É sexta-feira à noite. Cais do Sodré, Lisboa. Bares, discotecas há-os às dezenas, porta sempre aberta, cedo ou tarde, e a música, magnética, convida os passos a desencaminhar-se, a entrar – o difícil é escolher em qual entrar. Está escolhido o pouso. O primeiro — outros se lhe seguirão naquela noite.

Os homens vão em grupo, que à dúzia é mais barato, afinal. As mulheres também o vão às mão-cheias. E há, claro, os notívagos mais solitários, mas a esses deixemo-los sós — só nesta historieta. Já no interior do bar, é um trouxe-mouxe lá dentro, que mal se respira, mal se movem as pernas, quanto mais os braços!, mas quem foi, sabe ao que foi e sente-se no acotovelamento (constante, diga-se) como em casa.

Sugiro-lhe que tomemos o caso de um homem. Não são necessários mais; apenas um. Mas sem misandrias ou misóginias. Ele vai para flirtar. Ponto. É de galanteio que se trata, se traduzirmos flirt à letra, mas o anglicismo tomou-nos a língua e tomou-o a ele: o “nosso” homem vai só, mas não tenciona voltar só.

Lá está ela, encostada ao balcão do bar, com a tal mão-cheia de amigas a rodeá-la, mas singular. Sempre. Ele reparou nela, primeiro no traço curvilíneo que aquele vestido coladinho à pele lhe confere, depois no rosto, apessoado, e reparou-a mal lá entrou. Fez de tudo para se fazer notar aos olhos daquela desconhecida, também. Mirou-a minutos a fio, primeiro de soslaio, depois ostensivamente. Fez de tudo. Mas nada. Nem um olhar de retorno, nem um sorriso de esgueira para ele – e ele abdicaria de anos de vida por um ligeiro mover (por ligeiríssimo que fosse) das comissuras dos lábios dela, pintados de encarnado-sangue. Nada. Aquele par de olhos benditos não há maneira de se cruzarem nos seus, talvez distraídos, obstruídos por uma sala apinhada de corpos dançantes.

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Mas a nobre arte de bem flirtar não se desvanece ao primeiro percalço – são anos e anos, gerações sobre gerações, a apurar-lhe o jeito; sim, é verdade que nem todos são o Rick em Casablanca, nem o Paul d’O Último Tango em Paris, mas não há que desvanecer – ela há-de notá-lo, não é?

Apontamento prévio: é falso, absolutamente falso que as mulheres (maioritariamente as solteiras) que saem à noite não saiam para ser galanteadas. Elas próprias sabem como fazê-lo, ainda que mais discretamente que os homens, mais femininamente. Mas também é verdade que muitas não querem ser galanteadas. Não por um desconhecido qualquer que se abeira delas num bar fumarento e ruidoso do Cais do Sodré. Não ao fim de um gole num gin roscofe e três dedos de conversa fiada.

Mas ele não desiste, insiste nela, atravessa a sala quase à coronhada em quem se entrepôs (sem saber) entre os dois, e vai-se aproximando, copo na mão, camisa engomada, cabelo reluzente de gel, a mordiscar o lábio de nervosismo – afinal, não quer ser envergonhado em frente da trupe que o vê partir à conquista do seu admirável flirt novo –, felídeo nos primeiros passos, acabrunhado no passo derradeiro, e, por fim em frente dela, todas as certezas que ele tinha sobre a metafísica do flir, esvaem-se. E retorna à trupe, cabisbaixo.

O porquê da historieta? É que não uma, não duas nem três, mas 14 mulheres contaram ao site Thrillist o que é que os homens devem fazer (e também o que não devem) no primeiríssimo contacto com elas num bar. São 14 conselhos de como bem flirtar, homens, para que não se vos perca o pio como ao “nosso” homem.

