assumir como emocional e irracional, decidem colocar dois Estados a participar numa missa, católica, em protesto contra os atos de uma fração absolutamente ridícula do Islão. Não há vendedor de sonhos, sindicalista ou propagandista capaz de usar a emoção de forma a que, com números tão ridículos como os dos terroristas, consiga empenhar dois Estados laicos no outro lado de uma barricada de uma guerra santa que não tinha a menor hipótese de ser travada à partida. Se é para proteger a nossa forma de vida e a nossa maneira de viver, que inclui a liberdade religiosa e o respeito por todos os credos, será altura de meter alguma racionalidade nos atos. Sim, os terroristas são muçulmanos. E depois?

PhD em Física, Co-Fundador e Partner da Closer