O adversário era o Estoril, mas o friozinho na barriga de muitos adeptos prendia-se com a batalha interna. Alvalade teria de escolher. Ou então não. “Estás do lado do presidente ou do treinador?” Esta é a pergunta pouco saudável que se transformou corriqueira nos dias que correm. Seria Alvalade como um tribunal? Pelo sim pelo não, o presidente afirmou durante a tarde que o seu treinador era Marco Silva, o mesmo que seria ovacionado pelos adeptos antes da partida frente aos canarinhos. É que este homem, ao serviço do adversário deste sábado, foi o único a conseguir dois resultados positivos em Alvalade: 2-2 (2012) e 1-0 (2014). Até lá, apenas Fernando Santos conseguira empatar ali, no reino do leão. Aconteceu em maio de 1993, o empate com um golo para cada lado, curiosamente de dois búlgaros. Primeiro marcou Voynov, a seguir Iordanov. A equipa da casa, inspirada por Bobby Robson, contava com jogadores como Peixe, Valckx, Figo, Balakov, Cadete e Juskowiak.

O primeiro jogo de 2015 sorriu aos sportinguistas (3-0). Adrien (bis) e Slimani resolveram uma partida que prometia ser complicada, mas que acabou por não ser. O Estoril viveu este duelo num colete-de-forças, sem ideias e criatividade, e viu-se obrigado a procurar o jogo aéreo de Kléber. Carrillo fez um belo jogo, evidenciando a nova faceta de jogador de coletivo, que recupera muitas bolas. Nani foi o senhor do gelo (acabou expulso depois da hora, por acumulação de amarelos). Jefferson inventou os golos…

SPORTING: Rui Patrício, Cédric, Paulo Oliveira, Maurício, Jefferson, William, Adrien, Carrillo, Carlos Mané, Nani, Slimani

ESTORIL: Kieszek, Mano, Yohan Tavares, Rúben Fernandes, Emídio Rafael, Anderson Esiti, Diogo Amado, Sebá, Tozé, Kuca, Kléber

Carrillo foi o primeiro a levantar Alvalade. Abriu-se um buraco entre Esiti e Diogo Amado, um médio que regressava à casa que o viu nascer, e o peruano arrancou a toda a velocidade, qual locomotiva que demora a arrancar mas que depois se torna imparável com a força de 1000 homens. O remate saiu forte, de fora da área, mas Kieszek voou e sacudiu para canto.

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A mobilidade do ataque do Sporting era o que saltava à vista. Nani, Carrillo e Carlos Mané baralhavam as marcações e as posições. Enquanto Nani dava um cheirinho no meio, Carrillo e Mané chegaram a estar na mesma zona para aproveitar um movimento de arrastamento de Slimani. Aquilo estava a funcionar, e bem. Esiti e Amado tiveram muitos problemas. Carlos Mané, nas costas do avançado argelino, traz essa tal mobilidade, mas perde-se peso na área, algo que não acontece com Montero. Mas não se pode ter tudo, certo?

O Estoril nem entrou mal. Com a atitude que o caracterizou com Marco Silva, apresentou-se forte nos duelos, com garra e atitude, mas faltava-lhe algo. Estava com poucas ideias para sair em ataque organizado (mérito do rival, naturalmente). Restava-lhe as bolas longas para a cabeça de Kléber e as correrias contra meio mundo de Kuca e Sebá. A pressão do Estoril existia, que era gritante na hora de Esiti correr atrás das bolas. Este rapaz de 20 anos, natural da Nigéria, é muito, muito interessante. Toca bem na bola, tem uma senhora envergadura (1.89m) e é um autêntico trator atrás da bola — por vezes a pressão desenfreada leva-o a abrir espaços no meio-campo, mas está a aprender. É somente o segundo ano ao mais alto nível.

