Um pequenote, vestido com riscas verticais, brancas e azuis celestes. Nas costas, um diez. No pé esquerdo, um íman dos fortes. E logo um especialista em seduzir a bola, atraí-la até si e levá-la a passear com segurança pelo relvado. Sem que nenhum belga os estorvasse pelo caminho. Não era fácil. Obstáculos não faltavam. É a dupla face do talento — além de ser um pinga-amor com a bola, também o é para a atenção dos adversários. Em 1982, isso ficou bem claro. Nem que fosse pelo engano de uma fotografia.

A 13 de junho desse ano, Steve Powell estava sentado no alto da bancada do Camp Nou. Era jovem. Estava nervoso. Afinal, tinha ido a Barcelona para pegar na câmara, disparar e enviar imagens do Argentina-Bélgica para a revista Sports Illustrated. O problema: tão alto era o lugar que lhe calhou no estádio que pouca esperança tinha em sacar boas fotografias. Portanto, resolveu fixar a mira em Diego Armando Maradona. O tal craque.

Fez bem. Desse jogo saiu uma fotografia. Uma imagem. Um momento que ficou para sempre — o de Maradona, com a bola colada ao pé esquerdo e com seis belgas, quase em linha, à sua frente, todos com cara de preocupados. A sensação dizia que esses seis adversários o estavam a perseguir. Mas não. Nada disso. E tudo se explica pelas maravilhas do enquadramento da fotografia — naquele momento, Maradona tinha recebido a bola vinda de um livre direto, marcado ali mesmo ao lado, e os seis belgas eram os que, segundos antes, se tinham alinhado numa barreira.

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Ou seja, a fotografia contava a história de um cerco intenso ao pequeno craque, mas a realidade mostrou que nada disso aconteceu. Trinta e dois anos depois, chegou-se a outro duelo entre belgas e argentinos, nos quartos de final da Copa. Agora, contudo, não houve uma imagem destas.

O que houve foram cercos. Muitos. Perto de 52, número de vezes em que a bola tocou nos pés de Lionel Messi, o elo de ligação entre o Argentina-Bélgica nos Mundiais de 1982 e 1986 e o duelo que agora se repetia nesta Copa. Como Maradona, é ele o pequenote a transbordar de talento, o craque que hoje serve de reboque para a seleção argentina. E tal como nas batalhas anteriores, a estratégia belga era óbvia — montar cercos à volta de Messi cada vez que a bola se aproximava dele.

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A primeira tentativa não deu em nada. A bola chegou à canhota da Pulga, sentou-se, apertou o cinto e andou às voltas de Kevin De Bruyne e Marrouane Fellaini. Os belgas nem perto estiveram de lhe tocar. Assim que arranjou um pouco de espaço, Messi meteu a bola em Di María que, ao tentar meter a bola na área, atirou contra um belga. A bola acabaria a saltitar à frente de Higuaín que, como bom conhecedor do seu bairro, rematou logo sem olhar para a baliza. Golo, 1-0 e o argentino tornava-se no segundo jogador do Nápoles a marcar numa eliminatória de Mundiais. Quem foi o primeiro? Diego Maradona. Todos os caminhos vão dar a ele.

No banco de suplentes argentino, Alejandro Sabella sorria de alegria. Agora sim, podia ordenar a que a equipa jogasse como queria — encostada no seu meio campo e sem pressas para fazer o que fosse. Esta passividade, aliada à incapacidade belga em aproveitar os precoces talentos que tinha no relvado (Hazard, De Bruyne, Origi, etc.), dava a receita para um jogo aborrecido. E deu mesmo.

Na primeira parte, só houve um passe inventado por Messi, aos 28’, que chamou a atenção para a hipótese de golo que Di Maria conseguiu estragar (tentou fintar Kompany e perdeu a bola). E, aos 39’, Messi gatinhou por entre Fellaini e Witsel à entrada da área, sofreu falta e, no livre, a bola que rematou passou pouco por cima da baliza de Thibault Courtois.

E aqui se começava a prolongar outra saga — Lionel Messi arriscava-se a somar a sétima partida em que não conseguia marcar um golo ao guarda-redes belga. Pobre capitán argentino. Porquê? Pois, até ao final do encontro, o argentino não fez nenhuma bola passar por Courtois. Nem aos 94’, quando correu com a bola até à cara do guardião e rematou contra o seu corpo.

Antes disso, houve marasmo. Muito. À exceção de uma arrancada maldosa de Higuaín, aos 54’, na qual vestiu uma cueca a Kompany (passou-lhe a bola entre as pernas) e rematou depois à barra da baliza belga, a Argentina nada fez. Limitou-se a controlar a bola quando a teve e a fechar os espaços quando os belgas a roubavam.

Os belgas que também pouco fizeram. Nos seus pés, a bola circulava sem genica, lentamente e por caminhos previsíveis. Origi, primeiro, e Lukaku, depois, os avançados, participavam pouco no jogo. Assim, só aos 54’ provocaram um susto, quando Garay desviou para a própria baliza um cruzamento de De Bruyne. Aos 90’, porém, seria o antigo defesa central do Benfica a cortar um remate de Lukaku, dentro da área. De resto, nada a Bélgica fez para evitar que, 24 anos depois, os argentinos viajassem para as meias-finais de um Mundial.

Já não o conseguiam desde 1990, na segunda Copa seguida em que Diego Maradona pegou na equipa e a guiou até ao último partido da competição. Não há hipótese — hoje parece que cada passo dado pela Argentina de Messi tem uma relação com as caminhadas que a albiceleste fez com Maradona. Aqui fica mais um. A equipa somou hoje a quinta vitória consecutiva neste Mundial, algo que apenas conseguiu fazer também em 1986. É preciso dizer quem era o craque dessa equipa?