Tinha 20 anos quando sofreu um acidente de carro que o deixou em estado vegetativo persistente (EVP). Agora, 15 anos depois, o homem recuperou pela primeira vez “sinais de consciência”. A revelação foi publicada na revista médica Current Biology pela responsável pela aplicação da terapia de estimulação do nervo vago, Angela Sirigu, diretora do Instituto de Ciências Cognitivas Marc Jeannerod, em Lyon, França.

“Ele continua paralisado e sem conseguir falar, mas consegue responder. Agora ele está consciente”, explicou ao The Guardian a investigadora, especialista em neuropsicologia. O paciente, cuja identificação não foi divulgada, foi submetido a uma pequena cirurgia de 20 minutos em 2016, durante a qual lhe foi colocado, na zona do pescoço, um pequeno implante, capaz de estimular através de descargas elétricas o nervo vago, que liga o cérebro a praticamente todos os órgãos vitais.

Depois de cerca de duas semanas de estimulação, durante as quais o paciente foi mantido sob observação permanente e filmado com uma câmara de infra-vermelhos, os cientistas obtiveram finalmente resultados: ao ouvir a sua música preferida, o homem, vegetativo há 15 anos, soltou uma lágrima. “Quando vimos uma lágrima a escorrer-lhe pela bochecha abaixo foi… emocionante. Foi simplesmente…”, voltou a emocionar-se Sirigu, entrevistada pela Wired.

Não foram os únicos sinais que o paciente deu: primeiro começou a seguir objetos com o olhar, depois passou a manter-se acordado enquanto lhe liam histórias, uma vez abriu mesmo os olhos num esgar de surpresa, quando a investigadora aproximou o rosto do seu. Com o decorrer dos meses, passou mesmo a conseguir responder a pedidos simples, como virar a cabeça para um ou para outro lado, sempre de forma lenta, muitas vezes demorando mais de um minuto. O registo de atividade cerebral também revelou melhorias substanciais, nomeadamente o aumento da comunicação elétrica entre zonas do cérebro e uma maior atividade em áreas relacionadas com o movimento, sensação e consciência. Esta técnica de estimulação nervosa também já é utilizada com sucesso no tratamento da epilepsia e da depressão.

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O paciente, em estado vegetativo persistente há 15 anos, não foi escolhido ao acaso, explicou Angela Sirigu. “Se lhe mostrar o cérebro deste paciente, conseguirá ver que o hemisfério esquerdo está completamente danificado. Ele não consegue falar nem mexer-se porque a parte do seu cérebro responsável pelo movimento está lesionada. Ele era o paciente em estado mais grave que tínhamos. Sabíamos que se conseguíssemos observar o que quer que fosse nele, não seria por acaso ou coincidência. Escolhemos para nós próprios esta situação estranha. Mas, no nosso caso, foi libertador. Porque antes da estimulação ele não respondia a um único estímulo externo, e depois dela passou a responder.”

Ou seja: o paciente era tão grave — o protocolo médico estabelece que após 12 meses em estado vegetativo persistente não é expectável que os pacientes melhorem — que se a estimulação fosse bem sucedida nele, poderia sê-lo também em qualquer outro doente, com prognóstico menos reservado.

Apesar das portas que potencialmente abre, este método inovador traz também algumas questões aos investigadores e às famílias de doentes em estado vegetativo persistente. Uma delas: é assim tão vantajoso para um doente que nunca poderá voltar a andar, falar ou interagir com terceiros recuperar a consciência? “Não posso responder a essa pergunta. Pessoalmente acho que é preferível estar consciente, mesmo que numa má condição, ter noção do que se está a passar. Assim pelo menos podes tomar uma decisão sobre se queres continuar assim ou se queres…”, disse Sirigu ao The Guardian. A outra questão, prende-se exatamente com a palavra que a investigadora não chegou a proferir: eutanásia.

Também ao jornal britânico, Niels Birbaumer, da Universidade de Tübingen, na Alemanha, especialista em interfaces cérebro-computador para pacientes com distúrbios neurológicos, disse que estes resultados levantam problemas éticos relacionados com a morte assistida, defendida por muitos como solução válida para os doentes em estado vegetativo persistente. “Muitos destes pacientes podem ter sido, e outros foram mesmo, negligenciados, e a eutanásia passiva acontece frequentemente em estados vegetativos. Este artigo é um aviso para todos os que acreditam que, após um ano, este estado é irreversível.”