Se considerarmos os vários filmes de ficção sobre a crise e as suas consequências que foram rodados até agora, constatamos que uma boa parte dos americanos são feitos do ponto de vista dos “insiders”, daqueles que a provocaram, viveram por dentro, beneficiaram com ela ou detetaram antes de acontecer e lançaram alertas. É o caso de “O Dia Antes do Fim”, de J.C. Chandor, “A Queda de Wall Street”, de Adam McKay, “Wall Street: O Dinheiro Nunca Dorme” ou “Homens de Negócios”, de John Wells, com um ou outro filme sobre pessoas que estavam no meio ou no fim da cadeia económica, como “99 Casas”, de Ramin Barhani. Já os filmes europeus preferem privilegiar histórias de vítimas anónimas da crise. Ver “A Minha Parte do Bolo” e “A Lei do Mercado”, respetivamente dos franceses Cédric Klapisch e Stéphane Brizé, ou “Capital Humano”, do italiano Paolo Virzi.

[Veja o “trailer” de “Políticos não se Confessam]

Este “Políticos não se Confessam”, do também italiano Roberto Andò (“Viva a Liberdade”), é um caso diferente, um híbrido que ambiciona ser, em simultâneo, “thriller” político-económico, parábola “espiritual”, panfleto de “denúncia” do capitalismo desenfreado e sem coração e filme de “mensagem” moralizante. Tudo se passa ao longo de um fim-de-semana, num hotel de luxo da costa alemã, rigorosamente vigiado, onde Daniel Roché (Daniel Auteuil), o diretor do Fundo Monetário Internacional (FMI), tutela uma reunião de ministros das Finanças dos G8. Lá estão também três representantes da sociedade civil: uma autora de “best-sellers” infantis, um músico e cantor célebre e cabotino, e Roberto Salus (o habitualmente muito bom Toni Servillo, num papel pouco exigente), um discreto e misterioso monge, convidado especial de Rogé, e tão deslocado naquele ambiente como um esquimó numa estância de férias nos trópicos.

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[Veja uma cena do filme]

Na dita reunião será tomada uma decisão de enorme importância e com um impacto muito severo na economia mundial, sobre a qual nem todos os ministros participantes estão de acordo. E o ambiente fica ainda mais pesado e tenso quando, depois de se ter confessado ao monge e revelar-lhe que tem um cancro, o diretor do FMI se suicida na sua “suite”, asfixiando-se com um saco de plástico. As coisas têm que ficar resolvidas e a notícia do suicídio mantida secreta antes do final do fim-de-semana, e o monge começa a ser pressionado de todos os lados, e até pelas pessoas mais inesperadas, para quebrar o segredo da confissão e dizer o que é que Rogé lhe confidenciou. Mas Salus responde ou com um claro “não”, ou com enigmáticos desenhos de pássaros (o monge gosta de gravar o canto das aves no seu telemóvel, uma das raras poucas possessões materiais, onde quer que vá).

[Veja uma entrevista com o realizador Roberto Andò]

Escrito pelo realizador e por Angelo Pasquini, este filme é como aqueles políticos que se fartam de fazer promessas na campanha eleitoral, e depois não conseguem cumprir uma que seja. O elemento policial e de “suspense” depressa se torna previsível e inverosímil, a “denúncia” esgota-se num punhado de lugares-comuns indolentes sobre o funcionamento do poder político-financeiro e a desumanidade e a ganância dos seus representantes, pouco mais que “clichés” prontos-a-detestar (a única personagem mais interessante do grupo, o diretor do FMI, morre logo no início do filme…) e o discurso final do monge é uma mistura de anticapitalismo de carregar pela boca e de vulgata de valores cristãos, que parece ter sido escrito por uma das manas Mortágua e por um padre progressista da moda. Há ainda um remate “sobrenatural” envolvendo um pássaro exótico, um cão e o monge, tão desconcertante como involuntariamente cómico.

Roberto Andò não é um Francesco Rosi, nem sequer um Damiano Damiani, só para citar dois compatriotas e colegas de cinema “engajado”. Tem a indignação fácil, o traço cinematográfico espesso, o olhar simplista e o verbo moralista, e “Políticos não se Confessam” desperdiça um elenco de estimáveis atores europeus (além de Auteuil e Servillo, Connie Nielsen, Lambert Wilson ou Moritz Bleibtreu) e desfaz-se em estereótipos, palha, presunção ideológica e água benta choca.