O filho mais novo de Diogo Lacerda Machado — o “melhor amigo” de António Costa que negociou, em nome do primeiro-ministro, os dossiers da TAP e dos lesados do BES — colabora há dois meses, a título “experimental”, com uma empresa do setor empresarial do Estado na área da Defesa. Ao Observador, a idD – Plataformas das Indústrias de Defesa Nacionais S.A. justifica a escolha do novo assessor para as “relações internacionais e diplomáticas” com o “percurso académico” de João Maria Lacerda Machado. Há quase dois anos, o filho mais velho do consultor deixou um mestrado na Bélgica para ocupar um cargo de assessor técnico na secretaria de Estado da Internacionalização.

Depois da licenciatura em Comunicação e Jornalismo, pela Universidade Católica (com uma passagem por Barcelona, em Erasmus), João Maria Lacerda Machado, 27 anos, começou a frequentar um mestrado em Ciência Política e Relações Internacionais, também pela mesma instituição. Mais recentemente, também na Católica, concluiu um programa avançado em Diplomacia. Esse percurso académico foi a razão para que Lacerda Machado tivesse sido escolhido para um período “experimental” de dois meses na idD.

“O João Maria Lacerda Machado tem vindo a colaborar com a idD, a título experimental, desde o passado mês de julho, prestando assessoria de apoio na área das relações internacionais e diplomáticas, onde tem vindo a realizar o seu percurso académico”, confirma a empresa ao Observador. Um percurso que ainda não está concluído, uma vez que o mestrado, que começou a frequentar em 2013, está ainda dependente da defesa da tese, apurou o Observador.

Isso não impediu que fosse escolhido para a idD. Em julho, já em integração na empresa do Estado, o assessor para as relações externas teve direito a um vencimento de 705,17 euros líquidos. Esse valor subiu para os 914,11 euros em agosto, devido ao acréscimo das horas de trabalho registadas pelo assessor no habitual mês de férias, apurou o Observador junto de fonte da empresa. E prepara-se para subir novamente.

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Caso a contratação se venha a confirmar — como a idD espera que aconteça –, o salário bruto de João Maria Lacerda Machado passará para cerca de 1500 euros brutos por mês, qualquer coisa como 21 mil euros anuais. O cargo para que o filho de Diogo Lacerda Machado foi escolhido decorre de “uma vaga que está em aberto, desde 2015, e para o qual a idD tem autorização de contratação, pelo Ministério da Defesa Nacional e pelo Ministério das Finanças, desde fevereiro desse ano”, esclarece a empresa. Durante quase dois anos e meio, o cargo não foi ocupado porque outros funcionários terão assumido as funções. Essa necessidade só se verificou no início do verão.

Candidatura espontânea ficou na gaveta

A relação de João Maria Lacerda Machado com a Plataformas das Indústrias de Defesa Nacionais S.A. começou quando idD ainda significava Indústria de Desmilitarização e Defesa, S.A. Há, pelo menos, dois anos (ainda durante o anterior Governo), Lacerda Machado enviou uma candidatura espontânea para a idD. Mas o documento, que chegou através do email geral, não teve seguimento.

Depois de submeter essa candidatura, Lacerda Machado ainda passou pelo Núcleo de Expansão do Sporting. Frequentou também o Programa Avançado de Diplomacia na Católica e foi precisamente aí que surgiu a oportunidade de começar um estágio de integração — o “período experimental” — na idD. O que mudou? O facto, apurou o Observador, de Lacerda Machado se ter cruzado com um elemento da empresa nesse programa e de, na sequência desse contacto, ter sido feita a proposta para acompanhar a vertente externa da empresa.

Caso esse contacto direto nunca tivesse acontecido, os responsáveis da idD iriam recuperar todas as candidaturas espontâneas enviadas para os escritórios da empresa, entre as quais se encontrava a de Lacerda Machado. Mas esse passo tornou-se dispensável com a escolha do atual assessor.

Antes de chegar à idD, os dois anos e meio de experiência profissional de Lacerda Machado estiveram sempre ligados à área das Relações Públicas. De acordo com o seu perfil na rede social Linkedin, quando ainda frequentava o mestrado em Ciência Política e Relações Internacionais, passou pelos escritórios de Lisboa da consultora Llorente & Cuenca (de março a novembro de 2014), esteve no gabinete de relações públicas da embaixada dos Estados Unidos em Portugal (de fevereiro a maio de 2015) e fez assessoria ao Departamento de Expansão e Núcleos e ao Diretor Comercial do Sporting Clube de Portugal (entre janeiro do ano passado e, possivelmente, junho deste ano, apesar de a página indicar que essa atividade se mantém).

Neste momento, e perante a “avaliação muito positiva” que é feita dos primeiros dois meses de colaboração com a empresa, a idD confirma que vai avançar com o processo de contratação do assessor. “Tendo sido alvo de uma avaliação muito positiva, é intenção da idD iniciar o seu processo de contratação”, assume a empresa, deixando a ressalva de que o processo decorrerá “cumprindo todas as obrigações legais inerentes a uma empresa do setor empresarial do Estado, à semelhança de outros processos de recrutamento em curso na empresa”.

