Maria Eugénia Varela Gomes, figura incontornável da resistência antifascista, morreu no domingo aos 90 anos. O velório da “mãe coragem”, como viria a ser conhecida pela solidariedade permanente para com os presos políticos, terá lugar esta segunda-feira, a partir das 14h30, na Basílica da Estrela. O funeral partirá às 10h00 da manhã de terça-feira, para cremação no Alto de S. João.

Sobre ela, Maria Manuela Cruzeiro, autora de várias obras sobre os movimentos de resistência que estiveram na génese da Revolução de Abril, escreveu o seguinte:

Filha de várias gerações de militares, quer por parte da mãe, quer por parte do pai, contrariando o horror à política, cultivado por tradição de família, descobriu por si própria a sua dimensão mais nobre: a preocupação com as pessoas, sobretudo as mais desfavorecidas. Por elas desceu ao inferno dos bairros mais miseráveis de Lisboa, onde os operários vendiam o próprio sangue para pagar a renda da barraca que lhes servia de casa, forçou burocracias, escancarou portas para acompanhar e apoiar doentes e famílias no hospital de Santa Maria, fez seu o quotidiano dos operários qualificados da BP em Cabo Ruivo.”

Nascida em Évora, a 18 de dezembro de 1925, filha e neta de militares, Maria Eugénia Varela Gomes acabaria por entrar, anos mais tarde, no Instituto de Serviço Social, onde teria como professor o padre Abel Varzim, figura que desempenhou um papel importante na sua vida, como se conta nesta cronologia.

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Trabalha como assistente social na fábrica de cortiça da Mundet, no Seixal e, depois, no Bairro da Boavista, em Lisboa, onde viveu de perto a miséria e pobreza dos bairros de lata que ajudavam a desenhar a paisagem da Lisboa dos anos 50.

Em 1951, Maria Eugénia casa com o Capitão João Varela Gomes, também ele uma figura marcante da resistência ao Estado Novo. Cinco anos depois, vai para o Santa Maria, para dirigir o Serviço Social do Hospital. Seria forçada a abandonar o hospital dois anos depois, à custa de um processo disciplinar imposto por motivos políticos.

A intervenção política começa a ganhar mais intensidade quando decide, em 1958, participar ativamente na campanha eleitoral do “General Sem Medo”, Humberto Delgado. A 11 de março de 1959, envolve-se diretamente na Revolta da Sé, uma tentativa de golpe de Estado de forças leais a Delgado que acabaria por ser desmantelada pela PIDE.

Na madrugada de 1 de janeiro de 1962, João Varela Gomes e outros oficiais próximos de Humberto Delgado lideram nova tentativa de golpe de Estado, desta vez com um assalto ao Quartel de Beja. São novamente travados. João Varela Gomes é gravemente ferido, depois de ter sido atingido a tiro quando tentava convencer um oficial do regime a render-se.

Pouco tempo depois, Maria Eugénia seria detida pela PIDE a 6 de janeiro, por alegado envolvimento no golpe de Beja. Votada ao isolamento, sofre todo o tipo de agressões, incluindo tortura de sono. Esteve presa em Caxias até 27 de junho de 1963.

Na entrevista que deu a Maria Manuela Cruzeiro, que seria vertida na biografia Maria Eugénia Varela Gomes: contra ventos e marés, revelou nunca ter condenado o golpe de Beja, mesmo sob a tortura e a coação da PIDE. Se o fizesse teria naturalmente uma pena menos pesada. Em vez disso, “gravou para si a única declaração que faria à PIDE, e repetiu-a as vezes necessárias sem a mínima hesitação: ‘Não participei nem na preparação nem no assalto ao Quartel de Beja, mas estou de alma e coração com o meu marido e os companheiros dele'”.

João Varela Gomes chegou a escrever-lhe a partir da Penitenciária de Lisboa, enquanto estavam os dois encarcerados. “Agradeço-te a tua coragem que sei nunca faltará. Nem a dignidade. São qualidades que fazem parte de ti”.

Dois anos e meio depois, é libertada por falta por falta de provas e de confissões. Em liberdade, funda e empenha-se ativamente na CNSPP (Comissão Nacional de Socorro aos Presos Políticos) e junta-se à Frente Patriótica de Libertação Nacional, integrada numa célula juntamente com Jorge Sampaio e Lopes de Almeida. Cruzar-se-ia com outras importantes figuras da resistência, como Virgínia Moura, Manuel Sertório, Ramos de Almeida, Sérgio Vilarigues e Álvaro Cunhal.

Torna-se uma figura importante no movimento sindicalista. Em 1973, participa na campanha eleitoral para a Assembleia Nacional. No final de um comício, em Lisboa, é brutalmente espancada pela política de choque, à frente da filha mais nova.

Depois do 25 de Abril, trabalha com advogados e membros da CNSPP na libertação dos presos políticos e no apoio aos refugiados políticos. Chegou a assumir que a libertação dos presos de Caxias foi o dia mais feliz da sua vida.

No início de 1976, parte para a Angola para se juntar ao marido, lá exilado depois de ter sido emitido um mandado de captura em seu nome pela participação na tentativa de golpe a 25 de novembro de 1975. Abandona Angola, na sequência do golpe de Nito Alves, e vai para Moçambique, em 1977. Regressariam a Portugal, depois de a Assembleia da República ter aprovado a lei da amnistia.