A expressão popular bem diz que há coisas que nunca mudam. É uma das que ficam no ouvido, tudo bem, mas não tem um manto mágico que a impeça de ter mais de mentira do que de verdade. Sim, as coisas mudam, muito e muitas vezes, e se querem provas olhem para este Barcelona. Durante meses e meses desta época ouviu-se falar em mudanças. Desde que Pep Guardiola lá parou e ganhou tudo que a equipa se habitou a jogar, mandando, sendo dominadora da bola, levando tudo à frente e fazendo passes atrás de passes. Luis Enrique chegou no início da temporada e mudou tudo — a equipa passou a querer jogar rápido em vez de devagar, a ter mais pressa que paciência, a usar contra-ataques e bolas parados para marcar golos. Vaya (um wow, à moda espanhola), que diferença.
Ao início os adeptos estranharam e só mais ou menos a partir do Natal é que entranharam as mudanças. O Barça embalou, foi ganhando a todos e chegou à final da Liga dos Campeões. Onde, lá está, tudo voltou a mudar. O jogo arranca e vê-se a equipa a jogar à antiga, com muita bola no pé, passes mil e paciência a fazer quase tudo. Não se via pressa porque tudo parecia estar calculado ao milímetro. Os catalães apanhavam a Juventus de surpresa com a bola a rolar, com cantos marcados à maneira curta, com livres batidos para as costas dos italianos certos e, claro, com Lionel Messi. O jogo arranca e a bola demora quase quatro minutos a chegar à canhota do argentino. A Pulga recebe, vai para dentro desde a direita, solta um passe por alto, Neymar recebe, espera por Iniesta, o espanhol confia que um croata aparecerá ao seu lado e, pronto, 1-0. Ivan Rakitic fazia o quarto golo mais rápido de sempre em finais.
E o resto é o Barça a controlar. A obrigar os italianos a apuraram o faro e a cheirarem a bola até ao intervalo. Os catalães passam tão bem a bola quanto montam aquele pressão de quem está raivoso mal a acaba de perder. A Juventus não respira e chega às vezes a asfixiar porque nem Andrea Pirlo tem tempo para encher os pulmões de ar. O barbudo e cabeludo médio, sábio como poucos aos 36 anos, não perde a cola que tem nos pés, mas o corpo não lhe obedece quando passa o tempo a ser perseguido pelos adversários. Este pode ser um mal que poucas equipas conseguem provocar na Juve. Mas quando ele aparece, a equipa quase que morre — se Pirlo não joga, os que o rodeiam também pouco fazem. Vaya, que dependência.
Nem Paul Pogba, que guarda a bola como poucos, ou Arturo Vidal, que se preocupa mais em fazer faltas do que em correr, conseguem dar vida à equipa. O intervalo era preciso, porque as coisas, claro, tinham de mudar. E claro que mudaram. A garra e energia foram atrás da Juventus desde o balneário e a equipa arrancou a segunda parte com mais rotação nas pernas do que o Barcelona. A Velha Senhora de Itália passou a levar a bola a passear mais vezes para as alas — onde Neymar e Messi não mudam e sempre torcem o nariz a defender — e mandou Pogba e Marchisio irem lá espreitar mais vezes. Juntando a tudo isto mais “pica” a jogar e tem-se a fórmula para Álvaro Morata marcar aos 55′ — o Barça tentou sair a jogar, Liechsteiner foi duro com Neymar, roubou-lhe a bola, Marchisio usou o calcanhar para lançar a corrida do lateral suíço, que cruzou para Tévez rematar. A bola pontapeada pelo argentino foi defendido por Ter Stegen para a frente, para os pés de Morata, que lá estava para fazer o 1-1.
E que bem fez o avançado espanhol em mudar de país. No verão, Morata trocara Madrid por Turim e tornava-se agora no terceiro jogador da história a conseguir marcar um golo ao Real e ao Barcelona na mesma edição da Liga dos Campeões. De repente a final ganhava outra vida, e que vida. Os catalães ficaram moribundos com o golo sofrido e andaram encolhidos enquanto a Juventus tentava aproveitar a sonolência. Tévez insitiu, Pogba rematou, Marchisio rebentou uma bomba, mas os italianos não marcaram mais nenhum. Mas queriam tanto fazê-lo que, a pouco e pouco, a equipa ia atacando como se estivesse a perder e só houvesse um minuto para jogar à bola. O Barça reparou e voltou a mudar — e lá ligou o chip que Luis Enrique lhe andou a tentar instalar a época inteira. Venham daí os contra-ataques.
Foi com dois, bem rápidos, fulminantes e com muitos jogadores a sprintarem, que o Barça marcou mais dois golos e castigou a Juventus pela ousadia de deixar tão poucos homens lá atrás. Primeiro viu-se Messi a ser Messi, a correr muito com a bola e a quase nem ter de fintar Barzagli para deixar o italiano na relva antes de rematar. Buffon não agarrou e Luis Suárez rematou para o 2-1. Logo o uruguaio, o avançado que mordeu o ombro de Chiellini (estava lesionado e não jogou) no Mundial e foi racista para com Evra, há uns anos, na Premier League. E seria depois Neymar, o moleque que finta todo o mundo, a dar o 3-1 na última jogada da final e a rebentar com a festa no Estádio Olímpico de Berlim.
Estava feita a conquista da quinta Liga dos Campeões na história do Barcelona, após as vitórias em 1996, 2006, 2009 e 2001. E vão cinco, metade das 10 que o Real Madrid tem. Vaya, tantos canecos. Mas calma, porque se as contas forem desde 1992/1993, época em que a prova se passou a chamar Liga dos Campeões, merengues e culés estão empatadas nas cinco taças cada um.
Quando a final acabou já Xavi, el capitán que vai jogar para o Qatar, estava em campo, com a braçadeira e com um recorde — chegou aos 151 jogos e passou a ser o homem com mais partidas feitas na Champions. Um Barça sem Xavi, 17 anos depois. Sim, as coisas acabam sempre por mudar. O pequeno médio levantou a taça, o hino do Barcelona tocou no estádio e Neymar ajoelhou-se no relvado, com uma fita na cabeça a dar honras ao Senhor que está lá em cima no céu. Eram lágrimas de alegria e não de tristeza, como as que Andrea Pirlo tinha na cara. Logo ele, um dos senhores que estão cá em baixo, na Terra, e que aos 36 anos ainda tanto joga e manda com uma bola nos pés. E de repente lá estava, no relvado, um homem feito e em quem é raro não ver uma cara séria, a chorar como um menino. Vaya, como as coisas mudam.