Jefferson, aos 20′, sacou um cruzamento daqueles com marca registada — tenso e a fazer a curva que complica a vida a qualquer guarda-redes –, Carrillo saltou e tocou para trás. Esiti teve a possibilidade de limpar, mas falhou. Quem aproveitou foi Adrien, que pega na bola como poucos e bateu de primeira. O destino foi as redes, 1-0. Golaço.

A teia do Sporting continuava a funcionar. Se por um lado tinha a defesa muito subida para encurtar espaços, quando o Estoril conseguia superá-la, descia e fechava bem, definindo zonas de pressão. Era uma autêntica teia. William Carvalho continuava a ser a desilusão. Se antes era ele quem pegava na bola em momentos de aperto, agora sente-se ansiedade e algum receio. Não está confiante. O senhor gelo agora é Nani, um senhor que não é definitivamente deste campeonato. É um craque.

Até ao intervalo viu-se apenas um remate para as nuvens de Nani, uma arrancada estéril de Mané, um livre lateral de Jefferson e um lance claro de golo para Adrien. Nani enganou Diogo Amado e deixou o autor do único golo da partida na cara de Kieszek, mas o polaco resolveu bem. Descanso em Alvalade. O Sporting estava a fazer um jogo sólido, mas há um jogador que merece uma nota de destaque: Carrillo. O extremo recuperou um número sem fim de bolas. A atitude mudou, Marco Silva está a mudar este jogador — ou então a maturidade está a bater-lhe à porta.

O segundo tempo começou mais calmo, mais sereno. A intensidade baixou e isso era, claramente, do interesse dos homens da casa. Apesar de um ou outro canto para os visitantes, os leões continuavam melhores, mais sólidos e equilibrados. O segundo golo (57′) gritado por Alvalade voltou a nascer no corredor esquerdo, novamente pela canhota de Jefferson, um homem que ganhou a alcunha de “Roberto Carlos da Amoreira”, numa altura em que encantava e enchia o corredor esquerdo do António Coimbra da Mota. Slimani, à entrada da área, recebeu e tocou para a esquerda; no limite do fora de jogo, surgiu a toda a velocidade o lateral esquerdo; o brasileiro cruzou, o argelino encostou, 2-0. O avançado, que fazia o jogo 50 pelo clube, esbracejou e sorriu para Jefferson como quem diz “assim sim, meu amigo”.

José Couceiro reagiu de imediato: Cabrera e Fernandinho entraram os lugares de Esiti, que estava a ter uma missão daquelas quase impossíveis, e Kuca. Do outro lado, antes do golo, já havia entrado João Mário — saiu Carlos Mané. Marco Silva piscava o olho ao controlo, domínio e pretendia, provavelmente, congelar a bola e dar outro músculo e cérebro ao meio-campo.

Viviam-se momentos de calma no relvado. O Estoril até melhorou com as entradas de Cabrera e Fernandinho, mas os homens de verde e branco estavam com esta cantiga no bolso. Os adeptos aproveitaram ainda para se despedirem de Slimani, um leão indomável, que pressiona, corre, luta e marca como poucos. O avançado estará na CAN a representar a Argélia e falhará, na pior das hipóteses, oito jogos oficiais dos leões.

Antes do apito final, Nani ainda fez das suas. O extremo, já na área, deu cabo dos rins do competente Yohan Tavares e ofereceu a Carrilho a oportunidade de vestir a pele de herói. O peruano queria, mas quem lhe roubou o protagonismo foi Kieszek, que debaixo do equipamento canarinho terá uma camisola de Super-Homem. Boa defesa do polaco. Na recarga, Montero cabeceou e voltou a ver Kieszek a encher a baliza. Ficávamos por aqui? Não.

A emoção voltaria a abraçar Alvalade, cortesia de Adrien, de penálti, que marcou o terceiro golo já muito perto dos 90. A falta foi ganha por Carrillo, que culminou assim uma boa exibição. Ponto final em Alvalade: 15 jornadas, 30 pontos, resultado de oito vitórias, seis empates e uma derrota.