O escândalo rebentou no passado sábado, dia 17 de março. Uma empresa de análise de dados que colaborou com a campanha presidencial de Donald Trump utilizou informação de quase 50 milhões de perfis de Facebook para prever o sentido de voto de cada utilizador. De repente, a Cambridge Analytica saltou para as capas dos jornais e revistas e o mundo que assistiu à ascensão de Mark Zuckerberg aumentou a desconfiança em relação à rede social.

Mas sabemos exatamente o que o Facebook sabe sobre nós? E como obtém essa informação? E para que é que a utiliza? Respondemos às três perguntas e ainda mostramos como é que pode descobrir o que a rede social sabe sobre a sua vida.

Que informações é que o Facebook recolhe?

A partir do momento em que nos registamos no Facebook, o nosso perfil começa a ser traçado. Além de tudo o que podemos voluntariamente tornar público – como o número de telemóvel, o e-mail, o local de trabalho ou o estado civil – a rede social rastreia as nossas movimentações online e compõe aquilo que julga ser a nossa imagem fiel. 

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O Facebook consegue ter acesso ao histórico de navegação, à nossa localização (em tempo real ou não), às imagens, páginas e notícias de que gostamos e até às pessoas que nos são mais próximas. Além disso, a rede social compra informação externa a empresas de análises de dados, como a Dunnhumby.

Tudo para conhecer pormenorizadamente cada utilizador do Facebook. Todos já passámos pela experiência algo estranha de, por exemplo, pesquisar voos e viagens e de repente ter o feed invadido de anúncios a sites como o Booking, o Airbnb ou a Trivago. É-nos apresentada publicidade relacionada com o que mais suscita o nosso interesse e que, claro, mais facilmente nos leva a gastar dinheiro.

Mas, como já vimos, o destino de toda esta informação pode ser outro.

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Como é que o Facebook recolhe esta informação?

Além das respostas que nós próprios damos “de bandeja” ao Facebook, quando indicamos onde vivemos, onde estudámos, se somos ou não casados e para onde viajámos, a rede social de Mark Zuckerberg tem outras maneiras de nos conhecer.

Comecemos pelo mais simples. Os nossos likes. Gostamos de cantores, atores, filmes, clubes de futebol, humoristas e muito mais. A partir daqui, é fácil perceber o nosso estilo de música favorito, se somos do Benfica ou do Sporting, se preferimos os Monthy Python ou a Porta dos Fundos. A publicidade vai imediatamente filtrar as marcas ou os anúncios que mais se encaixam no nosso perfil.

Mas, e tal como conta o Telegraph, os likes têm sido explorados para criar tipos de personalidade: além dos nossos gostos em relação às mais variadas áreas, as páginas ou pessoas que seguimos podem denunciar as crenças políticas e religiosas de cada um, tornando exequível a formação de “grupos alvo” para um determinado tipo de anúncios.

No que diz respeito à localização, o Facebook pede acesso ao nosso sinal de GPS – que podemos ou não fornecer. Mas, com o simples acto de nos conectarmos a uma qualquer ligação Wi-Fi, desvendamos onde estamos e quanto tempo aí passamos. A partir do tempo e da fase do dia em que estamos em certo e determinado sítio, o Facebook depreende se estamos ou não em casa, no trabalho ou em qualquer outro local.

É por isto que, por vezes, recebemos notificações do Instagram – que pertence ao Facebook – a dizer que o sítio onde nos encontramos é “popular”. Basta termos o 4G ligado para as redes sociais saberem automaticamente onde estamos e não terem medo de nos dizer. Ao aceder à nossa localização, o Facebook consegue englobar-nos, novamente, em grupos de pessoas que terão determinados interesses: por exemplo, as pessoas que trabalham em Lisboa e que vivem no concelho de Sintra.

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E lembra-se daqueles botões de like que aparecem no topo ou no fim de qualquer notícia, artigo ou página da Internet? Eles estão lá por um motivo. Milhares de sites utilizam estes botões para registar as pessoas que acedem aos conteúdos e enviam esses dados de volta para o Facebook. A interação não é necessária, ou seja, não precisa de carregar naquele like para ficar registada a sua presença naquela página.

A opção “Entrar com o Facebook” poupa tempo e veio agilizar o início de sessão noutras redes sociais ou aplicações que instalamos. Também ao instalar o Spotify e associá-lo ao Facebook, vai revelar que gosta de música e, com o passar do tempo, o estilo predileto: e isto funciona exatamente da mesma maneira para todas as outras aplicações em que entra através da rede social.

