A queda do avião da Germanwings veio levantar novas questões de segurança – que são transversais a todas as profissões de risco. A notícia já correu mundo: os testes psicotécnicos, realizados antes de os pilotos serem admitidos numa companhia aérea, são a única avaliação psicológica a que estes são sujeitos.

Os exames regulares de saúde, feitos anualmente — e que incluem uma extensa avaliação médica –, não têm nenhuma componente psicológica, ficando a cargo do médico examinador decifrar se o piloto sofre ou não de alguma patologia. E noutras profissões de risco? É feita alguma avaliação?

Nestas, a avaliação não parece ser muito diferente da que é feita aos tripulantes de bordo. A avaliação psicológica — se existe — é geralmente feita no início na carreira ou em alturas muitas específicas, não existindo exames regulares.

Mas, como é que esta é realizada nas diferentes profissões?

Profissionais da saúde

No caso dos médicos, enfermeiros e outros profissionais da saúde não é feita qualquer tipo de avaliação psicológica. Ao Observador, o Bastonário da Ordem dos Médicos, José Manuel Silva, explicou que “quando há suspeita de uma inadequação” por parte de algum profissional, “há a possibilidade de a Ordem dos Médicos nomear uma junta médica para fazer a avaliação”.

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“Já houve várias situações em que médicos tiveram de ser afastados por doença psiquiátrica”, admitiu o Bastonário. “Não é muito frequente, mas acontece com alguma regularidade. Todos os anos há pelo menos um caso”.

Segundo fonte oficial do Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas (CRUP), na altura da seleção dos candidatos aos cursos de medicina, também não é feito qualquer tipo de exame psicológico.

Algumas faculdades de medicina têm defendido a existência de pré-requisitos para aferir a aptidão dos estudantes no momento da candidatura, que incluiriam uma avaliação psicológica. Porém, a Lei não prevê qualquer requisito.

GNR e PSP

No que diz respeito à Guarda Nacional Republicana (GNR), a avaliação psicológica é feita durante o processo de candidatura. “É um processo fundamental para a entrada na GNR”, disse ao Observador o Major Marco Cruz, porta-voz da GNR.

O Tenente-Coronel Ilídio Canas, responsável pelo Gabinete de Psicologia da GNR, explicou que “todos os candidatos são sujeitos à avaliação psicológica”. Esta, no caso daqueles que se candidatam através da academia militar, fica a cargo do Exército. “Participamos com algum apoio logístico”, mas toda a avaliação é feita pelo corpo médico do Exército português.

Para aqueles que se candidatam através do curso de guardas, a avaliação é feita em três fases:

1. Os testes cognitivos, nos quais são avaliados o raciocínio e a compreensão do candidato;

2. Os testes de personalidade, através dos quais se tenta perceber se o candidato sofre de alguma patologia, como uma psicose ou uma depressão;

3. A entrevista, onde a candidatura é validade ou não.

O responsável pelo Gabinete de Psicologia explicou que todos os instrumentos de avaliação utilizados foram “validados” e que alguns foram até feitos de propósito para a GNR, nomeadamente pela Universidade do Minho.

Todos os candidatos que chumbem na avaliação psicológica podem voltar a candidatar-se à GNR. Mas nem sempre foi assim. “Há 15 anos, se um candidato chumbasse na avaliação psicológica, este não se podia voltar a candidatar”, referiu o Tenente-Coronel Ilídio Canas. Mas, em 1998, as regras mudaram.

Agora, “um candidato que chumbe na avaliação, pode sempre voltar a candidatar-se”. Se, na candidatura seguinte, o indivíduo se mostrar apto, este pode ser admitido na formação. “O percurso anterior não é tido em conta”.

Mas esta não é a única altura em que um militar da GNR é sujeito a uma avaliação psicológica. “Num curso de formação ou progressão também é feito este tipo de avaliação”, explicou o Major Marco Cruz. Para que um militar possa entrar num destes cursos, é necessário garantir a sua saúde mental.

Excluindo estas duas situações, o Gabinete de Psicologia está sempre ao dispor de qualquer militar que sinta necessidade de o consultar.

À semelhança do que acontece na GNR, na Polícia de Segurança Pública (PSP) todos os candidatos são sujeitos a uma avaliação psicológica. Para além disso, sempre que é feita uma candidatura interna, este tipo de exame é também obrigatório.

Ao Observador, o Subintendente Paulo Flor, porta-voz da PSP, admitiu que podem existir outras situações em que esta avaliação é também necessária. “Por exemplo, quando é apresentada uma baixa médica por motivos psicológicos”, disse. Para que o agente possa voltar ao ativo, é necessário que seja aprovado por uma junta médica.

E no exército? 

O Exército também realiza uma “avaliação multidimensional” de todos os candidatos a prestar serviço militar, explicou ao Observador o Tenente-Coronel João Pires, chefe das relações públicas. Esta avaliação inclui uma verificação do “potencial cognitivo, das aptidões psicomotoras e das aptidões psico-sensoriais, assumindo especial relevância a avaliação da personalidade”.

“As especificidades da profissão militar, os contextos e o armamento ou equipamentos que os militares operam, impõem que os militares que servem no Exército não tenham distúrbios na personalidade que comprometam a segurança, seja do próprio, dos seus pares e da população em geral”, referiu o Tenente-Coronel João Pires.

A avaliação feita na área da personalidade pode incluir duas a três provas diferentes, dependo do tipo de candidatura. Para a admissão ao QP (Oficiais e Sargentos) e às Tropas Especiais (Operações Especiais, Comandos e Paraquedistas), são realizadas três provas, enquanto para a admissão ao contingente de RV/RC (independentemente da categoria) são apenas preciso duas.

Seja qual for a modalidade de prestação de serviço, os militares “são sujeitos a uma entrevista de validação dos resultados dos testes psicológicos“, realizados por um psicólogo, referiu o chefe das relações públicas. Para além disso, sempre que um militar (ou Força) é destacado para uma missão no exterior, este é também alvo de uma avaliação à personalidade e à estabilidade emocional, com especial ênfase no stress pós-traumático.

“O essencial do modelo, consiste na avaliação psicológica, em particular do stress pós-traumático (PTSD), bem como em iniciativas de formação cujo objetivo é promover a resiliência dos militares bem como dos seus sistemas sociofamiliares”, disse o chefe das relações públicas do Exército.

Esta avaliação psicológica decorre em quatro momentos distintos:

1. Antes da missão em território nacional;

2. Durante a missão no teatro de operações;

3. Após a retração e chegada

4. Após o fim da missão, entre três a seis meses depois

Durante o cumprimento do serviço militar efetivo uma unidade, estabelecimento ou órgão pode também solicitar ao Centro de Psicologia Aplicada do Exército uma avaliação psicológica complementar de um militar, se assim o entender.