Agora inverteram-se os papéis: PS passa para o Governo, a coligação PSD/CDS para a oposição. E ambos já tecem a estratégia política para a arena dos próximos meses. Os dois lados apostam que não passa um ano sem que haja uma crise política do outro lado da barricada — PSD e CDS acreditam que o Governo de Costa poderá não sobreviver ao Orçamento de 2017 e no PS aposta-se que a coligação não demora muito a dissolver-se, com o CDS a querer mostrar autonomia. E depois, é cada um por si.

À esquerda e à direita, a estratégia para o próximo quadro político não é muito diferente: desgastar ao máximo o adversário até ele explodir por dentro, apostando as fichas todas na rutura interna com os parceiros de coligação. PSD e CDS querem aproveitar “o fogo” da revolta, “antes que se apague”, e explorar no Parlamento as divergências entre as esquerdas, sobretudo com o PCP que é mais fiel ao seu eleitorado. Mas o jogo é quase em espelho do outro lado. O PS aposta parte da sobrevivência do Governo nas fragilidades da coligação, que, acreditam alguns socialistas, não deverá manter-se unida na oposição por muito tempo.

Os tempos que agora começam são de permanente campanha eleitoral. E é preciso repensar qual a melhor forma de recuperar votos. 

PS aposta no fim da coligação. CDS quererá autonomia

António Costa começa o mandato com a certeza de que, pelo menos nos primeiros tempos, PSD e CDS não lhe vão dar a mão. Mas os socialistas estão convencidos que a união da direita é sol de pouca dura, porque se a cola já era difícil no Governo, será impossível na oposição, quando as obrigações e compromissos se desfazem.

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Vários são os responsáveis políticos do PS que acreditam que o CDS, mais cedo do que tarde, quererá e começara a dar provas de vida. Sendo o pequeno partido da coligação já nada tem a ganhar em manter-se debaixo do chapéu social-democrata. “O PSD e o CDS apostaram que este Governo chega a um ano e depois desfaz-se. Quando chegarem à conclusão que as expectativas que tinham não se concretizam, começam eles a desfazer-se”, diz ao Observador um dos responsáveis socialistas.

Mas não é o único a apostar que a direita acaba por romper. No dia da tomada de posse, Ana Catarina Mendes, a número dois do PS, vaticinou uma mudança de liderança na oposição: “Parece-me que vai haver mudanças nos partidos da direita, mas não me compete a mim falar da vida interna dos outros partidos”, disse à Antena 1.

O discurso pode não ser combinado, mas parece. Ainda a semana passada, antes de entrar para o Governo, o secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares, Pedro Nuno Santos, defendia em entrevista ao Observador que “com este PSD e com este CDS não será possível” entendimentos. Mas acrescentava um “mas”. “Eu não tenho é a certeza que esta coligação ainda se mantenha por muito tempo. O próprio CDS procurará a sua autonomia”, dizia.

Certo é que também entre os sociais-democratas se começam a ouvir os primeiros acordes desta música: se o objetivo é recuperar os votos ao centro então o casamento com o CDS não será assim tão vantajoso durante muito mais tempo, ouviu o Observador de fonte parlamentar.

O próprio primeiro-ministro, e secretário-geral do PS, parece estar apostado nessa ficha. Em entrevista à Visão começou por dizer que acredita que “o ressabiamento nervoso da direita passa daqui a uns meses” e que nessa altura os dois partidos poderão assumir “uma postura responsável”. Prova disso foi o discurso de posse: a crispação foi mais virada para o Presidente do que para Passos Coelho, a quem saudou “democraticamente” e de que disse que terá feito o que “na sua convicção” era o melhor para o país. Garantiu que não irá antagonizar PSD e CDS, procurará diálogo com todos e acrescentou que não progredirá “com radicalizações”. Pelo meio ainda fez o apelo a que não se ouça o conselho do “despeito”.

Ainda não se sabe se as palavras vão corresponder aos atos, mas entraram no léxico dos novos governantes. Ao Observador, o novo ministro-adjunto de António Costa, Eduardo Cabrita, assegura que “a lógica é a do compromisso e não a da confrontação” e prova disso é que “nunca houve um compromisso tão alargado quanto este”

O trabalho de não dar azo a essa crispação ficará mais a cargo dos deputados no Parlamento, com a liderança de Carlos César. E na primeira prova de fogo, esta semana, o debate foi aceso, mas não desesperado. Esperam-se pelas cenas dos próximos capítulos.