Mais uma vez, o Facebook consegue traçar um perfil social e identificar os gostos, preferências e áreas de interesse de cada utilizador.

A lista de contactos é a via mais controversa usada pelo Facebook para aceder a informação. Ao partilhar a lista de números que temos guardada no nosso telemóvel, a rede social consegue descobrir o nome de cada pessoa, o contacto, o nome que está associado a esse contacto na nossa lista, a frequência com que falamos com essa pessoa e uma eventual fotografia (caso esteja associada ao contacto).

E agora está a pensar: “Eu não emparelhei a minha lista de contactos, está tudo bem”. Errado. Se um amigo, familiar ou colega seu associou os contactos do telemóvel com o Facebook – com o seu incluído – as suas informações já estão nas bases de dados da rede social.

Como é que o Facebook utiliza esta informação?

Além dos perfis sociais automaticamente traçados a partir dos likes e dos interesses dos utilizadores, os anúncios do Facebook conseguem dirigir-se a grupos específicos de pessoas principalmente a partir da sua localização: desde áreas vastas, como o país, até ao próprio código postal. Através do GPS e das redes Wi-Fi, a rede social vem connosco quando viajamos e adapta-se à mudança de local, acabando por comparar a meteorologia ou o preço de algo no sítio onde somos turistas com o sítio em que vivemos.

As aplicações que utilizam o Facebook também conseguem aceder a informação sobre a cidade em que vivemos e os países por onde já passámos, além de que, caso um amigo esteja perto de nós, vai receber a indicação de que estamos na mesma zona.

Quando entramos no Facebook, o nosso histórico de navegação é imediatamente emparelhado com a base de dados da rede social e os anúncios que surgem no nosso feed de notícias adaptam-se desde logo às pesquisas que fizemos. Seja uma peça de roupa numa loja, um produto de supermercado ou aquele humorista de quem temos visto vários vídeos no YouTube. Ainda que a atualização só aconteça quando iniciamos sessão, os nossos movimentos são rastreados mesmo sem estarmos no Facebook.

Os dados externos que o Facebook compra, por exemplo, às agências de rating, são uma ferramenta importante para construir os mega-perfis sociais e demográficos. O salário médio por região, a percentagem de pessoas que são religiosas ou o tipo de comida mais apreciado num certo país são alguns exemplos das características que o Facebook adquire e cruza para tornar os anúncios mais apelativos e quiçá mais eficazes.

Esta generalização por zona e área de residência faz com que seja praticamente impossível escaparmos a uma certa manipulação da publicidade que nos é dirigida: podemos até ter todos os filtros possíveis e muros levantados no que toca a likes, histórico de navegação e aplicações, mas basta pertencermos a uma destas bases de dados para o Facebook saber onde vivemos e nos incluir no “grupo alvo” de uma qualquer cidade ou região.

As informações recolhidas através das listas de contactos servem, na sua essência, para sugerir “as pessoas que podemos conhecer”. O Telegraph fala num “perfil sombra” que é criado a partir do momento em que estamos incluídos numa lista telefónica emparelhada com o Facebook: mesmo que não tenhamos um perfil na rede social, existimos na Internet e somos utilizados como meio de comparação com outras pessoas da mesma faixa etária ou zona de residência.

Até 2013, o Facebook conseguia recolher estes dados através do WhatsApp. Em 2015, proibiu as aplicações em que se entra com o Facebook de aceder às listas de contactos e agora só a própria rede social de Mark Zuckerberg o consegue fazer.

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Como é que descobrimos tudo o que o Facebook sabe sobre nós?

Sim, sabemos o que partilhámos na nossa própria Cronologia, se temos ou não o número de telemóvel visível, se deixamos saber que somos casados ou solteiros e se temos o local de trabalho público. Mas como é que descobrimos aquilo que o Facebook que sabe sobre nós? Existe uma maneira.

Todos os anúncios que aparecem no feed de notícias do Facebook dizem “patrocinado”. Em todas essas publicações, existem três pontos na horizontal no cantor superior direito.

Ao abrir, surge a opção: “Porque é que estou a ver isto?”. Selecione e, quando aparecer uma segunda janela, clique em “gerir as preferências de publicidade”. 

A partir daqui, resta explorar. O Facebook apresenta-nos tudo aquilo que julga serem “os nossos interesses”: baseados, claro, nos nossos likes, amigos e publicações com que interagimos. A informação está distribuída por categorias, como “notícias e entretenimento” ou “estilo de vida e cultura”. Ao clicar em cada um dos interesses, o Facebook diz-lhe porque é que assumiu que gosta de uma ou outra coisa.