Carlos Martins ganhou vida no Restelo. O sorriso era o de menino, a braçadeira atestava o que já fez no futebol e a influência no jogo do Belenenses lembrava o jogador que já foi. Até tem mais cabelo, parece mais jovem. Os gritos, as indicações e o toque de bola fazem dele o farol dos homens que defendem um dos estádios mais bonitos do país.

Quem seguiu de perto a sua carreira sabe perfeitamente, até pela forma como caiu em desgraça no Benfica, que esta transformação e ganas que demonstrava no dérbi lisboeta poderiam cheirar a vingança, mas o médio parece ser um homem tranquilo, em paz, preocupado com o seu futebol. E ainda bem. Foi o mais perigoso dos azuis, tentou o golo várias vezes, à bomba. Aquela expulsão no Benfica-Estoril, que ajudou o FC Porto de Vítor Pereira a roubar o título aos encarnados, está esquecida: Jesus e Carlos Martins deram um abraço antes do jogo. O Benfica venceu no Restelo por 2-0, com golos de Jonas, antes de receber o FC Porto no próximo fim de semana.

BELENENSES: Ventura, Nélson, Palmeira, João Afonso, Filipe Ferreira, Pelé, João Meira, Dálcio, Carlos Martins, Abel Camará, Sturgeon

BENFICA: Júlio César, André Almeida, Luisão, Jardel, Eliseu, Ola John, Samaris, Pizzi, Gaitán, Jonas, Lima

Quando o Benfica entra assim, apático, é um problema (para os benfiquistas). Nem a genialidade de Gaitán, esmorecida nesta tarde amena, lhe vale. A estratégia do Belenenses, com a defesa subida e meio-campo bem montado, enérgico e vigoroso na pressão, bloqueou o rival. Os homens da casa, aliás, foram durante muito tempo a melhor equipa em campo. E sempre, sempre inspirados e guiados por Carlos Martins.

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Os de azul entraram melhor, completamente comprometidos com o dérbi e o objetivo de piscar o olho à Europa na próxima época. João Meira, Pelé, Dalcio, Sturgeon e Carlos Martins tapavam os caminhos para a baliza de Ventura. Pizzi e Samaris só serviam para defender. Só existia espaço nas costas da defesa do Restelo, algo que era pouco explorado.

Com este cenário, o golo chegou como só poderia chegar: com um lapso dos senhores da casa. Pelé distraiu-se, bateu mal na bola e isolou Lima, um avançado que começou a dar nas vistas em Portugal precisamente no Belenenses. Ventura saiu e negou o golo ao brasileiro, mas a bola sobrou para Jonas, o tal do samba molengão, que parece saber tudo e com o poder mágico de parar o tempo. O avançado não se precipitou, embora fosse tentador chutar logo, deu uns toques na bola e lá chutou para a baliza deserta, 1-0.

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O Benfica não serenou com o golo. Os espaços continuavam por descobrir, assim como a tranquilidade na defesa para congelar a posse de bola. Lá está, esta exibição, e apesar de as bancadas estarem repletas de benfiquistas, iam dando razão àqueles que dizem que o Benfica só se sente confortável no seu Estádio da Luz.

Carlos Martins começou a dar sinais de vida aos 23′, com um livre direto de muito longe. A bola fez uma curva brutal, mas Júlio César, que até escorregou, corrigiu a rota e assinou a defesa da tarde. O médio desatou aos gritos, estava fora de si, pois queria que alguém atacasse a segunda bola. O tridente danado para a brincadeira — Lima, Jonas, Gaitán — surgiu finalmente pouco depois, mas um corte de Palmeira, um ex-Tondela, fechou a porta ao golo do canhoto argentino.

No Dragão, o FC Porto ia vencendo a Académica, com golo de Hernâni. O Benfica continuava no seu meio-campo, não muito ambicioso. Os jogadores pareciam pesados, desanimados sabe-se lá porquê. O intervalo chegaria pouco depois, sem que nada mais acontecesse digno de relatar. Resta lembrar que este era um jogo entre velhos conhecidos: Jesus voltava ao Restelo, tal como André Almeida, Eliseu e Lima. Do outro lado, Carlos Martins e Nelson defrontavam o seu antigo clube.

A segunda parte começou e desenrolou-se na mesma bitola: lentidão e pouca intensidade. Jorge Jesus não é homem de mudar as convicções, nem de alterar o plano há muito traçado, mas este Benfica precisava de algo mais, provavelmente de um homem extra no meio-campo, para vencer essa batalha e controlar o jogo. Nunca houve controlo, nunca houve sossego. Só aquele inerente à lentidão do jogo. Foi muitas vezes aborrecido.

O dois-zero aconteceu aos 60′, por Jonas. Este homem ganhou a alcunha de “Jonas Pistolas” e vai-se percebendo porquê. É um autêntico pistoleiro, não como Elpidio Silva, o brasileiro que passou pelo Boavista, Sporting e Sp. Braga, mas um daqueles elegantes e letais. Gaitán, na esquerda, levantou a cabeça e, depois, a bola, para o segundo poste. O destino era Jonas, que parou no peito e chutou com estilo, 2-0.

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O Belenenses acabaria também intoxicado pela mesma molenguice que afetava os visitantes. Apenas Carlos Martins, com muita correria, sacrifício e remates de longe, fazia mossa. Sturgeon tem talento, mas esteve escondido. Pelé ficou envergonhado com o que fez na primeira parte, que permitiu o primeiro golo da tarde. Dalcio, o tal miúdo que se farta de fazer a vida negra aos laterais, esteve tímido também. Camará segurou poucas bolas na frente, não permitindo assim que a sua equipa subisse. Enquanto equipa, este Belenenses funcionou durante grande parte do tempo, mas o dois-zero do Benfica roubou a pujança e ousadia aos do Restelo.

O reforço do meio-campo do Benfica, que parecia necessário há muito, chegou apenas aos 80′, quando Fejsa entrou por Jonas, um homem que estava em risco para o clássico da próxima semana. Em situação igual estava Samaris, que também sairia aos 88′, por Rúben Amorim, que pouco depois andaria com Carlos Martins às costas (falta). Os dois acabaram a rir-se, como dois amigos num pedaço de areia numa praia.

O último quarto de hora teria mais Benfica — mais bola (56%),mais controlo –, mas este não se livraria de um último susto. Foi já depois da hora: Filipe Ferreira galgou muitos metros pela esquerda, cruzou para a pequena área, onde esperava Dalcio para dizer olá à senhora glória. O extremo encostou, mas Júlio César encheu a baliza e negou um final de jogo com mais tensão e dieta à base de unhas. Durante todo o jogo viu-se um Jorge Jesus preocupado, a bufar, a levar as mãos à face. Não terá gostado da exibição, mas levou o que mais queria da sua antiga casa: os três pontos.

Ponto final. Jonas bisou pelo terceiro jogo consecutivo e voltou a resolver mais um problema para o Benfica. Tanto o avançado como Samaris não levaram cartão amarelo, por isso estarão na Luz para o SLB-FCP no próximo fim de semana. Ola John, que saiu aos 72′, voltou a ser uma nulidade. O Belenenses, pelo compromisso e teia montada no meio-campo, foi muitas vezes superior ao Benfica, mas não chegou. Foi perdendo gás e ânimo, mas continuará na luta pela Europa. Carlos Martins esteve em destaque.

O Benfica não vencia no Estádio do Restelo por 2-0 desde fevereiro de 2004, altura em que Sokota e João Pereira enganaram Wilson, Tuck, Neca e companhia. Os treinadores eram Camacho e Augusto Inácio.