O Tribunal de Contas encontrou “erros materialmente relevantes” nas contas do Estado no ano de 2015 e tem um conjunto de “reservas sobre a legalidade, a contabilização, o controlo interno e a correção financeira” da Conta Geral do Estado de 2015, lembrando que há um conjunto de deficiências que já foram identificadas no passado, algumas delas repetidamente, mas que continuam por corrigir.

No final de cada ano, os serviços do Estado têm de compilar aquilo que é o definitivo balanço da execução do orçamento a cada ano (em contabilidade pública). Este registo chega a meio do ano seguinte, sendo avaliado posteriormente pelo Tribunal de Contas que só em dezembro apresenta a sua avaliação, como aconteceu agora. Em época festiva, a tradição mantém-se também nas contas do Estado: há erros e deficiências nas contas que se repetem ano após ano, mesmo depois de avisado o Governo e os serviços do Estado, e este ano volta a acontecer isso mesmo.

De acordo com o Tribunal de Contas, só pouco mais de metade das recomendações feitas em 2013 à Assembleia da República e ao Governo foram corrigidas total ou parcialmente. Por isso mesmo, das 98 recomendações feitas este ano, uma parte são recomendações do passado que são repetidas.

Mas começando pelas insuficiências nas contas, há vários erros que são apontados de forma recorrente, ou mesmo “casos relevantes de desrespeito dos princípios orçamentais”, como os que ditam que é preciso haver cabimento orçamental nas rubricas de despesa correspondentes para que possam ser feitos pagamentos nesse sentido, classificação errada de impactos no total da despesa e da despesa efetiva, com impacto no saldo final, e mesmo de entidades que faltam nas contas.

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O que é que isto quer dizer? Que os serviços estão a fazer despesas em coisas para as quais não têm autorização, de montantes que não estão autorizados, que há serviços que simplesmente não estão a apresentar contas e que por isso não estão refletidos nas contas e que há despesas e receitas que não estão contabilizadas de forma correta.

Um dos exemplos usados repetidamente pelo Tribunal de Contas é o da dotação provisional. Esta dotação é obrigatória e costuma ter algumas centenas de milhões de euros (entre 500 e 600 milhões de euros nos anos mais recentes) para usar em despesas excecionais e que não poderiam ser previstas quando o orçamento foi elaborado. No entanto, esta verba tem sido usada pelos sucessivos governos, e voltou a sê-lo em 2015, para pagar despesas acrescidas que eram previsíveis de rubricas ou serviços que não receberam todo o orçamento de que necessitavam.

Este exemplo não só coloca em causa a legalidade da despesa, que tem de estar prevista na respetiva rubrica em termos contabilísticos, como impede o escrutínio democrático do Parlamento às opções do Governo, ajudando a esconder aquilo que são os reais gastos, ou os verdadeiros cortes, em alguns setores, como por exemplo na Saúde ou Educação. Se um destes setores apresentar uma conta mais baixa no início do ano, pode indicar que as contas até podem estar sob controlo, mas na verdade os gastos são maiores porque acabam por ser compensados via dotação provisional.

O uso indevido desta verba é apenas uma das falhas apontadas pelo Tribunal de Contas. Outra é que, depois de 19 anos da aprovação do Plano Oficial de Contabilidade Pública (POCP), a Conta Geral do Estado ainda não tem um balanço ou uma demonstração de resultados, o que faz com que a verdadeira situação financeira do Estado não esteja refletida.

Esta é uma das críticas mais repetidas pelo presidente do Tribunal de Contas, Vítor Caldeira, que esta terça-feira criticou a demora na introdução destes registos e ao adiamento do novo sistema de contabilidade orçamental, financeira e de gestão das administrações públicas. Estes sistema, que vem substituir o POCP, devia entrar em vigor a 1 de janeiro próximo, mas sua a aplicação em pleno foi adiada por um ano.

“Não temos uma ideia completa de todas as responsabilidades do Estado, de todos os ativos do Estado”, disse o responsável.

Para além destas críticas mais abrangente, o Tribunal de Contas lembra ainda mais algumas falhas apontadas recorrentes, como por exemplo:

  • A despesa fiscal está subavaliada. Ou seja, que aquilo que custa ao Estado certos benefícios fiscais ou taxas mais reduzidas nos diversos impostos não conta com tudo. Um dos exemplos dados é não estar contabilizado nas contas quanto custa ao Estado a isenção dada do pagamento do imposto de selo declaradas pelos contribuintes, estimada (de forma conservadora) pelo Tribunal de contas em 117,9 milhões de euros.
  • Nem o relatório do Orçamento, nem o Programa de Estabilidade, nem a Conta Geral do Estado apresentam informação suficiente sobre os pressupostos macroeconómicos usados e a sua relação com a orçamentação e execução das receitas e despesas públicas que estão no orçamento. A própria da Conta Geral do Estado não quantifica os impactos das medidas de consolidação orçamental, ou seja, só há a previsão do resultado das medidas, e não o próprio resultado.
  • Uma análise às receitas demonstra “casos relevantes de desrespeito de princípios orçamentais, incumprimento de disposições legais que regulam a execução e a contabilização das receitas e insuficiências dos sistemas de contabilização e controlo”, abrindo assim espaço a “omissões materiais e autonomia financeira a entidades que, indevidamente, registam receitas do Estado como receitas próprias”.
  • A Conta Geral do Estado continua a não quantificar quais são os resultados do combate à fraude e à evasão fiscais, tendo ainda assim o Tribunal recebido da parte da Autoridade Tributária, pela primeira vez, uma estimativa da receita em causa: 239 milhões de euros em 2015, mais 60 milhões que em 2014.
  • Valores estipulados no Quadro Plurianual de Programação Orçamental, vinculativos para o ano em causa, foram alterados sucessivamente para todos os programas orçamentais, todos para cima, sendo que em cinco programas orçamentais foram ultrapassados até os limites revistos, tornando assim irrelevante o princípio por detrás da criação deste quadro, que era de disciplinar as contas públicas.
  • O Fundo de Estabilização da Segurança Social, que devia ter um valor equivalente a dois anos de pensões a pagamento, dá para pagar pouco mais de 14 meses nesta altura.
  • O valor do resultado líquido do exercício da Segurança Social “não é fiável”, diz o Tribunal de Contas, porque há várias incorreções na contabilização de operações relativas a imobilizado e do incumprimento do princípio da especialização do exercício.
  • Não é possível validar a dívida dos contribuintes através do cruzamento de dados com os valores registados nas contas correntes dos contribuintes.
  • A dívida contribuintes à Segurança Social está avaliada por baixo em pelo menos 662 milhões de euros, isto se se tiver em conta apenas os números desde 2010.