Um rasgo de honestidade, foi isso. Jesus explicou várias coisas: que sem a companhia da bola perdia-se, talvez a pensar no que fizera ontem, e que, para ele, a entrar na “dinâmica” da equipa era complicado. Basta vê-lo a jogar, encostado a uma linha, quase sempre a esquerda, para perceber do que falava o treinador. “Quando perde uns passes nem me preocupo, porque estou à espera disso”, admitiu. Mas porquê? Por tudo o resto que Ola John pode, mas nem sempre consegue dar.

Pois no corpo do extremo fabricado em África e com selo holandês há ginga. Há o balançar de fintas, de vai-não-vai, de arranques e simulações que puxam cadeiras para os defesas se sentarem. “No um-para-um é muito forte”, reconhecia Jesus, em setembro. Agora, a meio de janeiro, na Madeira e depois de a lesão de Salvio lhe dar umas titularidades, contudo, o John que rima com olá começava um jogo sentado, no banco. Assim ficou durante 15 minutos, até Gaitán se agarrar à coxa e Jorge Jesus, aí sim, se preocupar.

Marítimo: José Sá; João Diogo, Ramsteijn, Patrick Bauer e Rúben Ferreira; Danilo, Alex Soares, Bruno Gallo e Fernando Ferreira; António Xavier e Maazou.

Benfica: Júlio César; Maxi Pereira, Luisão, Jardel e Eliseu; Samaris, Talisca, Salvio e Gaitán; Jonas e Lima.

O holandês teve que entrar e à primeira vez que toca na bola, começou por fazer o costume: dominou-a à esquerda do ataque, levou-a numa finta e com ela correu rumo ao centro do relvado. Até fazer algo que não costuma — levantou-a logo ali, quase no meio campo, e embrulhou-a num passe pelo ar, rumo à área do Marítimo, com destino à corrida de Salvio. Foi direitinha, tão direita, para o pé direito do argentino, que ele a conseguiu controlar de primeira, sem a deixar cair, e logo a seguir rematá-la, à futebol de praia. Golo e 1-0.

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Até então, do banco, Ola John vira um jogo “raçudo”, como o pedir Leonel Pontes, técnico do Marítimo. As jogadas com muitos passes eram poucas, ouviam-se muitos apitos e as faltas apareciam. A partida era uma sucessão de desarmes, interceções e dribles falhados. As equipas pressionavam-se muito e o encontro só acalmou um pouco quando o marcador, pela primeira vez, dançou como o holandês faz quando tem a bola como par.

Aos 34’ só não se mexeu de novo porque Jonas, na área e só com José Sá à frente, quis encontrar Lima para embelezar o que fora uma jogada feita por três de primeira (entre ele, Ola John e Talisca), mas o outro avançado brasileiro do Benfica rematou para as mãos do guarda-redes. O Marítimo, cheio de raça, é certo, lutava para se livrar da pressão que cercava os seus jogadores assim que os encarnados perdiam a bola — como atacavam com muitos e muito juntos, conseguiam montar cercos logo ali.

Aí as cabeças madeirenses levantavam-se. Procuravam Maazou, o gigantão avançado do Níger, para lhe colocarem a bola no pé e ele a segurar, ou esperavam que António Xavier ou Rúben Ferreira, o lateral canhoto e velocista, lançassem uma corrida para inventarem um contra-ataque. Poucas vezes o conseguiram e o intervalo poderia servir para descortinarem uma solução. Ou não, pois não se livrariam desses cercos. E o Benfica, com bola e a cada minuto que passava, iam acertando jogadas, fazendo coisas ao primeiro toque e desmarcando jogadores para facilitar a vida ao homem que tinha a bola.

Nem Jesus, mesmo com Ola John a falhar, sabe-se lá como, os dois passes, simples, que lhe pediram para fazer nos primeiros minutos, teria motivos para se preocupar. Afinal o próprio o dissera. E com razão, pois à terceira vez que o holandês tocaria na bola, no arranque da segunda parte, era para dizer olá ao golo. Ou para a picar, ao de leve, por cima do corpo do guardião do Marítimo, após disparar num sprint entre o lateral e o central para Talisca lhe dar um passe. 2-0, John dizia “vamos!” a festejar e a equipa cumpria essa sugestão — ou seja, não abrandou e continuou nestas andanças.

Os madeirenses, via-se, queriam reagir. Mas nada saía. Os passes na defesa erravam-se e nem Alex Soares, médio que gosta de colar a bola ao pé, conseguia dar tempo à equipa para se organizar quando recuperava bolas e atacar com pés e cabeça. Uma mistura bem apurada em Jonas, brasileiro que, aos 57’, três minutos depois do golo de Ola John, fugir aos centrais Bauer e Ramsteijn (dito o nome, soa a banda de heavy metal), receber um passe de Maxi, virar-se para a baliza e desmarcar Salvio. O argentino lá avançou, entrou na área e tramou José Sá, que ficara na corda bamba entre fechar a baliza ou antecipar o cruzamento e recebeu em troca um golo. O 3-0.

Só aqui, à terceira jogada bonita que dava golo, é que o Marítimo reagiu. E a sério. Primeiro por Danilo, capitão e senhor trinco, que a 30 metros da baliza apanhou uma bola aliviada pela defesa encarnada e, sem a deixar bater na relva, a rematou contra a barra. Dois minutos depois e Edgar Costa, acabadinho de entrar em jogo, pontapeou de primeira a bola vinda de um cruzamento de António Xavier, mas não acertou no alvo. Com 66 minutos contados seria Rúben Ferreira, num livre, a fazer a bola rasar o poste direito guardado por Júlio César, Três ameaças, sim, mas entre a segunda e a terceira algo se passou.

Um algo em forma de golo, de outra jogada pintada pela classe de Jonas, que se livrou de um adversário e inventou um passe, e pela assistência de Salvio, que ao invés de rematar preferiu passar a bola a Lima para o ver marcar o 4-0. Só aqui tudo abrandaria. O Benfica aproveitou para acalmar as corridas, continuar a habituar Pizzi a estar no meio de tudo (substituiu Jonas e foi para o meio campo) e mandar Talisca “limpar” o cadastro — o brasileiro, aos 89’, transformar as pernas numa tesoura e rasteirar Bauer por trás e pedir ao árbitro para lhe mostrar o segundo amarelo. O homem do apito assim o fez, o médio foi para a rua e, assim, cumprirá o castigo na Taça da Liga e não no campeonato.

O Benfica foi à Madeira e demorou 15 minutos a tirar um Ola do banco e começar a dizer olá à goleada. Conseguiu manter os seis pontos de margem na liderança do campeonato, conseguiu prolongar a onda de futebol bonito que inventou na jornada anterior, frente ao Vitória de Guimarães, e viu Luisão chegar aos 440 jogos pelo clube, os mesmos que Eusébio. Melhor jogo da época? “Não”, concluiu Jesus, que preferiu antes sublinhar que a equipa tem “vindo a melhorar”. Viu-se.