Quando a dívida pública é debatida no atual contexto parlamentar é sempre motivo de atenção redobrada. Mas o tema está controlado, como se viu na tarde desta quinta-feira no debate de urgência dedicado ao tema, pedido pelo PCP. A divergência de sempre, entre PCP, BE e PS, está intacta, mas os três parceiros estão resignados e até encontraram forma de apontar ao inimigo comum: a dívida está como está por culpa do anterior Governo. O mais longe que os comunistas foram neste debate foi quando o deputado Paulo Sá chamou “micro soluções” às ideias do Governo para o problema da dívida. Já o Executivo evita expressões radicais como “reestruturação” e fica-se pela “gestão da dívida” com condições. Uma forma de abordar o dossiê bem diferente da dos seus parceiros.

O que os separa continua a ser exatamente o mesmo: PCP e BE insistem na reestruturação, mesmo contra os parceiros europeus, e o PS só a admite no contexto da União Europeia. E daqui não saem. No debate desta quinta-feira, o Governo fez-se representar pelo secretário de Estado do Tesouro, Álvaro Novo, que reafirmou que “a política económica do Governo é conduzida com total respeito pelos compromissos que o país assumiu e que honrará hoje e no futuro”. Na sua estreia parlamentar, enumerou “três condições essenciais” para a “gestão da dívida pública”:

  1. uma política orçamental sustentável;
  2. aumentar o crescimento económico real e nominal;
  3. assegurar melhores condições de financiamento.

Álvaro Novo garante que o Governo está a cumprir nestes “três pilares para a sustentabilidade da dívida”, porque tem o défice controlado, porque a “aceleração do crescimento económico no segundo semestre de 2016 terá um efeito” sobre a dívida e porque “os resultados em 2016 na frente orçamental e económica refletir-se-ão em melhores condições de acesso ao mercado”. A solução do Governo para “gerir a dívida” é exclusivamente esta. Bem longe da que os seus parceiros continuam a exigir.

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Paulo Sá, do PCP, abriu o debate a dizer que “o problema da dívida pública não pode ser varrido para baixo do tapete” e deu a imagem que tem repetido nestes debates: “O que poderia ser feito se Portugal pudesse dispor dos mais de 8 mil milhões de euros que atualmente são canalizados para o pagamento dos juros anuais da dívida pública?” “Quantas escolas e hospitais poderiam ser construídos?”. “Quantos impostos sobre o rendimento e o trabalho e o consumo podiam ser reduzidos?”

Aliás, a causa principal do problema da dívida, para os comunistas, está “no abandono do aparelho produtivo, na desproteção do mercado interno, nas privatizações, no favorecimento do grande capital e da especulação financeira e, claro, na integração no euro”. É perante isto que os comunistas desafiam sobretudo o PS para uma “ação decisiva” nesta matéria. E ainda argumentam quanto à ineficácia da solução do Governo: ”

As chamadas micro soluções podem mitigar momentaneamente o problema mas não o resolvem (…) Mesmo que fossem adotadas, essas micro soluções viriam sempre acompanhadas de imposições inaceitáveis, semelhantes às do pacto da troika ou às aplicadas à Grécia”

E o que são estas “micro soluções” do Governo que não chegam para os comunistas? “Mutualizar dívida na zona euro, reduzir taxas de empréstimos na União Europeia, fixar condições de financiamento iguais para os estados-membros ou o repatriamento dos juros pagos pelo BCE ou da zona euro”, explicou Paulo Sá.

A distância entre as partes é tão grande que o PS decidiu até chumbar a iniciativa que o PCP tinha preparado para trazer o tema a debate no Parlamento. Tal como o Observador avançou esta manhã, os socialista não vão apoiar a iniciativa comunista de uma comissão eventual para avaliar e acompanhar o endividamento público e externo”. As condições para o PCP conseguir aprovar a comissão ficam feridas de morte, já que a direita não acompanha a urgência do PCP neste debate e muito menos nos moldes traçados pelo partido.

O Bloco de Esquerda está, nesta matéria, ao lado do PCP, até nos argumentos. Mariana Mortágua também recorreu às comparações entre os juros da dívida pagos pelo país e os custos do Serviço Nacional de Saúde. “Todos os anos há um SNS inteiro que vai diretamente para o pagamento dos juros da dívida e para o exterior”. Aliás, a deputada do BE ainda acrescentou mesmo que “o Estado dá um lucro superior ao do Estado alemão, de 2,5 pontos percentuais” e que tudo isso é consumido pelo pagamento de juros da dívida. Também os Verdes consideram que a reestruturação “é um imperativo de sobrevivência”.

Mas a pressão não chega para virar o PS, que prefere mesmo virar-se para o outro lado e atirar ao PSD e CDS, dizendo que “o que contribuiu muito para a dívida pública foram os falhanços da anterior governação” e desfiando os valores da dívida, que era de 111% do PIB em 2011 e passou para 129% em 2015. Só nas críticas à direita se consegue a unanimidade da esquerda.

No PSD, Inês Domingos diz ser desde que o PS está no Governo que a dívida aumentou, acusando mesmo o PS de estar a “jogar à lotaria com o futuro” do país. Até tentou a piada: “A relação do Governo do PS com a dívida é como aquele filme em que o protagonista acorda todos os dias para viver o dia da mesma maneira. O filme tem muita graça o PS é que não”. Isto na tentativa de mostrar como os socialistas não conseguem controlar a questão. O PSD defende que a reestruturação que pode ser feita passa apenas por mexer nas maturidades e substituir dívida mais cara por mais barata, não muito diferente do que quero Governo.

Já no CDS, a estratégia foi outra: aproveitar o exemplo do dia, de outra dívida. “Hoje a Caixa Geral de Depósitos emitiu dívida a juros mais caros”, disse João Almeida numa referência à emissão de dívida pelo banco público a uma taxa de 10,75%. A resposta a esta provocação veio do secretário de Estado que disse que o valor que vai ser pago pela Caixa é “inferior aos 12% que o Banco Popular vai pagar em Espanha, que tem um rating superior ao da Caixa. Esta é a comparação que devemos fazer”, disse. Quanto ao resto, o CDS diz que “o caminho do PCP é de irresponsabilidade e populismo” e que o debate foi “uma farsa”: “Todos sabemos que nada mudou do lado do PS e do lado do PCP”.