De Bragança a Lisboa podem até ser “nove horas de distância”, mas a paisagem pouco muda, pelo menos no discurso dos candidatos a líderes das federações socialistas. As eleições distritais arrancam esta sexta-feira em todo o país, opondo apoiantes de Seguro e de Costa em dez das 19 federações. E, nos 19 reinos dos apoiantes dos Antónios, o mote, mais do que as políticas e os problemas locais, é a luta pela liderança do PS. Bem-vindos às pré-primárias socialistas.

Mapa-PS

A viagem pelas moções de estratégia dos 31 candidatos é longa e, digamos, monótona. De norte a sul, os candidatos falam sempre do mesmo: criar riqueza e emprego, recuperar o rendimento dos portugueses, combater as desigualdades e caminhar para um Estado Social sustentável. Sejam costistas ou seguristas, os temas-chave das candidaturas distritais pouco variam e optam sempre por ideias genéricas.

Juntem-lhes estes: a alteração da posição de Portugal na Europa, a regionalização e descentralização, o incentivo à participação dos militantes e a cooperação com a juventude. Também as mulheres socialistas. Nem onde há luta se notam diferenças, de propostas ou de tom. Tudo como d’antes, no Quartel General de Abrantes, diz o ditado, lembrando aqui que também na guerra pelo Largo do Rato Seguro e Costa se têm anotado as semelhanças de projetos para o país.

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Muda uma coisa, porém: o sentido da acusação, onde o dedo ora é apontado ao Governo PSD/CDS, ora ao adversário socialista. Porque esta é uma guerra dos tronos, os exemplos aqui proliferam.

“Tal como o Governo, se a FAUL [Federação da Área Urbana de Lisboa] está a funcionar mal, é preciso mudar”, lê-se na moção política de António Galamba, da direção nacional de Seguro e candidato a destronar Marcos Perestrello no maior bastião costista do país.

Os gritos de “mudança“, de “arrumar a casa” e de “transformar o PS Lisboa” são mais audíveis na moção de Galamba do que qualquer orientação estratégica para os problemas e dificuldades da área metropolitana. Do lado do atual presidente da FAUL, a estratégia é em sentido inverso: “Mobilizar o partido, vencer a crise e ganhar as legislativas”. Com críticas internas acérrimas, surgindo primeiro contra a própria realização das eleições federativas antes das primárias (decidida por Seguro) e só depois contra os três anos anos de governação de Pedro Passos Coelho.

Também em Setúbal, onde a representação de António José Seguro e de António Costa se faz pelas candidatas Madalena Alves Pereira e Ana Catarina Mendes, respetivamente, os discursos refletem os da capital. À semelhança de Seguro, que tem vindo a defender uma reforma do sistema eleitoral, Madalena Alves defende na sua moção de candidatura a criação de círculos uninominais para que os eleitores possam “responsabilizar mais os deputados eleitos”. E Ana Catarina Mendes, num discurso sobretudo virado para a “mudança”, repete a bandeira de Costa de ter uma “agenda de crescimento económico para a década“. Não é por acaso: Ana Catarina é a diretora de campanha de Costa.

O mesmo se passa na federação de Aveiro, que opõe um nome próximo a António Costa, o deputado Pedro Nuno Santos, a Gonçalo Fonseca, segurista. Afirmando que o “socialismo democrático está em crise” e que a diferença entre o PS e os partidos da maioria é neste momento “pouco significativa”, Pedro Nuno Santos aproveita a moção de recandidatura à federação de Aveiro para apelar a uma mudança no plano do PS nacional. Ao mesmo tempo, o adversário aproveita a ocasião para apontar baterias à “deslealdade” de Pedro Nuno a Seguro, que, diz, “põe em causa o contributo que a Federação devia ter dado à afirmação do PS como alternativa”.

Só se caminharmos para os extremos do país, ora para o Algarve (onde o costista António Eusébio é o único candidato) ora para o interior norte, conseguimos ter uma maior perceção de ideias socialistas para o distrito. É o caso de Bragança, onde o segurista Mota Andrade direciona mais o seu projeto de candidatura para os problemas locais, como a política agrícola, as áreas protegidas e o valor ambiental do distrito. Já Berta Nunes, candidata da fação costista à federação de Bragança, repete a postura crítica face ao PS nacional:

“Acreditamos que é possível fazer melhor e não nos conformamos com a ideia de que não existem competência e recursos no partido e na sociedade para alterar o atual estado de coisas”, diz a candidata.

Outros ainda puxam para si as conquistas de José Sócrates. Como é o caso de Hortense Martins, candidata à federação de Castelo Branco – à qual o ex-primeiro-ministro presidiu durante nove anos -, que disputa esta federação com João Paulo Catarino, curiosamente parceiro da mesma ala socialista (ambos são mais próximos de Costa).

Primeiro ‘round’ (pouco) decisivo

Dos 19 distritos, 12 têm duas listas em confronto, sendo que em Viana do Castelo os dois candidatos são apoiantes de Seguro, e em Castelo Branco ambos estão mais próximos da ala costista. Sobram, portanto, 10 duelos.

Só no Porto (onde houve consenso com a ala costista de Manuel Pizarro, que não avançou), Beja, Vila Real e Guarda a vitória está garantida para o lado de António José Seguro, não havendo mais listas. O inverso acontece no Algarve, Portalegre e Évora, onde António Costa será certamente vencedor. Nas restantes federações, nomeadamente em Setúbal, Aveiro, Viseu, Bragança, Leiria e Regional Oeste, o braço de ferro vai ser medido até ao último minuto e o peso poderá pender para qualquer um dos lados.

O caso do Porto é um dos mais peculiares. Trata-se da maior federação socialista do país em número de militantes, mas não nenhum candidato costista decidiu avançar. José Luís Carneiro, atual presidente da federação e bastante próximo de Seguro, recandidata-se sozinho, entregando de bandeja aquela federação ao secretário-geral do partido. Manuel Pizarro, vereador da Câmara, tinha dito inicialmente que disputaria a liderança da federação mas, dadas as poucas hipóteses de vitória, decidiu não avançar.

O distrito de Braga, que é a terceira maior federação em número de militantes, e que tem estado debaixo de fogo devido a irregularidades detetadas nos cadernos eleitorais, cairá provavelmente no colo de António Costa, através do candidato Joaquim Barreto, já que goza do apoio de pesos pesados como o ex-presidente da Câmara Mesquita Machado.

Podem contar-se espingardas e encenar-se o primeiro ‘round’ da batalha final, mas nada garante que o candidato que tiver menos federações ao seu lado depois de conhecidos os resultados eleitorais desta sexta e sábado saia de facto KO. Destas primárias das primárias, até às primárias decisivas (a 28 de setembro), muita coisa pode mudar: os mais de 55 mil simpatizantes inscritos, muitos pela internet, cuja preferência nenhum dos lados consegue medir com precisão; os três debates televisivos são oportunidade única para fazer valer posições; as sondagens, guardadas pelos media para os últimos dias, podem influenciar o dia d.

Mas esta sexta-feira e sábado os dois Antónios jogam o primeiro round de uma luta que ainda vai aquecer.