O Brexit já tem data marcada. A primeira-ministra britânica, Theresa May deixou claro nos últimos dias que o governo vai prosseguir com a missão de tirar o país da União Europeia. Nos próximos seis meses, garante Theresa May, o governo irá ativar o Artigo 50 e, a confirmar-se, a partir desse momento contam, no máximo, dois anos até à saída. Até aqui, nada que surpreenda os mercados financeiros — porém, o extremar de posições na negociação está a criar receios de que a saída pode ser “à bruta”. A libra caiu para mínimos de 31 anos face ao dólar.

Não vamos sair da UE para voltar a perder, novamente, o controlo sobre a nossa imigração. E não vamos sair para, depois, voltar a ficar sob a jurisdição do Tribunal Europeu de Justiça. Vamos ser um país… que já não faz parte de uma união política com instituições supranacionais que podem sobrepor-se parlamentos e tribunais nacionais”.

A frase, proferida nos últimos dias por Theresa May, espelha a posição negocial com que a responsável quer partir para o que aí vem. Pressionada internamente por membros do seu partido e, também, por alguns elementos pró-Brexit do Partido Trabalhista, a primeira-ministra adotou um tom intransigente que foi respondido de forma seca por Donald Tusk, presidente do Conselho Europeu, através do Twitter.

Cerca de 100 dias após o referendo, “as declarações da primeira-ministra May trazem uma clareza salutar sobre o início das negociações para o Brexit. Assim que o Artigo 50, a UE a 27 vai abrir diálogo para defender os seus interesses“. Em menos de 140 carateres, Tusk descartou, assim, que possa haver negociações preliminares antes da invocação do Artigo 50 do Tratado de Lisboa, como se sabe que seria intenção do governo britânico.

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Ainda que parcos em detalhes, os comentários de Theresa May deixam entender que a primeira-ministra parte para esta negociação com algumas linhas vermelhas que, a julgar pelos comentários ao longo dos últimos três meses por ambas as partes, podem tornar impossível que o Reino Unido saia da UE mas continue a integrar o mercado único europeu.

A julgar pela reação dos mercados, sobretudo o mercado cambial, está a ser levado a sério o risco de uma saída à bruta (Hard Brexit), isto é, sem consensos suficientes para permitirem uma saída da União Europeia mas que mantenha o país globalmente alinhado com o bloco ao ponto de se manter o acesso ao mercado único.

No mercado cambial, a libra caiu esta terça-feira para o valor mais baixo de 1985 face ao dólar, um impulso para as exportadoras britânicas mas um forte revés para quem importa produtos em dólares.

GBPUSD Curncy (GBP-USD X-RATE) 2016-10-04 11-34-59

Em simultâneo, a libra está, também, em mínimos de mais de três anos face ao euro.

GBPEUR Curncy (GBP-EUR X-RATE) 2016-10-04 11-41-47

Moeda de troca de May? A experiência britânica contra o terrorismo

Com a recusa de negociações preliminares, olhos nos olhos, a alternativa é a negociação através da imprensa. Já começaram a surgir nos jornais algumas informações sobre aquilo que pode vir a estar em cima da mesa. O The Sun escreveu na segunda-feira que o Reino Unido está disposto a dar à União Europeia, como moeda de troca por algo, acesso privilegiado às suas forças de segurança e à sua expertise no campo da luta contra o terrorismo.

A fonte de 10, Downing Street (o gabinete do primeiro-ministro) que falou com o The Sun diz que a estratégia é “jogar duro” e não se devem esperar cedências da equipa liderada por Theresa May, coadjuvada por Boris Johnson, ministro dos Negócios Estrangeiros, Phillip Hammond, ministro das Finanças, e David Davis, conhecido como o “ministro do Brexit“.

“O acordo que a primeira-ministra quer será abrangente. Portanto, isso significa que tudo o que fazemos com a UE deve estar em cima da mesa — aquilo de que eles precisam e aquilo de que nós precisamos. Porque é que não havemos de incluir as forças de segurança e os serviços secretos aí, explícita ou implicitamente? É uma das áreas em que temos mais a dar”. (fonte de Downing Street citada pelo The Sun)

Como vai a Europa lidar com o Reino Unido? Como lidou com a Grécia

Do lado da UE a 27, o Politico entrevistou recentemente o primeiro-ministro de Malta, Joseph Muscat. Não é um primeiro-ministro qualquer, neste âmbito — Malta vai ter a presidência rotativa da União Europeia no início de 2017, quando Theresa May planeia, então, ativar o Artigo 50.

“Deve esperar-se que o formato seja mais ou menos aquilo que aconteceu com a Grécia”, isto é, em 2015, na altura em que a expressão Grexit ainda superava a expressão Brexit nas pesquisas no Google. Em resumo, o responsável sublinha que nenhum país pode ter “sol na eira e chuva no nabal”.

As chamadas “quatro liberdades” não podem ser destacadas umas das outras, sublinhou o responsável. “Eles querem olhar para o mercado único, para a soberania, para a liberdade de movimentos e para a transposição de leis europeias. A sensação que tenho é que isso será inaceitável por parte da maioria dos Estados-membros“, conclui Joseph Muscat.

Não é só a atitude europeia que pode assemelhar-se ao que aconteceu na crise grega. Também do lado britânico, o governo parece estar a inspirar-se na estratégia negocial usada, a certa altura, pelo executivo de Alexis Tsipras. Num discurso recente perante os deputados conservadores, Theresa May falou de um “Reino Unido global”, que olhe além da Europa para procurar a prosperidade. China, Índia e Singapura são alguns dos países que podem ter um papel importante, como interlocutores, nessa missão.