A Sociedade Portuguesa de Matemática fez 82 anos. O evento foi comemorado com um encontro no Pavilhão do Conhecimento e o tradicional almoço. Desta vez, num restaurante no Parque das Nações. Pouco antes, assistimos a uma conferência proferida por Jorge Buescu sobre prémios à investigação matemática. Tudo isto num domingo de manhã. É obra.

Num momento em que se fala tanto de inovação e de mudança – e ainda bem! –, mas em que parece que mudar, por si, é uma virtude – com se não existissem mudanças más! – é muito reconfortante saber que há uma sociedade científica que persiste, que tem tradições, que acumula mais de 80 anos de experiência, que continua ativa na investigação, na divulgação e nas preocupações com o ensino. Tal como na sua fundação. Tal como em 1940.

A Sociedade Portuguesa de Matemática foi fundada por um grupo de portugueses excecionais. A nossa geração ainda conheceu Pilar Ribeiro, a sócia número 1, a mais jovem na assembleia de fundação, e que faleceu há relativamente pouco tempo, a seis meses e sete dias de perfazer 100 anos. Ainda conhecemos também Alfredo Pereira Gomes, falecido em 2006, e nos cruzámos com Aniceto Monteiro, falecido em 1980, e Ruy Luís Gomes, falecido em 1984. Mas quase todos os outros nos antecedem. Pedro José da Cunha, o primeiro presidente da Sociedade, faleceu em 1945. Bento de Jesus Caraça, matemático, professor e divulgador, faleceu em 1948. Zaluar Nunes, em 1967. Muitos destes e muitos outros foram forçados a abandonar o país, na sequência das expulsões dos professores universitários dissidentes, que Salazar promoveu em 1946 e 1947.

Tinham sido anos excecionais. Em 1939 fora criada a Gazeta de Matemática, uma revista dedicada à divulgação da matemática, dirigida a jovens estudantes liceais e a todos os interessados na disciplina. Em 1939, fora criada a Portugaliae Mathematica. Na mesma altura, foram fundados vários centros de investigação. Todas estas criações foram iniciativa de cidadãos interessados. Nenhuma foi iniciativa do Estado. Nenhuma esteve à espera de que algum organismo a subsidiasse para poder aparecer. Mais: quase todas desagradaram ao Estado Novo.

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Os anos passaram. Com altos e baixos, os matemáticos portugueses continuaram a sua atividade. Uns, como António Aniceto Monteiro, estabeleceram a sua vida noutras paragens. Outros, como Sebastião e Silva, conseguiram manter-se no país, e procuraram continuar as suas ligações internacionais e o seu trabalho.

Em 1977, a Sociedade Portuguesa de Matemática rejuvenesceu. Uma nova geração tomou as rédeas do movimento. Continuou os princípios da sua fundação. A nossa geração – sim, a nossa geração!, porque uma das coisas de que mais me orgulho, talvez a que de que mais me orgulho, foi ter servido a SPM, primeiro como vogal da direção, depois como seu presidente – a nossa geração, dizia, ajudou a Sociedade a desenvolver-se e a contribuir para o desenvolvimento do país. O tripé da Sociedade – a investigação, o ensino e a divulgação – continua ativo e floresce. Claro que tudo tem sido trabalho de equipas alargadas. De almas dedicadas, generosas e silenciosas.

Neste momento, as Olimpíadas, fundadas em 1980, envolvem dezenas de milhares de estudantes, despertando o seu vigor criativo na solução de desafios matemáticos. A Gazeta prossegue a sua atividade de divulgação de alto nível. E a Portugaliae creio ser, de momento, a única revista científica de origem portuguesa que é verdadeiramente internacional e que continua a publicar artigos de investigação de alto nível.

Na sua conferência, Jorge Buescu falou sobre as medalhas Fields, explicou que esse prémio é, em muitos aspetos, ainda mais seletivo do que o Nobel, e destacou o crescente número de investigadores europeus que têm tido essa distinção. Seguiu-se alguma curiosidade. Será que nós, portugueses, estamos mais perto do momento em que alguém traz essa medalha para o nosso país?

As opiniões dividiram-se. É bem possível que sim. A verdade é que nos últimos anos as Olimpíadas de Matemática e o projeto Delfos da Universidade de Coimbra revelaram muitos talentos. Alguns verdadeiramente excecionais, alguns que neste momento são professores em grandes universidades do mundo. No entanto, como é habitual, um prémio deste tipo é fruto de vários fatores. Uns individuais, outros de contexto. Os individuais são imprevisíveis, os de contexto variam.

Nos últimos 20 ou 30 anos, a universidade e a investigação portuguesas progrediram imensamente. Mas os novos tempos trazem algumas preocupações. Uma delas é o deslocação do financiamento à ciência para contratos individuais, com consequências na redução de financiamento para projetos. Outra, a multiplicação de concursos internos em vez de externos. São obstáculos à atração de jovens investigadores e à sua promoção com base no mérito. A endogamia não ajuda a reter e promover os melhores no nosso país, apenas protege os que já estão no sistema.

Num nível ainda anterior, pré-universitário, a diluição da exigência curricular, a promoção das chamadas competências em detrimento do conhecimento, o menosprezo da avaliação, e outras medidas de redução da qualidade de educação, estão longe de serem fatores positivos.

Os fundadores da Sociedade Portuguesa de Matemática souberam lançar sementes poderosas em contextos incomparavelmente mais negativos. Que nos trará o futuro? Ou, melhor, que futuro seremos capazes de construir?