  • Não fixe o olhar nela minutos a fio. Muito menos se estiver a muitos metros de distância, do outro lado da sala. Quer ela note quer não, não a olhe tão ostensivamente. Se ela notar, é-lhe desconfortável. Se não notar, quem está à sua volta nota e vai achar que você é um stalker do pior que há. “Os pequenos olhares, os sorrisos rápidos, são coisas que funcionam muito melhor connosco”, diz quem sabe: as mulheres.
  • Mas calma: claro que o contacto visual é importante. Muito importante, aliás. As mulheres sugerem-lhe que sorria só com o olhar. Elas lá saberão o que querem dizer com isso. Se é homem e não entende patavina do que é “sorrir com o olhar”, atente: “Uma conversa que é mantida apenas com os olhos é o melhor caminho para um flirt resultar.” Esclarecido?
  • Ofereça-lhe o que beber. Mas não lhe ofereça uma bebida qualquer, só porque sim. E menos ainda lhe ofereça uma bebida se ela tiver um copo cheio na mão. Se não desconfia sequer se ela prefere cerveja ou gin, ofereça-lhe uma flute de champanhe. “Nunca fez mal a ninguém”, dizem elas. E um Moët & Chandon fá-lo aparentar ser mais apurado no (bom) gosto — e abastado na carteira, claro.
  • E às amigas? Ofereça-lhes o que bebericar também. “Se elas estão comigo, ele tem que oferecer-lhes uma bebida, não é? É tão de mau tom quando não o fazem.” Se quiser galantear uma mulher que traz um “grupo excursionista” atrás, afaste-se. Vai ficar-lhe caro o flirt. Se for só uma meia-dúzia de amigas, pague o que tem a pagar. E pense: se aparentar ser um bon vivant, um homem que gosta de agradar às mulheres em geral, talvez consiga agradar àquela mulher em particular.
  • Não ofereça sempre, sempre o que beber. Ofereça uma canção de quando em vez. “Quando um homem me pergunta se eu quero uma bebida, eu às vezes peço-lhe uma canção.” Faça o seguinte: dirija-se ao DJ (ou à jukebox) lá do sítio. Não escolha aquilo que acha que ela vai querer ouvir. Escolha aquilo que você quer que ela ouça. E “ofereça-lhe” a canção — há por aí tanto Jeff Buckley (Lover, You Should’ve Come Over), tanto Chico Buarque (Joana Francesa), tanto Serge Gainsbourg (La Noyée) e tanto Chet Baker (Let’s Get Lost) para lhe oferecer. Enquanto lhe explica o porquê daquela canção e não de outra, já conquistou a atenção dela. E o resto é conversa… cantarolada.
  • Não espere por nada (está a perceber, não está?) em troca de uma mera bebida. “Os homens de hoje pensam que só por me comprarem uma bebida têm a permissão de me ‘perseguir’ a noite toda.” Seja altruísta. Ofereça, dê-se a conhecer e afaste-se. Mas vá retornando amiúde. Se tiver que assentar arraiais, assente. Mas só se ela quiser. Se não, pegue na sua trouxa e faça-se ao caminho — que é como quem diz, vá pagar uma bebida a outra mulher que não aquela.
  • Peça ao barman para apresentá-lo. “Ele [o barman], se me conhecer, se o conhecer a ele [homem], sabe se é ou não um dia bom para conversar, para flirts.” Aqui está uma belíssima razão para ser amigo de um barman — de preferência no bar onde você vai volta e meia flirtar. E de preferência um barman que conheça a clientela feminina toda. Ou seja, qualquer um serve.
  • Não se preocupe com os seus amigalhaços. “Os homens não estão ali para impressionar a mulher, mas os amigos.” É verdade, não é? Você sabe que é. Olhe que elas não são tolas. Tolo é você se a cada conversa que trava com uma mulher, num bar ou onde for, roda a cabeça à procura da aprovação dos seus amigos, lá no canto, por entre risadinhas e palmadas nas costas. Se o faz, está a meio caminho de levar uma valente tampa. Concentre-se nela. Seja confiante. Um homem que necessita da aprovação de outro(s) para tão simplesmente conversar com uma mulher é tudo menos confiante.
  • Tenha cuidado com elogios. “Honestamente, elogios superficiais são uma ótima maneira para eu me desinteressar. Esses elogios deixam-me imediatamente desconfortável. E não acredito numa só palavra.” Vá lá, esforce-se um bocadinho mais. E não vá à Internet à coca de citações de valor muito, muito manhoso. Há tanto Ruy Belo, Jorge de Sena ou, porque não?, Pablo Neruda ou Vinicius de Moraes para lhe citar. E olhe que o Vinicius (como todos os “poetinhas”, afinal) era um flirtador dos melhores: “De tudo, ao meu amor serei atento / Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto / Que mesmo em face do maior encanto / Dele se encante mais meu pensamento”. Você não é o Vinicius. Mas também não precisa de ser um burgesso.
  • Flirtar é normal. Então, seja-o: normal. “Digam-me ‘Olá’, apresentem-se e mantenham uma conversa normal. É incrível o quão longe o ser-se ‘normal’ pode levar um homem num flirt. ” Não seja o que não é. Como escreveu certo dia Leonard Cohen, “Tu estás no meio das pessoas. Portanto, sê modesto. Diz as palavras, transmite a informação, chega-te para o lado. Fica a sós. Fica no teu canto. Não te insinues.” O senhor Cohen, numa carta aos dizedores, uma carta sobre como bem amar uma mulher (que é a poesia), acrescentou, no finalzinho: “Evita os floreados. Não tenhas medo da fraqueza. Não tenhas vergonha do cansaço. O cansaço dá-te bom ar. O ar de quem seria capaz de nunca mais parar. Agora, entrega-te aos meus braços. Tu és a imagem da minha beleza.” Ele sabe da prosa. Ou melhor, da poesia. E de mulheres em geral.
  • Lembre-se: é só um flirt. “A mulher com quem você está a conversar é apenas outro Ser humano. E se ela não quer conversar consigo, está tudo bem, você vai encontrar alguém que o queira. Ela não é uma má pessoa, ou uma galdéria, ou uma idiota só porque não está interessada ​em ter uma conversa consigo. ” O ressabiamento não é bom. Nem o desespero. Lá dizia Bukowski (e como ele entendia do que falava quando falava de mulheres), em “Another Bed”, que elas são uma “eternal search”. Busque-as.
  • Seja afável com o barman. “É um autêntico turn-off quando um homem se aproxima de mim, se oferece para me pagar uma bebida e berra pela atenção do barman. A serenidade e a bondade são sedutoras. ” Sim, eu sei, o ruído era mais do que muito. Sim, o barman “ignorou-o” repetidas vezes, mesmo nas suas barbas. Mas erga-lhe a mão e o indicador, aguarde que ele venha — sempre voltado para ela; que voltar-lhe as costas é coisa feia — e vá conversando. Só isso. Nem vai dar pela demora — aliás, vai desejar que ele se tivesse demorado mais.
  • Não seja engraçadinho. “Coisas que não são engraçadas incluem: comentários sobre o bar, o serviço, a política, a religião, o meu corpo ou o das minhas amigas. Este não é o seu showzinho de stand-up.” Deixe isso para os DVD’s do George Carlin, do Louis C.K. ou dos Monty Python. Seja divertido sem ser zombeteiro. Sério sem ser sisudo. Simples sem ser simplório.
  • Não significa não. “Aceite um não como resposta.” Sim?