A empresa lucrativa de uma holding em liquidação

A idD é uma empresa totalmente participada pela Empordef — Empresa Portuguesa de Defesa, a holding das indústrias de defesa. Até 2014, fazia parte do núcleo industrial da mesma mas, nesse ano, uma alteração aos estatutos colocou o foco na gestão e promoção, dentro e fora de portas, das empresas que integram a Base Tecnológica e Industrial de Defesa. Tornou-se, então, uma espécie de AICEP da área de Defesa. A escolha de Lacerda Machado enquadra-se nessa nova missão, mas ainda não é daí que vem a maior parte dos ganhos da idD.

O grosso da operação financeira da empresa continua a estar ligado à operação de desmilitarização do material de guerra dos três ramos das Forças Armadas e das forças de segurança. Quando estas entidades têm em sua posse armamento obsoleto, cabe à idD inutilizar — entenda-se, destruir — as armas. Todos os anos, essa atividade, consagrada no âmbito da Lei de Programação Militar, rende cerca de um milhão de euros à idD.

A nova vertente na área da internacionalização vale 750 mil euros anuais, segundo consta no último relatório e contas da idD, que são entregues à empresa como correspondendo a “subsídios à exploração”. Em 2016, a Plataformas das Indústrias de Defesa Nacionais S.A. obteve um resultado líquido de pouco mais de 4,6 mil euros.

Participada da Empordef, a idD está na dependência de uma empresa do Estado que, em 2014, entrou em processo de liquidação. O Conselho de Ministros deu, então, 90 dias ao presidente da Empordef para apresentar o “plano de liquidação” da empresa, que deveria incluir “as regras tendentes à transferência para a administração direta do Estado dos ativos e das participações financeiras da Empordef, de forma a minimizar o esforço financeiro do acionista Estado e a salvaguardar os seus interesses”.

Esse prazo de 90 dias terminou no final de setembro de há três anos. Cerca de 1100 dias depois, esse plano nunca chegou a ser apresentado. Há cerca de um mês, o presidente da Empordef, cujo mandato terminaria no próximo mês, apresentou a demissão ao ministro da Defesa, Azeredo Lopes, deixando a holding das empresas da Defesa sem liderança.

Os outros filhos do “melhor amigo”

João Maria Lacerda Machado não é o primeiro filho de Diogo Lacerda Machado a trabalhar para o Estado. Há um ano e meio, o irmão mais velho de João Maria, Francisco, surgiu nas notícias. Tinha sido contratado meses antes, em dezembro de 2015, para as funções de técnico especialista no Ministério dos Negócios Estrangeiros.

Essa nomeação, pela secretaria de Estado da Internacionalização, levou Francisco Lacerda Machado a regressar da Bélgica, onde frequentava um mestrado, no início de 2016. O percurso profissional dos dois irmãos na esfera de influência do Estado assume outros pontos em comum.

À imagem do irmão mais novo, Francisco também passou a desempenhar funções “na área das relações económicas internacionais” no Ministério dos Negócios Estrangeiros, nesse caso num cargo correspondente a um salário mensal de 1948,82 euros líquidos. E, tal como Francisco já tinha feito há dois anos, este verão, João Maria prestou provas para tentar uma carreira diplomática.

No final de julho, depois de ser aprovado na prova de língua portuguesa, o seu nome constava da lista dos candidatos a prestar provas de francês e/ou inglês para uma das 30 vagas abertas no “concurso externo de ingresso na categoria de adido de embaixada da carreira diplomática”. Os resultados dessa prova ainda não são públicos.

Pouco depois de ser divulgada a contratação de Francisco, Diogo Lacerda Machado comentou assim a notícia:

Tenho o maior orgulho no meu filho. Todas as pessoas que o conhecem, designadamente professores e colegas de faculdade, sabem que não precisa de ninguém para singrar na vida”, disse então Diogo Lacerda Machado.

Além de Francisco e João Maria, Diogo Lacerda Machado tem uma filha, a mais velha dos três irmãos. Joana Gonçalves Pereira (casada com o ex-deputado e atual vereador centrista da câmara de Lisboa, João Gonçalves Pereira) também desempenhou funções públicas, mas ainda durante o Governo PSD/CDS. Foi assessora do ex-secretário de Estado da Administração Interna Filipe Lobo d’Ávila. Nomeada com efeito a partir de julho de 2011, pediu para sair quase dois anos depois, no início de março de 2013.

É a última suplente da lista de candidatos do “Nossa Lisboa” (CDS/MPT/PPM) à Assembleia de Freguesia de Alvalade, em Lisboa, para as autárquicas de 1 de outubro.

Lacerda Machado responde a Passos: “Não tenho vergonha. Tenho imenso orgulho”

No início do verão, Diogo Lacerda Machado, ex-secretário de Estado da Justiça, entrou para a TAP como administrador não executivo. Pouco antes, o ex-consultor tinha sido o ponta-de-lança lançado por António Costa para a negociação de dossiers importantes do Governo (durante algum tempo, sem qualquer vínculo oficial ao Estado). A escolha provocou polémica. Houve duras críticas da oposição e o próprio primeiro-ministro veio a público por água na fervura.

O Observador fez várias tentativas para ouvir João Maria Lacerda Machado sobre a sua ligação à idD, mas não foi possível, até à publicação deste notícia, obter qualquer esclarecimento pessoal.