Ir ao concerto do Morrissey é um jogo de expectativas para os seus fãs. Com uma carreira de mais de 25 anos entre os quatro álbuns de estúdio como líder do The Smiths e os dez registos a solo lançados desde então, nunca se sabe que caminho pode tomar entre a nostalgia e o novo material, entre agradar ao público com os clássicos do passado ou divulgar o seu último álbum “World Peace Is None of Your Business”, lançado neste ano.

São os próprios fãs que contam: Miguel Monteiro e Ana Coelho viajaram desde o Algarve para ver Morrissey. “Queremos ouvir The Smiths. Estamos certos de que ele vai tocar”, asseguravam. Madalena Lopes, de Lisboa, também não escondia na porta de entrada as suas expectativas. Fã desde a década de 80, confessou conhecer todo o seu repertório solo, apesar de esperar ouvir as canções da época do grupo. “São parte da minha vida e quero escutar todos aqueles temas”, revelou. A sua paixão foi passada para a sua amiga Susana Calhao, que foi ao concerto porque lhe ofereceram a entrada. “Mas ouvi o último álbum e gostei. Conheço o Morrissey de antigamente”, confessou.

Miguel, Ana, Madalena e Susana devem ter-se sentido satisfeitos quando Morrissey, todo vestido de branco, subiu ao palco com 29 minutos de atraso e começou a cantar “The Queen is Dead”, do álbum homónimo dos The Smiths de 1986, e “Speedway” do álbum solo “Vauxhall and I” de 1994. O Morrissey “de antigamente” estava de volta e não poupou esforços para segurar a mão dos fãs que se amontoavam na primeira fila para vê-lo.

“Gracias”, disse ao fim da primeira canção. Mal-intencionado ou esquecido? Ao fim da próxima canção, “Certain people I know”,corrigiu-se ao agradecer o carinho do público com um sonoro “Obrigado”, retribuído aos gritos. A partir de então vieram um sucessão de canções do último álbum, como “The bullfighter dies”, “Kiss me Alot”, “World Peace Is None of Your Business”, “Instanbul” e “Earth Is the Loneliest Planet”. Entre elas, mais um sucesso da sua carreira solo, “I’m Throwing My Arms Around Paris”.

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E o Morrissey “de antigamente”? Continuava ali. Mesmo com as novas canções, as letras melancólicas e pessoais contrastadas com a parede de guitarras nas melodias não desapareceram, nem o movimento de jogar o pedestal do microfone para trás, ou a dança coordenada com o fio do microfone ao redor da mão ou os braços abertos no final de cada canção.

Depois de “Trouble Loves Me” de 1997, voltamos ao último álbum com “Kick the Bride Down the Aisle”, “One of Our Own” e “I’m not a Man”. A sonoridade “Morrissey” e o estilo “Morrissey” ainda estavam aí, mas os mais saudosos ainda sentiam falta dos clássicos.

Até que um silêncio prosseguido de “And now, because we must”, Morrissey fez a alegria do público. “Hand in Glove” foi a primeira da sequência e o público não se conteve para fazer cada verso da canção ecoar no Coliseu. Antes da próxima, “Meat is Murder”, do homónimo ábum de 1985 dos The Smiths, fez um pedido às pessoas: disse para que dessem um volta em Lisboa, comprassem uma lata de spray de tinta e pintassem a fachada das cadeias de fast food com as palavras “Shit” e “No”, o que foi plenamente aplaudido pelo público. Talvez não pelo pedido em si, mas pelo Morrissey rebelde, contestatário e vegetariano “de antigamente” estar ali diante deles.

“One Day Goodbye Will Be Farewell” encerrou temporariamente o concerto, mas foi prontamente seguido de um bis com outro clássico dos The Smiths, “Asleep”. A noite terminava com “First of the Gang to Die”, um dos seus maiores hits solo, e com Morissey a atirar a camisola para o público.

No final, cada um sentiu a falta de alguma canção. Onde estavam “Suedehead” e “Everyday is Like Sunday” da carreira solo ou, com um pouco de sorte, “How Soon is Now”, “This Charming Man” e “There Is a Light That Never Goes Out” dos The Smiths ? Mas afinal este é o Morrissey “de antigamente” – ele sabe sempre deixar na expectativa.

https://www.youtube.com/watch?v=EqpkE_vsdR8