Vítor Bento não o subscreve, mas vê no documento preparado por economistas que servirão de base ao programa do PS um trabalho “bastante útil” que do ponto de vista ideológico está no campo da “esquerda liberal” e que, por ter “afastado o PS da extrema-esquerda”, pode ser um instrumento “mais fácil de entendimentos no espetro político-partidário se isso for necessário para a governação do país”.

O economista e conselheiro de Estado defende que o documento “Uma década para Portugal” permite ao PS “reganhar uma ideia de credibilidade depois de ter sido afetado por aquilo que aconteceu com o governo anterior”e colocar o partido de António Costa “num terreno central”. E é esta aproximação ao centro (mesmo que “de centro esquerda”) que leva Vítor Bento a acreditar que o documento pode permitir pontes se for necessária uma solução de governo mais alargada, leia-se, bloco central. Numa conferência no ISEG, “Que políticas públicas para a década?”, para discutir as propostas do PS, Vítor Bento diz que este cenário macroeconómico aproxima o PS “num cenário de governabilidade dentro do quadro de restrições em que é possível governar – mais fácil de entendimentos no espetro político-partidário, se isso for necessário para a governação do país”. E acrescenta: “A ênfase ideológica dominante é um pensamento de esquerda libera. Registo a componente liberal que é trazida a esta discussão”.

Na intervenção que fez, Vítor Bento apontou, no entanto, várias dúvidas e “inconsistências” ao documento. A primeira tem a ver com o facto de o cenário dos economistas promover uma quebra “da remuneração por trabalhador”. O economista disse não perceber como é que as medidas reduzem o desemprego, mas reduzem ao mesmo tempo a remuneração média dos trabalhadores.

Além desta conclusão, Vítor Bento tem “dúvidas” sobre duas medidas:

1 – Acabar com os contratos a prazo – Diz que com isto o que poderá acontecer é um “aumento da rigidez do mercado de trabalho”;

2 – A redução da TSU para os trabalhadores – “Não consigo perceber nem a utilidade nem a lógica. Não tem fundamento”, começou por dizer. Bento diz que se o objetivo dos economistas do PS é o de “reduzir a liquidez das famílias”, então “parece-me que o local indicado para afetar o rendimento das famílias, é o IRS, não a TSU”, disse. Além disso, acrescentou, reduzir por via do IRS era “mais coerente e economicamente mais viável”.

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As dúvidas de Vítor Bento foram colocadas com António Costa, líder do PS, na fila da frente e com Mário Centeno, o coordenador do programa, na mesa. E foi o economista a responder a Vítor Bento.

Em relação à redução da remuneração média, Mário Centeno diz que é uma questão de média. “Sabiam que a remuneração média subiu nos últimos anos?”, questionou. Isto porque, explicou, numa economia em que é destruído emprego, há um aumento da “remuneração média de quem tem emprego, porque estamos a destruir salários baixos”.

Quanto à eliminação dos contratos a prazo, Centeno explicou que é preciso “colocar o contrato a prazo no seu local de existência, ou seja, na substituição de trabalhadores por motivos variados que já estão na lei”.

Nas respostas, que incluía também a resposta às dúvidas em relação à TSU, Mário Centeno insistiu na necessidade de pensar o cenário num todo e com enfoque no emprego, uma vez que “é no mercado de trabalho que se pagam pensões”, disse. Ainda na conferência, Centeno justificou a criação de um “mecanismo conciliatório de cessação do contrato de trabalho” porque “é preciso haver uma dignidade na relação laboral”.