Um emaranhado de fitas negras a ondular ao vento, pairando no ar, é uma paisagem difícil de encontrar nos tempos que correm.  A teia esvoaçante podia ter origem numa tropelia de miúdos ou num condutor irritado que resolvia atirar uma cassete pela janela do carro. A coisa dava-se quando o auto-rádio teimava em engolir a fita de cromodióxido onde estava gravada a banda sonora do último romance. E quanto mais puxava, mais a fita desenrolava até se partir soltando-se, trilhada pelo mecanismo. Quando não se partia, o ouvinte mais paciente rebobinava-a à mão com um lápis e assim se poupava o ambiente.

No final da década de 1970 as aparelhagens de alta-fidelidade eram um equipamento comum. Além do rádio multi-banda e de um gira-discos passaram a integrar um deck num corpo compacto que se chamou “midi”, depois “mini” e finalmente “micro”. A diminuição de escala anunciada pelos nomes coincidiu com a efectiva redução de dispositivos, dado que a “micro” era, em geral, apenas constituída por sintonizador, leitor de CD e ranhuras para media portáteis (cartões e pens) facilitando o processo de cópia.

Na década de 1980 quem tivesse um deck, cassetes virgens e alguns discos podia ser um produtor caseiro. Era possível editar e misturar as melhores canções de uma banda, ou gravar as músicas do momento para a festa de garagem. Uma hora de baladas melancólicas era a receita ideal para as dores do amor adolescente. E num caso sério de paixão, pelo artista ou pela música, gravava-se a mesma canção vezes seguidas até encher a cassete, de um lado e doutro. Assim não era preciso rebobinar e podia tocar horas a fio, desde que o deck tivesse a função “auto-reverse”. Das “normais” às de “metal”, a forma icónica perdura até hoje em objectos de decoração, roupa e até como embalagem para oferecer música digital em formato… analógico.

Com apenas 10×7 centímetros, a pequena caixa de plástico pode ser um enorme baú de memórias. Com alguma nostalgia à mistura, o músico fundador dos Sonic Youth, Thurston Moore, explorou esta relação mágica com as cassetes no livro “Mix Tape: The Art of Cassette Culture” editado em 2005. E apesar de tanta inovação o culto parece continuar vivo, como provam as recentes edições do EP de estreia das Haim ou do último álbum dos The Flaming Lips. As novas gerações de músicos dedicados ao experimentalismo e a moda do lo-fi podem estar a contribuir para o regresso do som analógico e da sua velha portadora.

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A epopeia das gravações sonoras começou com os fonoautogramas de Édouard-Léon Scott de Martinville, considerados como o primeiro registo sonoro da História. O excerto de “Au Clair de La Lune” foi gravado em 1860 num fonoautógrafo, que através de uma agulha desenhava linhas numa folha de papel coberta com a fuligem das lamparinas a óleo, enrolada num cilindro. Mas Scott apenas gravou sem ter noção de que poderia escutar. Isso apenas viria a ser conseguido por Thomas Edison em 1878 quando apresentou o fonógrafo e a sua gravação de “Mary Had a Little Lamb,” a canção de embalar escrita em 1830.

Cento e um anos depois do gravador de Edison, foi lançado no Japão o companheiro inseparável da cassete e de milhões de pessoas em todo o mundo desenvolvido. O Walkman, gravador e reprodutor portátil, chegou ao mercado em 1979 e tornou-se um fenómeno de vendas durante toda a década de 1980. Era pouco maior do que a cassete, funcionava a pilhas e portanto permitia levar a música para toda a parte. Mas a ideia de viajar com a música terá surgido com a instalação do primeiro rádio num automóvel. Várias fontes citam diferentes nomes que reclamam a autoria daquele feito, mas o primeiro dispositivo especificamente concebido como auto-rádio foi apresentado em 1930 pela Galvin Manufacturing Company.

Motorola 5T71 era apenas um rádio de onda-média a válvulas, ligado a um altifalante em caixa de madeira, cujo comando se fixava nas colunas de direcção. Numa ideia bastante arrojada, em 1955 a Chrysler apresentou o primeiro automóvel equipado com gira-discos. Mais do que um acessório, o Highway Hi-Fi prometia alta-fidelidade a qualquer velocidade. Contudo, apesar do reforço dos mecanismos para suportar a trepidação, o sistema viria a ser abandonado em 1959.

Na memória de muitos ainda estarão os cartuchos Stereo-Pak antes da chegada da cassete, e depois o CD, a DAT, a DCC e o Mini-Disc, entretanto substituídos pelos media digitais como os cartões de memória. Passámos a fazer com eles o que em tempos fizemos com cassetes, produzimos as mixtapes sem fita mas com som digital, e podemos partilhar por email ou publicar em plataformas como o SoundCloud. Hoje os sistemas de infotainment combinam as funções do computador de bordo e a navegação por GPS com o entretenimento digital. Serviços como o Spotify estão já disponíveis em diversos modelos que funcionam através de serviços baseados na cloud. Basta entrar no carro e o smartphone sincroniza automaticamente, identificando configurações pessoais, músicas e contactos, permitindo que tudo seja controlado a partir do volante. A chamada “internet das coisas” vê no automóvel um dos seus protagonistas, havendo já projecções que apontam para a existência de 1500 milhões de veículos ligados em 2020. Mas a cassete deve continuar a rodar por aí.