O Coliseu dos Recreios aprontou-se com rigor para a primeira vez com os Capitão Fausto em nome próprio. A disposição rara, com o quinteto no centro da sala, em pentágono, mais as plataformas já montadas para os próximos dias, bem lá no alto, que prometem vertigens de Natal. Chen e Cardinali que se cuidem, que aqui só faltam os tigres trapezistas e gente a engolir facas. Mas estamos todos bem, em sintonia com estes cinco predadores que nenhum guru circense conseguiria domesticar. Portanto, nesse aspeto até estamos melhor. A fila, bastante respeitável, a mais de uma hora de concerto, já o ditava. Podíamos bem estar em Roma, mas até preferimos este Coliseu em modo arena.

E que bem estão os rapazes, bem vestidos, a responder à responsabilidade que é dar um concerto assim, com este ambiente, com esta luz e tudo o resto. Cordas e sopros onde de facto costuma estar o palco desta sala, tudo confere outra pinta ao momento singular. “Morro na Praia” é ali canção com dedicatória, nem que seja para este mar de gente, como quem diz: “Mãe, olha bem no que me tornei”. Há pouco a acrescentar neste arranque de concerto. É sobretudo bonito — é mesmo — aquilo que os Capitão Fausto fazem. E tenhamos todos “Maneiras Más”, lição para empregar até ao fim.

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E os Capitão Fausto fazem escola com todos os públicos, todas as idades, vemo-los ali, bem à nossa frente. A curiosidade maior de miúdos de 12 anos, de braço dado com a (aparente) sabedoria dos adultos de carreira feita — e ainda chega aos reformados. Uma espécie de correspondência com aquilo que se vai dizendo em palco: “cada um no seu lugar, enquanto houver amor para dar”, conclusão tirada de “Mil e Quinze”. Bate tudo certo.

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Se formos criteriosos não há outra solução, “Tem de Ser”, e é raro ver tanto gente obedecer a uma ordem de boa vontade. Que ninguém duvide que é coisa para se cumprir sem fretes nem caras feias, aqui ninguém parece preocupado. Aliás, ninguém faz mais do que manda o dever. A fatiota à Beatles fica-lhes a matar e nunca é demais reforçar cordas e sopros, mais ainda quando é hora de “Flores do Mal”, uma das mais surpreendentes canções que já fizeram, uma das que no chegou com Pesar o Sol, que com este arranjo só ganha valor. Essa e a faixa-título do mesmo disco, onde Manuel Palha, sem voz nem nada, assina coisas de génio, acompanhado por Tomás Wallenstein, mais um certo na lista de coisas por fazer enquanto por cá andarem.

E de “Semana em Semana” vai-se fazendo o caminho, há um lado mais sério nesta malta, até porque a maturidade que lhes conferem é coisa normal — afinal, mesmo para os mais resilientes, há uma altura da vida em que os ténis começam a ganhar pó. Viva os sapatos de sola. E mais do que qualquer outra coisa, calma, que ainda há mais por elogiar. Este regresso ao secundário, cujo golpe de mestre é voltar a Gazela – tempo de rebeldia adolescente – com muito mais calo, ou seja, os temas ganham corpo, são tocados como nunca, como um jantar de antigos colegas onde se recorda toda a tropelia, mas com cautela, que isso já foi há muito tempo. “Música Fria”, “Teresa” e “A Verdade” são os melhores exemplos de nostalgia, aquele pão com chouriço no bar da escola, a verdade é que dá saudade.

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O regresso à atualidade faz-se com uma versão com coros pomposos para “Amanhã Tou Melhor”, single que os catapultou para esta pluralidade de público. Dos 8 aos 80, toda a gente parece estar a querer decidir o que vai parecer. E não nos parece nada mal. Muito menos quando, já para o final, depois da obrigatória “Célebre Batalha de Formariz”, chega, em jeito de despedida, “Alvalade Chama Por Mim”. Aquele Coliseu inteiro de luz de telemóvel ligada – claro, já ninguém está para gastar o gás do isqueiro – a não ser uns quantos com alma de velho, teimosos, que fazem sempre falta para uma referência no último parágrafo. “Nunca esquecer que a mocidade para nós chegou ao fim”, pregam no final. Seja isso, seja o que for, os Capitão Fausto estão para ficar, não têm os dias contados, certamente. Memória perfeita para fechar 2016, melhor notícia para o que estiver por vir.