O presidente do Banco Central Europeu (BCE) já respondeu ao Parlamento português sobre o pedido para ouvir Vítor Constâncio na comissão parlamentar de inquérito ao Banif. E a resposta é mais uma nega aos deputados portugueses que queriam ouvir o vice-presidente do BCE, mas também Danièle Nouy, a presidente do Mecanismo Único de Supervisão e do Conselho Único de Supervisão da instituição europeia.

Mário Draghi confirma os argumentos já invocados por Vítor Constâncio numa resposta datada de 3 de maio. “A participação do vice-presidente do BCE no inquérito, num parlamento nacional, não estaria enquadrada com as obrigações de prestação de esclarecimentos do BCE perante o Parlamento Europeu, ao abrigo do tratado. Neste contexto, o vice-presidente está vinculado pelo enquadramento legal e institucional específico do BCE”.

O presidente do BCE tira a mesma conclusão para o pedido feito pelos deputados da comissão de inquérito para ouvir a presidente do Mecanismo Único de Supervisão, Danièle Nouy, que estará esta terça em Lisboa para encerrar uma conferência sobre a banca, promovida pela Associação Portuguesa de Bancos e pela TVI.

Aproveitando a deslocação a Lisboa da responsável máxima da supervisão do BCE, os deputados queriam ouvir Nouy cuja intervenção na resolução do Banif é referida em vários mails já na posse da comissão de inquérito. Uma das mensagens faz referência à oposição da presidente do Mecanismo Único de Supervisão à criação de um banco de transição para o Banif, solução que terá sido defendida pelo Banco de Portugal e que permitiria ganhar tempo e não ter de vender o banco no fim de semana.

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Há ainda declarações atribuídas a Nouy num mail enviado a Mário Centeno, ministro das Finanças, em que a responsável do BCE elogia o comportamento do Santander nas negociações para a compra do Banif. A responsável terá sido ainda a destinatária de um pedido de Mário Centeno para ajudar a desbloquear junto da Comissão Europeia a venda do banco português ao grupo espanhol. Este Mail era do conhecimento de Vítor Constâncio, o que reforçou a intenção dos deputados, sobretudo do PSD em CDS em achar o vice-presidente à comissão de inquérito.

A carta de Mário Draghi, que tem data de 16 de maio, responde aos “convites” — a expressão é do presidente do BCE — feitos pelo parlamento nacional a altos responsáveis da instituição europeia no sentido de prestarem esclarecimentos sobre a resolução do Banif, uma decisão que terá custado cerca de três mil milhões de euros aos contribuintes portugueses.

A comissão de inquérito também insistiu ouvir Vítor Constâncio, depois da recusa inicial, ainda que fosse por vídeoconferência, recordando que o atual vice-presidente do BCE é cidadão nacional e foi governador do Banco de Portugal.

Draghi esclarece ainda que o BCE tem seguido esta postura de forma consistente quando tem respondido formalmente a todos os convites feitos por parlamentos nacionais no passado. Esta resposta, realça, está de acordo com a lei da União Europeia e com o princípio de prestação de contas (accountability) sobre a condução da política do banco central, segundo a qual os esclarecimentos devem ser prestados ao mesmo nível a que a política é conduzida.

Ora, no que toca ao “convite” dirigido ao responsável pela área da supervisão, o BCE tem de prestar contas das suas funções de supervisão, no quadro do Mecanismo Único de Supervisão, perante o Parlamento Europeu. Tal como as autoridades de supervisão nacionais, como o Banco de Portugal, têm de responder perante os parlamentos nacionais.

Recorda ainda que são as autoridades de supervisão nacionais que são responsáveis junto dos parlamentos nacionais pela supervisão de bancos que não são considerados sistémicos a nível europeu, caso do Banif, e que como tal estão fora da tutela do BCE.

Presidente da supervisão europeia não pode responder num inquérito nacional

Na carta endereçada ao presidente da comissão de inquérito, António Filipe, e ao presidente da Assembleia da República, Ferro Rodrigues, Mário Draghi adianta que a existe uma possibilidade legal de um parlamento nacional convidar um responsável do conselho de supervisão do BCE, em conjunto com o representante da autoridade nacional competente. Mas esta possibilidade está limitada à participação numa trocas de ideias ou debate sobre a supervisão de instituições de crédito naquele Estado-membro, e dentro das condições definidas na regulação do SSM (sigla inglesa do Mecanismo Único de Supervisão). E acrescenta:

“É o nosso claro entendimento de que estas disposições não fornecem uma base para sujeitar o presidente ou um representante do conselho de supervisão a um inquérito formal conduzido por um parlamento nacional”.

Ainda assim, conclui Draghi, o facto de o BCE ter o dever de prestar contas a instituições europeias não impede a possibilidade do banco central interagir com os parlamentos nacionais, como foi feito diversas vezes no passado, mas sempre dentro dos limites e condições impostas pela lei europeia.

Esta é mais uma nega do BCE à comissão de inquérito ao Banif. O Banco Central Europeu já travou a divulgação de informação sobre a resolução do banco português, truncando as atas das reuniões em que a decisão foi tomada, de forma a não se conseguir ler quase nada, em nome da confidencialidade. Esta posição foi adotada contra a proposta do Banco de Portugal que gostava de ter divulgado toda a informação.

O governador Carlos Costa chegou a sugerir no Parlamento português que a resolução do Banif deveria ser investigada num inquérito ao nível do Parlamento Europeu. Vários eurodeputados portugueses colocaram perguntas ao BCE sobre o Banif, mas a maioria das respostas ainda não foi dada.

TVI promove conferência sobre banca um dia antes do diretor ir ao parlamento

O “Presente e o Futuro do Setor Bancário” vai ser o tema de uma conferência que se realiza ao longo de toda a terça-feira no Hotel Ritz em Lisboa e onde vão estar presentes alguns dos protagonistas do caso Banif.

A iniciativa é organizada pela Associação Portuguesa de Bancos (APB) e pela TVI. A estação de televisão tem estado sob o escrutínio da comissão parlamentar de inquérito em relação ao papel que desempenhou no processo que levou ao fim do Banif, na sequência de uma notícia divulgada num domingo à noite, e corrigida várias vezes.

Vários responsáveis ouvidos pelos deputados responsabilizaram esta notícia, que alguns descrevem como falsa e outros como fuga de informação, pela aceleração da saída de depósitos do banco. Na conferência sobre banca desta terça-feira vão estar o governador do Banco de Portugal, Carlos Costa, e o ministro das Finanças, Mário Centeno, que na comissão de inquérito já reconheceram o efeito devastador que a notícia da TVI teve na credibilidade do Banif e na perda de cerca de mil milhões de euros em depósitos.

Presente na conferência, e com uma intervenção na sessão de abertura, estará o diretor da TVI, Sérgio Figueiredo que irá na quarta-feira responder às perguntas dos deputados na comissão de inquérito ao Banif.

A intervenção mais aguardada será contudo a de Danièle Nouy, a presidente do Mecanismo Único de Supervisão que teve um papel importante no desfecho do caso do banco português, e que até agora não falou sobre o tema.