Andy Woodward tinha nove anos quando foi descoberto pelo treinador de futebol Barry Bennell. Conhecido como um dos melhores treinadores juvenis do Reino Unido, Bennell era o bilhete de entrada para um mundo com o qual Woodward sempre tinha sonhado. “Só queria jogar futebol”, lembrou o ex-jogador de futebol, agora com 43 anos, em entrevista ao The Guardian. “A minha mãe e o meu pai dizem que eu andava sempre com uma bola de futebol nas mãos.”

Parecia um sonho. Woodward começou a frequentar a casa de Bennell, em Peak District, em Inglaterra, e a ir assistir aos jogos dos Crewe Alexandra, onde Benell era treinador. Ia aos fins de semana, nas férias de verão e até às vezes durante as aulas. O sonho de ser jogador de futebol estava tão perto que quase conseguia tocar-lhe. Mas, aos 11 anos, começaram os abusos. Quando Benell, um pedófilo em série, foi condenado em 1998 por ter violado vários rapazes entre os seis e os 15 anos, Woodward estava entre eles.

“Ele gostava de rapazes de cabelo escuro. Era uma criança, no início confiei nele”, contou o ex-jogar em entrevista The Guardian.

Às violações, juntaram-se as ameaças. Físicas, mas também psicológicas. “Usava o futebol para me manipular”, lembrou Woodward. “Se o chateasse de alguma maneira, ele mandava-me embora” do Crewe Alexandra, onde então jogava. “‘A certa altura’, dizia-me, ‘vais-te embora, vais desaparecer e o teu sonho não vai acontecer’.” Quando o antigo jogador achava que as coisas não podiam piorar, Barry Bennell começou a namorar com a sua irmã. A diferença de idades era enorme (ela tinha 16 anos), e Bennell usou mais uma vez o poder que tinha para chantagear o jovem Andy.

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“Ele era muito mais velho e não queria que as pessoas soubessem e disse-me que nunca mais jogaria futebol outra vez se deixasse escapar uma palavra que fosse sobre o assunto. Tinha um medo de morte. Ele tinha poder total naquela altura”, contou.

“Às vezes tentava abusar de mim quando a minha irmã estava na mesma casa.”

À medida que o relacionamento se foi tornando mais sério, Woodward viu-se obrigado a participar em jantares de família com o seu violador sentado à cabeceira. Aos 18 anos, teve de assistir ao casamento dos dois sem partilhar uma palavra do que lhe ia na cabeça. “Tive de ir ao casamento, estar dentro da igreja, quando o que queria realmente era arrancar-lhe a garganta. Foi uma tortura — é a única palavra que encontro para o descrever.”

A irmã de ex-jogador só soube de tudo passados vários anos, quando Benell foi finalmente preso pelos crimes que cometeu e Woodward confessou à polícia que tinha sido uma das suas vítimas. “Foi uma das coisas mais difíceis, ver o efeito devastador que teve na minha família. A minha irmã sofreu imenso, deixou-o imediatamente. Os meus pais sabem de tudo e têm de viver com isso todos os dias”. Apesar disso, Andy Woodward admite que têm uma boa relação, mas “não dúvidas que teve um grande efeito sobre nós”.

Woodward tinha 24 anos quando Barry Bennell foi preso, depois de uma queixa apresentada por uma das suas muitas vítimas ter levado a uma longa investigação que envolveu as polícias de Cheshire, Derbyshire e norte do País de Gales. Foi condenado cinco anos depois a nove anos de prisão, depois de ter confessado a autoria de 23 crimes de índole sexual. Para Woodward, foi como se lhe tivessem tirado um peso de cima. Achou que, pela primeira vez em muitos, muitos anos, podia jogar futebol sem ter a sombra de Bennell a pairar sobre ele. Mas estava enganado.

Os ataques de pânico começaram a ser recorrentes, ao ponto de não conseguir jogar. Em 1999, quando jogava pelo Sheffield United, viu-se obrigado a fingir uma lesão durante uma partida contra o Gillingham para poder sair de campo. Passou os anos seguintes a deambular de clube para clube, sem nunca conseguir corresponder aos elogios que um dia lhe teceram enquanto defesa. Jogava no Northwich Victoria quando decidiu que não podia continuar.

Aos 29 anos, as memórias dos abusos que sofreu continuavam a ser demasiado fortes. Esteve à beira do suicídio, sofreu depressões sucessivas. Nos piores momentos, sentiu-se encurralado numa espiral “sem saber que ia continuar aqui”. “Estive na floresta com uma corda, tive medicamentos prontos a serem tomados. Cheguei ao ponto em que não podia continuar mais.” Mas tudo melhorou com a reforma, quando pôde finalmente tratar-se e começar a receber terapia sem medo de ser julgado. “A minha vida esteve arruinada até aos 43 anos”, disse ao The Guardian.

Hoje, aos 43 anos, Woodward admite que está finalmente melhor. Mas foi um processo longo, doloroso. E vai continuar a sê-lo. Depois de vários anos no anonimato, decidiu sair da sombra e apresentar-se como uma das vítimas de Benell numa entrevista ao jornal britânico. Para quê? Para poder ajudar outros que sofreram como ele. “Quantos é que existem por ai? Estou a falar de centenas de crianças que Barry Bennel escolheu para várias equipas de futebol e que se calhar, como adultos, ainda vivem com esse medo terrível.”

Ao The Guardian, Andy Woodward admitiu que só agora é que sente que consegue viver sem segredos, e “sem aquele fardo enorme, terrível” que era também a história da sua infância. Mas, ao partilhá-la, espera poder ajudar outros e dar “às outras pessoas a oportunidade de fazerem o mesmo”.

“Quero dar às pessoas força. Eu sobrevivi. Perdi a minha carreira, que era uma coisa tão importante para mim, mas continuo aqui.”