PSD e CDS dão pouco mais de um ano ao Governo PS

As apostas agora são sobre quanto tempo dura a nova maioria de esquerda. Partindo do princípio que a corda que une a esquerda não rompe nos primeiros testes do Orçamento do Estado para 2016, há no PSD e CDS várias metas em equação: ou pode romper em abril, quando Portugal tiver de apresentar em Bruxelas o Plano de Estabilidade e Crescimento; ou pode romper em outubro, quando o Governo estiver a preparar o Orçamento para 2017, já que nessa altura a Europa não terá a mesma “condescendência” com as metas do défice que teve este ano; ou em 2017, altura em que surge outra etapa fundamental: as eleições autárquicas, que, ouviu o Observador de fontes parlamentares da direita, será o principal teste ao conflito de interesses entre o PS e o PCP, que não abdicará da sua forte influência local. Portanto, um ano ou um ano e meio, no máximo. Depois disso é que são elas.

Até lá, é desgastar, desgastar. A palavra de ordem no PSD é essa: desgastar a esquerda, explorar as diferenças entre eles, principalmente com o PCP, que não pode perder o seu eleitorado tradicional (já o BE “é mais maleável” e está “deslumbrado”, ouve-se entre os sociais-democratas), e chumbar “quase” tudo o que venha do novo Governo ou da esquerda parlamentar. “Quase tudo” porque se a linha argumentativa que reina nos corredores sociais-democratas é de que o Governo não é legítimo e, portanto, nada merece o voto a favor, também prevalece a ideia de que é preciso manter a “coerência ideológica” e aprovar pelo menos as questões ligadas à Europa, política externa ou compromissos internacionais, afirma ao Observador o deputado Sérgio Azevedo, vice-presidente da bancada laranja.

Uma coisa é certa. Como deixou claro Pedro Passos Coelho em entrevista à RTP na semana passada, a direita não vai servir de “muleta” ao PS e não vai aprovar qualquer medida que os partidos da esquerda não aprovem, nomeadamente “medidas compensatórias que sejam precisas para cumprir metas”. “Isso é que não”, dizem. Quando chegar o dia em que os socialistas precisem da direita, então esse dia é o dia da queda do Governo. “Das duas uma: ou a esquerda mais à esquerda perde a face quando for obrigada a aceitar as exigências de Bruxelas – e ai perde perante o seu eleitorado – ou deixa de apoiar o Governo do PS em determinada matéria, e aí o Governo cai”, resume ao Observador fonte da bancada do PSD.

É a fragilidade do PCP, e o medo de trair o seu eleitorado, que vai ser explorado pela direita. As primeiras semanas no Parlamento, de resto, já mostraram bem como vão ser os próximos tempos. Primeiro, foram as iniciativas do PSD/CDS para debater em plenário a reafirmação dos compromissos externos de Portugal, obrigando a esquerda a destapar as suas diferenças; depois foi o requerimento feito pelo PSD para chamar o então ministro da Defesa ao Parlamento para abordar as questões do combate ao terrorismo, também pouco consensuais entre as esquerdas. E depois foi a polémica celebração ou não dos 40 anos do 25 de novembro, que em 1975 juntou o PS à direita para acabar com o Processo Revolucionário em Curso. Esta quinta-feira foi a vez de explorar as divergências orçamentais, com as medidas extraordinárias sobre a sobretaxa e cortes salariais no centro do debate no Parlamento. É que PCP e BE não estão propriamente de acordo com os socialistas quanto ao ritmo de devolução dos rendimentos e eliminação da sobretaxa – e PSD e CDS não deixaram isso passar em branco, fazendo questão de lembrar como o eleitorado comunista não “perdoará” o partido por aprovar medidas que mantém a austeridade. 

“É por ai que vamos atuar”, ouve o Observador de várias fontes da bancada parlamentar social-democrata, que apontam os temas da política externa, Europa e matérias financeiras como os calcanhares de Aquiles do acordo à esquerda.

CDS com “mixed feelings”

Não é que PSD e CDS não estejam afinados ou a caminhar para o mesmo lado, mas se entre os deputados laranja se fala em aproveitar o “fogo” que ainda está aceso contra a ilegitimidade do Governo, e chumbar tudo de forma imperdoável, o CDS põe um pequeno travão na chama da revolta, alertando para o facto de a direita não poder “chumbar tudo a torto e a direito” só porque sim. Nuno Magalhães, líder parlamentar do CDS, chama-lhe “mixed feelings”.

O CDS será “oposição firme”, é certo, e não viabilizará nada do Governo do PS que requeira o apoio da direita, mas a estratégia de oposição passa por um planeamento “dia a dia”, “caso a caso”, ouve o Observador de outra fonte da bancada, que sublinha que “só responde pelo CDS” e não pela coligação. 

Aos novos tempos que aí vêm junta-se ainda um outro dado: a configuração do Parlamento vai mudar com a chegada à bancada do PSD e do CDS dos ex-governantes, entre eles Passos Coelho, Paulo Portas, Maria Luís Albuquerque ou Assunção Cristas, que vão ser os reforços da direita na estratégia de combate.