Há que contextualizar. Em dezembro de 2011, o AS Monaco estava nas lonas. Perdido na segunda divisão, pouco dinheiro, jogadores de nome discreto e futuro nublado. Era este o retrato do clube que, rebobinada a cassete, estivera na final da Liga dos Campeões, sete anos antes. De repente, um russo bateu à porta: queria investir. E investiu. Dmiti Rybolovlev comprou dois terços do capital do clube e tudo mudou. Na época seguinte, promoção à Ligue 1. Em 2013/14, terminou a piscar o olho à Liga dos Campeões. Tudo isto entrelaçado com os milhões.

Chegar à primeira divisão não bastava. O russo queria brilhar, ganhar e dar nas vistas. E nestas missões, a carteira é preciosa. Ao todo, pegou em quase 175 milhões de euros para convencer Radamel Falcao, João Moutinho, James Rodríguez, Jeremy Toulalan, Éric Abidal e Ricardo Carvalho a aterram no Principado, no verão passado. Resultou — a equipa terminou em 2.º lugar, apenas a apanhar com o pó do Paris Saint-Germain (PSG), na guerra privada entre milionários franceses.

E conseguiu-o recheado de nomes conhecidos. De estrelas, novas ou velhas, mas estrelas. Até no banco tinha um. Chamava-se Cladio Ranieri, era italiano e, antes do AS Monaco, treinara já Fiorentina, Valência, Atlético de Madrid, Chelsea, Juventus ou Roma, por exemplo. Nome conhecido, portanto. De nada lhe valeu. Terminada a época, foi embora. Era preciso um substituto. Uma estrela? Não. Um treinador discreto, competente, com um título conquistado e de poucas palavras. E português.

Já se sabe: foi Leonardo Jardim. E até agora não tem corrido bem.

Duas derrotas, um par de golos marcados e seis sofridos. Eis o balanço das primeiras duas jornadas da liga francesa. Um milionário com zero pontos. “Acho que vamos fazer um bom trabalho com o grupo”, dizia o técnico português, no dia em que foi apresentado aos adeptos. Ainda o poderá fazer, é certo. Mas as críticas já começaram.

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No domingo, elas surgiram assim que se ouviu o último apito no Chaban-Delmas. Os monegascos saiam de Bordéus com uma derrota por 4-1, todos os golos sofridos na segunda parte e dúvidas a aparecerem. “Leonardo Jardim atrapalhou-se nas suas escolhas”, escreveu o L’Équipe, após o encontro, ao explicar que por três vezes o treinador alterou a tática durante a partida. “Mas nada impediu a derrota”, concluiu. Nem mesmo Radamel Falcao.

O colombiano, uma vez mais, ficou sentado durante cerca de uma hora, enquanto os outros jogavam — na jornada inaugural, só entrara em campo aos 59 minutos. Desta feita, pisou o relvado a partir dos 61’, mas nada feito. Pouco apareceu e não marcou, ao contrário da passada semana, em que, graças a um penálti, ainda conseguiu meter a bola dentro da baliza do Lorient (1-2). “Temos de continuar a trabalhar. Vamos continuar a acreditar nestes jogadores”, defendeu Jardim.

Não há outra escolha. Afinal, o clube do Principado tem os binóculos focados no título gaulês e que, dez anos depois, terá a fase de grupos da Liga dos Campeões bem à vista. Logo após a primeira derrota no campeonato, Jardim pediu reforços para a equipa. O clube gastou até ao momento 24 milhões de euros em contratações, entre Aymen Abdennour, um central vindo do Toulouse, Tiemouné Bakayoko, médio do Rennes, e Paulo Nardi, um guarda-redes que estava no Nancy, da segunda divisão. Por empréstimo chegou Bernardo Silva, português do Benfica.

Estrelas? Nem por isso. Mas, neste caso, a razão poderá estar num divórcio que encolheu a carteira que costumava ser obesa — em maio, soube-se que Dmitri Rybolovlev terá que pagar cerca de 3,5 mil milhões de euros à ex-mulher, devido a um processo de divórcio. E nem mesmo os quase 80 milhões de euros que o Real Madrid terá transferido para as contas do clube, em troca de James Rodríguez, deram sinais de reverter a situação para uma abundância de compras semelhante à que o clube realizou no verão passado.

Jardim quer ver caras novas. Mas, enquanto espera por elas, as que já lá estão comparam-no ao que antes conheciam. “Com Ranieri, jogávamos com a ansiedade, a determinação, a preparação física e a eficácia. Jardim quer mais qualidade com a bola”, analisou Valère Germain, avançado francês da equipa.

O L’Équipe, contudo, viu a coisa de outra forma. “Leonardo Jardim não fez trabalho físico particular no decurso da pré-época, privilegiando os jogos com bola. Uma explicação para o inexplicável desmoronamento da equipa monegasca na segunda parte do jogo em Bordéus”, escreveu o desportivo gaulês.

E pés, aliás, é o que não lhe faltam para que veja a bola ser bem tratada no relvado. Entre João Moutinho, Toulalan, OCampos, Falcao ou Berbatov, o treinador disse “ter a certeza” de que “o jogo vai melhorar”. Veremos.

Por enquanto, o Jardim que, além do título da segunda liga portuguesa, tem apenas a medalha de vencedor do campeonato e taça gregas (a meias, pois saiu do Olympiakos em janeiro, com 22 jogos feitos), ainda nada colheu do que anda a semear no Mónaco.