O Senado espanhol aprovou nesta terça-feira com ampla maioria a norma de um só artigo que formaliza a abdicação do rei Juan Carlos, durante uma sessão histórica da câmara alta das Cortes Gerais espanholas. A norma foi aprovada com 233 votos a favor, cinco contra e 20 abstenções, depois de um debate de quase três horas.

“Fica aprovada de forma definitiva a lei que torna efetiva a abdicação do rei Juan Carlos”, declarou o presidente do Senado, Pio Garcia Escudero. Com a aprovação feita hoje por procedimento de urgência conclui-se o processo de tramitação da norma que já tinha sido aprovada na semana passada no Congresso de Deputados, a câmara baixa, com 299 votos a favor, 19 contra e 23 abstenções.

Antes do voto final foram apresentadas, e rejeitadas, três propostas de veto à lei, entre as quais uma defendida por José María Mariscal, da Esquerda Unida (IU) que se referiu, entre outros temas, à crescente descredibilização da monarquia e defendeu um referendo sobre o modelo de Estado.

“Estamos aqui para saber se nos guiamos por um mandato medieval ou pela soberania nacional. Estamos aqui para saber se as Cortes são meras notárias de um ato administrativo ou não”, disse num discurso em que se referiu ainda à situação económica e social de Espanha.

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“Dizem-nos: ou Felipe Vi ou o caos. Isso é má bagagem para enfrentar um processo democrático”, afirmou ainda, exigindo ao mesmo tempo que a Casa Real seja mais transparente e que “o cidadão Juan Carlos explique a sua fortuna e mostre o seu património aos seus compatriotas”.

Ester Capella, da Esquerda Republicana da Catalunha (ERC), apresentou a segunda moção, considerando que com a tramitação da lei de abdicação “se fecha a porta à democracia, impedindo que a cidadania seja consultada”.

“Surpreende a leitura única. Uma simplicidade que responde apenas a um cariz meramente declarativo e que pretende só acabar a tramitação o antes possível”, disse, considerando que “os espanhóis têm direito a decidir”.

“A ERC não reconhece a legitimidade da imposta monarquia. E ainda que vos doa, a 9 de novembro a Catalunha elegerá entre monarquia ou republicana catalã”, considerou.

Joan Saura, da ICV, criticou a ausência do presidente do Governo, Mariano Rajoy, e defendeu a realização de um referendo, “não havendo qualquer argumento democrático” para rejeitar uma consulta aos espanhóis.

Algo crucial, disse, num momento em que “Espanha tem uma crise moral onde a corrupção está no centro” o que tem “efeitos fulminantes sobre a sociedade, e uma consequência social de indignação, de afastamento das instituições”. “É fácil dizer que a república resolveria a crise mas também é falso dizer que só a monarquia dá estabilidade”, afirmou.

Intervindo no debate, o senador do Partido Popular (PP), José Manuel Barreiro, rejeitou que o debate seja sobre o modelo de Estado, e que a votos está apenas “o direito individual de abdicação” do rei, sendo que é “a própria constituição que estabelece como se deve tramitar a abdicação”.

“Expresso em nome do PP, do grupo maioritário desta câmara e, portanto, de uma maioria social, a nossa lealdade ao pacto constitucional e à monarquia como forma de Estado em Espanha”, disse.

A lei que hoje concluiu a sua tramitação parlamentar refere, na primeira das duas partes do artigo único, que Juan Carlos I abdica da Coroa de Espanha e refere, no segundo, que essa abdicação será efetiva quando for publicada no Boletim Oficial do Estado (BOE).

“S. M., o rei Juan Carlos I de Borbón, abdica da Coroa de Espanha. A abdicação será efetiva no momento da entrada em vigor da presente lei orgânica”, refere a primeira parte, concluindo o texto: “A entrada em vigor terá lugar no momento da sua publicação no Boletim Oficial de Estado”.

Na quarta-feira, no Salão de Colunas do Palácio Real, cerca de 170 convidados presenciarão o ato solene em que o rei Juan Carlos “assinará e sancionará a lei que será ratificada pelo presidente do Governo” e posteriormente publicada no Boletim Oficial de Estado.

A cerimónia “com 15 a 20 minutos de duração” terá a leitura da lei, a sua assinatura e o hino nacional, e “pouco mais”, segundo fonte da Casa Real, que explica que não estão previstas palavras do rei mas que pode “haver gestos” que, “de alguma forma”, simbolizem ou representem a passagem de poder, de pai para filho.

Finalmente, a lei será publicada no BOE às 00:00 do dia 19, marcando assim o fim formal dos quase 40 anos de reinado de Juan Carlos e o início do reinado do seu filho, Felipe VI que será proclamado como chefe de Estado na quinta-feira.