Na Madeira, a população vê-se obrigada a conviver com um mosquito. Mas não é um mosquito qualquer. Trata-se do Aedes aegypti, um dos principais vetores de transmissão de vírus como o chikungunya, o dengue e o zika. Este inseto preto com riscas brancas existe na ilha pelo menos desde 2005, chegou ao arquipélago provavelmente em contentores vindos da Venezuela ou do Brasil. Recentemente, a confirmação de casos de zika em 23 países — com cerca de três a quatro milhões de pessoas infetadas — pôs o nome do mosquito nas capas dos jornais. E embora não haja casos de transmissão confirmados na Madeira, a prevenção e o controlo do mosquito são feitos há já vários anos.

Ao Observador, Ana Clara Silva, vice-presidente do Instituto de Administração da Saúde e Assuntos Sociais da Madeira, explica que “o zika é mais uma variável que se vem juntar à nossa preocupação de prevenção e controlo de doenças de transmissão vetorial”. Desde 2005 que a Madeira tem “um plano de prevenção e controlo do vetor”, mas a preocupação com o zika — reconhecida na região “desde 2014” — veio introduzir a “necessidade de estarmos preparados para a sua deteção precoce”, explica a vice-presidente.

Haverá consciência da parte dos madeirenses para a possibilidade de um surto? “Nós temos vários estudos já feitos no terreno que avaliam essa consciência. E sabemos é que as comunidades são capazes de se agregarem mais em torno da doença do que em torno da prevenção”, refere Ana Clara Silva. Porém, a Madeira experienciou um surto de um outro vírus — o dengue — no final de 2012, com mais de 2.000 casos confirmados. A especialista considera que, por isso, a comunidade madeirense “tem um nível de alerta ligeiramente distinto”, ou pelo menos estão mais alerta para “os riscos relacionados com a possibilidade de introdução do vírus zika, ou da reintrodução” do dengue.

A monitorização da atividade do mosquito Aedes aegypty tem sido feita de forma contínua na Madeira, através de uma rede de armadilhas

Por agora parece não haver motivos para alarme. Ainda que, até à segunda semana de fevereiro, o arquipélago tenha registado uma atividade do mosquito “relativamente alta para a época”, essa atividade foi “bastante baixa quando comparada com a nossa pior semana”. Foi entre 12 a 18 de outubro, na qual se registou “uma maior atividade de oviposição nas nossas armadilhas e captura de adultos na rede de armadilhas que dispomos, dispersa por todo o território”, Porto Santo incluído. Mas “relativamente a essa semana, tivemos uma quebra de 96%”, conta. “É natural que [atualmente] estejamos na atividade nula. Isto é, a atividade é tão pequena que nas redes não se registam nem ovos nem presença de [mosquitos] adultos. A nossa tradição diz que no mês de fevereiro e março, a atividade na rede é praticamente zero”, indica Ana Clara Silva.

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A monitorização da atividade do mosquito assenta de forma contínua nessa rede de armadilhas espalhadas pelo território. Trata-se, no fundo, de simular um criadouro com um balde com água, no qual é colocada uma régua com uma fita encarnada de textura áspera. Na zona de contacto entre a fita e a água são criadas condições para as fêmeas do mosquito depositarem os ovos. A equipa de Ana Clara Silva recolhe periodicamente essas fitas e verifica posteriormente, num laboratório integrado no Serviço de Saúde da Região Autónoma da Madeira, se foi feita a oviposição.

Uma das várias armadilhas para Aedes aegypti dispostas na Madeira. O processo é relativamente rudimentar, mas eficaz

Mitos e curiosidades regionais

Partilhar a ilha com o Aedes aegypti exige alguns cuidados. Nomeadamente, evitar criar condições propícias à propagação do mosquito. Ana Clara Silva indica que as recomendações dadas aos madeirenses são ajustadas “em função da atividade” do inseto, mas “apesar da atividade [atualmente] ser nula, [recomendamos à população] que não dê oportunidade [ao mosquito] nos ambientes domésticos. Porque há sempre ovos que ficam depositados de um ciclo para o outro e se existirem condições, nomeadamente água acumulada e calor”, ficam reunidos os ingredientes para o desenvolvimento do vetor, adverte a especialista.

Depois, por um lado, existem alguns mitos em relação ao Aedes aegypti. “[Na Madeira] há uma ideia falsa de que o mosquito gosta de todas as oportunidades de água”, avança Ana Clara Silva. Contudo, estas “oportunidades de água” têm de “estar muito junto dos humanos”. É neles que os mosquitos “fazem as refeições de sangue”, conta. “Porque é muito difícil termos mosquitos a sobreviver sem ter este acesso a sangue direto”, garante.

