A fachada do número 20 da Rua Ernest Cresson, em Paris, vai receber uma placa de homenagem ao pintor português Amadeo de Souza-Cardoso, que ali morou entre finais de 1912 e inícios de 1914. A iniciativa surge no âmbito da exposição co-organizada pela Fundação Calouste Gulbenkian no Grand Palais de Paris, entre abril e junho deste ano, e que serviu de “ponto de partida de múltiplas ações de divulgação, de que esta faz parte”, como explicou ao Observador Helena Freitas, comissária da exposição parisiense.

O número 20 da Rua Ernest Cresson foi uma das muitas residências que o pintor teve em Paris. O espaço, “mais confortável e funcional do que os anteriores e dotado de energia elétrica, foi escolhido pelo artista para viver e trabalhar entre o final de 1912 e o inicio de 1914”, durante uma fase de “plena afirmação internacional”, esclareceu Helena Freitas. Foi durante esse período que Amadeo participou em várias exposições importantes, como o Armory Show, nos Estados Unidos da América, ou o 1.º Salão de Outono de Berlim, em 1913.

“Há fotos extraordinárias do artista neste atelier, sozinho ou com Lucie [de Souza-Cardoso, sua mulher], onde podemos conhecer ao pormenor o seu interior e sobretudo muitas das suas obras e importantes objetos iconográficos que o acompanharam”, frisou a comissária. “Foi um espaço muito bem escolhido, no centro de Montparnasse, lugar de referência artística no tempo.”

Exposição do Grand Palais, uma “mudança de paradigma”

Organizada pela Gulbenkian no ano em que a instituição comemora o seu 50º aniversário, a mostra do Grand Palais — a maior exposição do modernista português em França — recebeu mais de 70 mil visitantes em pouco mais de dois meses. Um número “excelente”, principalmente tendo em conta que a iniciativa aconteceu durante o “clima depressivo” que se seguiu aos atentados de Paris, “que a exposição atravessou em pleno”.

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“Com uma quebra de visitantes devastadora em todos os equipamentos culturais, a exposição atingiu 73 mil visitantes, o que é extraordinário para um artista que à partida era um desconhecido”, afirmou a comissária Helena Freitas. “Mas os números não são indicadores da qualidade dos artistas ou das exposições. Mais importante foi a ressonância positiva deste acontecimento junto do público e o facto de podermos hoje nomear o artista nesta cidade, sem cairmos no vazio. Também o dossier de imprensa é muito vasto e o balanço mediático é positivo.”

Amadeo de Souza-Cardoso exhibition in Paris

A exposição “Amadeo de Souza-Cardoso” esteve no Grand Palais entre 20 de abril e 18 de julho de 2016 (IAN LANGSDON/EPA)

Para Helena Freitas, os números são um sinal de que “houve de facto uma clara mudança de paradigma” nos últimos anos no que diz respeito à forma como a obra de Amadeo de Souza-Cardoso é apresentada. “Enquanto em Portugal Amadeo foi exposto com regularidade a partir de 1983 (na coleção do Centro de Arte Moderna), em França esta foi a primeira grande exposição com um significado simbólico. Posso afirmar com segurança que no meio artístico francês, Amadeo deixou de ser um desconhecido.” E houve até quem fizesse questão de afirmar isso.

“Não me esquecerei de uma pequena história, muito significativa, que posso partilhar”, confessou a comissária. “À saída de uma visita à exposição, fui surpreendida por uma senhora de bastante idade, com um porte elegante — muito ‘francês’, habituée destas exposições –, que me dirigiu a palavra para agradecer o trabalho de apresentação do artista, explicando: ‘com a minha idade e com tudo o que já vi e vivi, achei que já não seria possível poder ter a revelação de um artista como Amadeo!’.”

Helena Freitas acredita ainda que, com esta mostra, “o artista ganhou um espaço de reconhecimento e de admiração”, o que também contribui para reforçar “a comunidade artística portuguesa”. “É importante saber-se o que está atrás no tempo quando são expostos em França artistas portugueses como Helena Almeida, Jorge Molder, Julião Sarmento, Ana Jota ou Miguel Branco. Percebe-se uma enorme curiosidade pelos artistas portugueses que, além disso, são também e sobretudo artistas de dimensão internacional, como Amadeo de Souza-Cardoso o foi.”

Amadeo de Souza-Cardoso foi um pintor português. Pertencente à primeira geração de pintores modernistas portugueses.

Mais de 80 obras de Amadeo de Souza-Cardoso estão agora expostas no Museu Soares dos Reis, no Porto (Orlando Almeida / Global Imagens)

A inauguração da placa comemorativa está marcada para dia 19 de novembro e contará com a presença de Bruno Julliard, adjunto da presidente da Câmara de Paris, Carine Petit, presidente do 14º bairro de Paris, e dos portugueses Hermano Sanches Ruivo, vereador, e José Luís Gaspar, presidente da Câmara Municipal de Amarante, terra-natal do pintor.

A homenagem acontece na mesma altura em que foi inaugurada no Porto uma recriação da primeira exposição individual em Portugal de Amadeo. Organizada pelo Museu Nacional Soares dos Reis e pelo Museu Nacional de Arte Contemporânea – Museu do Chiado, Amadeo de Souza-Cardoso, Porto-Lisboa-1916-2016 reúne 81 das 114 obras que o pintor expôs na altura (para grande desagrado dos portuenses). Ficará patente no Museu Nacional Soares dos Reis até 1 de janeiro de 2017, altura em que será levada para Lisboa, onde será exposta no Museu do Chiado entre 12 de janeiro a 26 de fevereiro.