E se os trabalhadores pudessem tirar uma espécie de sabática? Esta terça-feira de manhã, Assunção Cristas abriu o dia em que começaram as jornadas parlamentares do CDS com uma proposta inesperada: criar na lei “um tempo de paragem” opcional para os trabalhadores, uma vez que, com a idade da reforma cada vez mais tardia, o percurso profissional torna-se cada vez mais longo. Foi durante uma visita a três empresas da área metalomecânica no concelho de Vale de Cambra, distrito de Aveiro, onde os democratas-cristãos ouviram queixas sobre a falta de mão-de-obra qualificada no setor e a falta de aposta na formação profissional, que Cristas antecipou, em linhas gerais, uma das propostas que o CDS está a estudar para apresentar ao Parlamento em maio.

“Todos os anos vemos a idade da reforma ficar um pouco mais longínqua, como é que hoje podemos organizar a nossa vida procurando encontrar um regime em que possamos, ao fim de décadas de trabalho, ter uma pausa na nossa vida, de seis meses ou um ano?“, questionou a líder do CDS. Ao que o Observador apurou, a ideia está ainda em fase de estudo mas passa pela possibilidade, opcional, de os trabalhadores tirarem uma licença (não paga) ao fim de décadas de trabalho contínuo para irem para a universidade, ou simplesmente para “redirecionarem a vida” ou terem um “tempo de lazer”, como detalhou a líder centrista.

Sem ter explicado bem os contornos da proposta, Assunção Cristas levaria depois o tema das “sabáticas” para a sessão de perguntas e respostas que se seguiu ao painel sobre “a importância do trabalho no crescimento económico”. “É exequívell?”, perguntou Assunção Cristas aos oradores — o ex-secretário-geral da UGT, João Proença, o vice-presidente da Confederação Empresarial de Portugal, Rafael Campos Pereira, e o reitor da Universidade de Aveiro, Manuel António Assunção.

A resposta mais concreta viria do vice-presidente da CIP, que em poucas palavras disse que a ideia não era de fácil execução, sobretudo nas pequenas e médias empresas, uma vez que a empresa “vai sempre precisar de outra pessoa naquele espaço de tempo”. “Os recursos humanos estão concentradíssimos, embora conceptualmente ache a ideia interessante, tudo o que seja contribuir para a formação tem o nosso apoio, mas temo que isto possa causar constrangimentos às empresas mais pequenas e também por isso que venha a ter reservas por parte dos trabalhadores”, disse Rafael Campos Pereira.

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A valorização do trabalho, o combate à precariedade, o combate aos falsos recibos verdes e aos estágios, a importância do trabalho no crescimento económico. Os temas são próprios da esquerda mas o CDS não vai “deixar que a esquerda fique sozinha a valorizar o trabalho” e é por isso que leva o tema do “trabalho” para as jornadas parlamentares do partido, que decorrem esta terça-feira e até quarta-feira em Aveiro. O objetivo é recolher contributos para o CDS apresentar de forma potestativa, ainda no mês de maio, um um conjunto de iniciativas legislativas sobre o assunto.

Que tipo de medidas? O CDS ainda não diz. Falando na abertura das jornadas, num hotel em Ílhavo, o líder parlamentar Nuno Magalhães limitou-se a chamar essa bandeira para si. “Se há partido que na sua doutrina sempre promoveu o valor do trabalho, o mérito, o esforço, a ascensão social, foi a democracia-cristã, foi o CDS, e não a esquerda mais ou menos radical. Queremos ouvir pessoas que percebem da matéria, que têm conhecimento da matéria, que podem nem sempre pensar como nós, mas que certamente nos ajudarão a preparar um conjunto de iniciativas que tencionamos apresentar”, disse, antes de anunciar a intervenção do ex-secretário-geral da UGT, João Proença, e do vice-presidente da Confederação Empresarial de Portugal, Rafael Campos Pereira.

Uma “democracia simulada” de esquerdas unidas por “hipocrisia”

Para Nuno Magalhães, os partidos das esquerdas estão unidos por “uma hipocrisia política apenas e só para defenderem os seus interesses e os interesses das suas clientelas”. O que, disse, faz com que o Portugal da “geringonça” até pareça um “país otimista, um país que julga ser mais feliz”, “mas jamais será país um país desenvolvido e competitivo como todos nós queremos”.

Para o líder parlamentar do CDS, que se encarregou de fazer a abertura das jornadas, a atitude do CDS na oposição tem de “continuar a ser construtiva”, apresentando propostas, como as agora pré-anunciadas na área do trabalho (e outras na área da segurança e terrorismo, que vão avançar no próximo dia 17 de maio), mas também tem de continuar a ser uma postura de “denunciar” o que vai mal e o que fez mal o Governo e os partidos que o apoiam.

Para Nuno Magalhães, tem de ser denunciado o facto de Portugal viver agora numa “democracia simulada”, numa “democracia do fingimento”, onde os partidos das esquerdas que apoiam o Governo apoiam-no apenas porque estão “unidos pelo poder”, através de uma “muralha do poder”, propondo iniciativas no Parlamento apenas para “marcarem agenda e não para as propostas serem efetivamente aprovadas”. Isto porque, na hora de votarem na Assembleia da República, BE, PCP e PS optam sempre por fazer os diplomas “descer sem votação”, adiando todas as decisões.

“Vivemos numa democracia com problemas, uma democracia que vive no impasse das reformas, no fingimento das ideias, no teatro das discórdias, em que quatro grupos parlamentares fazem propostas apenas para marcar agenda e não para que as propostas sejam aprovadas”, disse.