Por outro lado, alguns pormenores mais regionais podem criar condições para o desenvolvimento do inseto. Por exemplo, os frutos exóticos: “Uma casca de pera-abacate desperdiçada num quintal perto de casa tem uma superfície rugosa e leva muito tempo a se degradar. Se acumular água, pode ser uma oportunidade excelente para a oviposição”, conta Ana Clara Silva. Outro exemplo: “As cascas dos ovos foram usadas durante muito tempo para alimentar orquídeas — acreditava-se que havia uma passagem dos nutrientes da casca do ovo para os vasos das plantas. Se estiverem em posição de poderem acumular água, podem ser um bom lugar para a oviposição”, acrescenta. São pormenores como estes com os quais a equipa de controlo do mosquito tem que lidar.

Investigação “mais na área do vetor”

Sendo uma região “livre de doença” (ou seja, do vírus), a Madeira aposta antes na investigação “na área do vetor” — isto é, do mosquito. “A nossa investigação é feita sobretudo na área da resistência aos inseticidas, para podermos ter informação” e “armas de combate”, refere Ana Clara Silva. “Fizemos um estudo que resultou imenso que foi o da sensibilidade ao sal. O sal tem um efeito de mortalidade [no Aedes aegypti] no estado de larva. E usamos o sal para matar as larvas, quer na rede de sarjetas públicas, quer como aconselhamento às pessoas em casa”, refere.

Aedes aegypti em estado larvar

Ainda no campo da investigação do mosquito, a especialista conta que já foram levados a cabo estudos “das populações de vetores”. “Nós já conseguimos distinguir duas populações de vetores com algumas caraterísticas distintas: aquela que existe no Funchal e uma outra que foi transportada por via humana para o Paul do Mar [Calheta]”.

“Também fizemos uma validação da sua competência vetorial — neste caso, se é capaz ou não de transmitir a doença.” Ou seja, foi avaliada a capacidade de o mosquito desenvolver e transmitir os vírus e chegou-se à conclusão que “a população de mosquitos do Funchal é ligeiramente diferente da população de mosquitos do Paul do Mar. Designadamente, para chikungunya são as duas bem competentes, para dengue [são ambas] moderadamente competentes e, para zika, a do Funchal mostrou-se de moderada a baixa competência, mas a [competência] da [população de mosquitos] do Paul do Mar é praticamente nula”, avança.

Em cima da mesa, no combate ao mosquito, poderá estar também a utilização de “organismos modificados geneticamente”, embora, para Ana Clara Silva, esta seja uma questão que “tem de ser ponderada”. “Obriga a um estudo da perceção e da sensibilidade da comunidade, porque nenhuma operação nesse sentido será feita se a comunidade não a acolher bem”, garante.

Miguel Albuquerque: “Qualquer situação será imediatamente atacada”

As monitorização das populações de mosquitos na Madeira parece tranquilizar o Governo regional. Questionado pelo Observador acerca da prevenção do vírus zika, Miguel Albuquerque, presidente do Governo da Região Autónoma da Madeira, remete para o plano de prevenção em vigor: “Nós temos um plano de prevenção, como todas as regiões têm. Temos quase a certeza de que qualquer situação que ocorra será imediatamente atacada em termos de prevenção”, afirma.

Entretanto, no final de janeiro, Carlos Moedas, Comissário Europeu com a pasta da Investigação, Inovação e Ciência, avançou ter dado instruções à Direção-Geral da Investigação e da Inovação da Comissão Europeia (CE) “no sentido de mobilizar 10 milhões de euros a favor da investigação urgentemente necessária sobre o vírus zika, em resposta ao aumento de casos de malformações cerebrais congénitas graves em toda a América Latina e à respetiva ligação suspeita com infeções pelo vírus zika”.

Moedas diz que “se a ligação for comprovada, esse dinheiro poderá ser utilizado na luta contra o vírus zika, por exemplo, através do desenvolvimento de testes de diagnóstico e de potenciais vacinas e tratamentos”. “É minha convicção dever utilizar todos os recursos à minha disposição, no âmbito do programa Horizonte 2020, a fim de contribuir para os esforços internacionais em curso de luta contra a propagação do vírus zika”, escreve Moedas no site da CE.

O Observador viajou para a Madeira a convite da representação da Comissão Europeia em Portugal.

Editado por Pedro Esteves.