É tão chato termos de andar nas ruas de Lisboa sempre com um olho no chão, a ver se evitamos as bostas de cão.

Não sou de enjoos. Não desmaio só por topar com uma bosta gigante de cão no meio do passeio. Dito isto, não a quero pisar e passar a meia hora seguinte a tentar raspar os restos da sola do meu sapato. OK, num dia em que não tivesse mais nada para fazer, até podia ser uma meia hora divertida, mas parece-me que quase sempre aquela meia hora pode ser passada a raspar algo mais útil de algo diferente.

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Não quero pisar em bostas, nem reparar em que as pisei demasiado tarde, já depois de conspurcar o escritório, a casa ou o carro. Ninguém quer ser a pessoa que traz caca de cão para dentro de casa ou para junto dos colegas e amigos. É impressionante como uma caca de rua pode proporcionar tanta caca espalhada. Uma só bosta de um só cão tem a capacidade de contaminar áreas enormes.

O que eu gostaria de fazer quando ando nas ruas de Lisboa era poder olhar em frente e para cima (isso é, acima da linha dos graffiti), e admirar o modo como a sua grandeza está justaposta com a sua bela decadência, e contemplar este céu tão especial que dá uma cor específica à cidade neste dia.

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Mas não posso, porque tenho de olhar para baixo, para o passeio, porque é preciso evitar as pedras soltas e dançar por entre as merdas de cão espalhadas na calçada.

A bosta de cão vem em todos os formatos e chega a todos os lados. Há as caganitas dos cãezinhos, e há os grandes troncos depositados por cães misteriosos, cães que devem ser do tamanho de Godzilla. Há os cócós secos e duros do verão e há as poças castanhas depois da chuva, no inverno. A merda de cão fica barrada nas pedras brancas e brilhantes da calçada e enche o espaço entre elas, sobretudo depois de ser pisada e esmagada no chão por pés involuntários. Se faz sol, o sol seca-a, e a merda enterra-se permanentemente nas fissuras da calçada, como uma argamassa natural e castanha.

É irritante e, como os graffitis maus, destrói muito do charme de Lisboa. Mas mais que irritante, é mistificante.
Se Portugal fosse uma nação de gente repugnante, que não ligasse nada à limpeza, a merda de cão espalhada por todo o lado não seria um mistério. Mas os portugueses são das pessoas mais obcecadas do mundo em termos de limpeza e aparências (as suas e as dos outros). Sempre auto-conscientes e sempre críticos, tacitamente, do aspecto e odor de outras pessoas e outras coisas. Ao longo de todos estes anos no país, não me lembro de visitar uma casa que não estivesse limpa, nem de entrar num carro que andasse tão desarrumado como o meu. Desfrutem do facto de eu não poder dizer a mesma coisa da minha terra.

Por isso, esta coisa da merda canina é mesmo intrigante. Deixar o seu cão aliviar-se no meio da rua e passar à frente sem fazer nada é, em Portugal, uma atitude ainda perfeitamente normal. É raro ver alguém com a boa vontade suficiente para trazer de casa um saquinho de plástico a fim de pegar na bosta. Pô-la num saco e metê-la no bolso é bastante horrível, mas num dia frio até pode aquecer as mãos durante um par de minutos — ou, claro, tem o recurso do caixote de lixo. Todas as ruas e todos os jardins têm caixotes de lixo. Além disso, há ainda donos que simplesmente mandam os cães fora, sozinhos, para defecar, de modo que eles, os donos, no momento da defecação, possam manter a consciência muito limpa.

É estranho que campanhas destinadas a envergonhar as pessoas por causa do seu comportamento não funcionem em Portugal. Os problemas da merda de cão, do lixo na rua ou da condução alcoolizada foram reduzidos na Grã-Bretanha desde os anos 80 por meio de campanhas de publicidade destinadas a humilhar e vexar os responsáveis. Os fornecedores de cocó de cão, os que deitam lixo no chão ou os condutores bêbedos tornaram-se párias sociais. A boa gente foi toda injectada com uma grande dose de culpa, de estilo católico, sobre as suas eventuais transgressões. Há sempre um zelador do comportamento alheio, muito convencido e santarrão, pronto para gritar na rua com quem deitou lixo no chão ou não pegou no cócó do cão … A perspetiva do embaraço é suficiente para a maior parte das pessoas se portarem bem.

Mas em Portugal, em Lisboa, muitas vezes parece que ninguém liga muito ao que está espalhado nas ruas.

(traduzido do inglês pela autora)

Lisbon poo

It’s so boring to still be having to pick our way through the shit in the city streets.

I’m squeamish about virtually nothing. I certainly don’t come over all faint when I see a huge dog turd in the middle of the pavement. That said, I don’t want to step in it and then spend the next half an hour digging at it with a stick to get it out of the bottom of my shoe. Ok, on a day when I have nothing else to do, well, it can be a diverting half an hour, but most of the time, that half an hour could be spent digging something more useful out of something else.

I also don’t want to step in it and not notice that I have stepped in it until I have spread the stuff into someone’s office, home or car. No one wants to be that person. It is amazing how bountiful a street poo can be. Just one can contaminate a vast area.

What I do want to do is look ahead and up as I walk around Lisbon (above the graffiti line, that is) and witness her majesty juxtaposed with her decaying beauty, and to look up to see this very special sky we have and see why it is colouring the city the way it is on any given day.

But no, I have to watch the pavement, watch out for missing stones in the calçada and dance around the turds.
From tiny little toy dog poopies to vast logs made by mysterious dogs who must be the size of Godzilla, from hard dried out poops in the summer to soupy pools after a wintery rain storm, they come in every format and they get everywhere. Dog shit smears the tops of the gleaming cream cobblestones and fills in the gaps, especially once it has inevitably been stepped in, ground into the ground by unwilling feet. When the sun comes out and dries it up, the crap becomes permanently embedded in the cracks, like nature’s brown grout.

It’s annoying, and like bad graffiti, it destroys much of the charm of Lisbon. More than annoying, though, it’s mystifying.
If Portugal were a nation of revolting people who cared nought about cleanliness, dog shit smeared all over the place wouldn’t be particularly odd, but the Portuguese are amongst the people of the world most obsessed about cleanliness and appearance, your own and that of others, always self-conscious and always tacitly judgmental of how people and things look and smell. In all my years here, I can’t remember visiting an uncleaned home, or getting into a car that’s as messy as mine. You will be delighted to know that I cannot say the same about my homeland.

The whole dog poop thing, then, is a mystery. Letting your dog take a dump in the middle of the street while you hold onto it by its leash, then just walking off is still perfectly normal. It is still rare to see someone with the good grace to bring a plastic bag with them for bagging up the brown. Bagging it up and putting it in your pocket is pretty horrible, but on a cold day, it can be quite warming for a minute or two, or of course, there’s the bin. All streets and parks have them. Add to that, the many dogs who are sent out on their own to defecate, so they can, at the moment of the poopage, be the only soul to blame.

It’s odd that shaming campaigns don’t work here. The dog shit, littering and drink-driving problems have been more than decimated in the UK since the 1980s with shaming advertising campaigns, turning dog poo enablers, litterers and drink drivers into pariahs, instilling in the good people of Britain a proper catholic style guilt about their potential wrongdoings and smug self-righteous self-appointed behaviour guardians are likely to shout at you loudly in the street for having not picked up the poo or having thrown rubbish on the floor… the potential shame of this is enough to stop most people.
But in Portugal, in Lisbon, it often feels like no one is particularly bothered about what is smeared on the streets.