O advogado Alfredo Castanheira Neves propôs na última reunião do Conselho Superior do Ministério Público (CSMP) a instauração de um inquérito disciplinar contra procuradores incertos por o Ministério Público não ter conseguido impedir a estação televisiva SIC de transmitir os vídeos dos interrogatórios dos principais arguidos da Operação Marquês. A proposta foi rejeitada esta terça-feira por 11 votos contra 5, verificando-se ainda uma abstenção, no que representou uma clivagem total entre os procuradores representados no órgão disciplinar do Minisério Público (MP) e os representantes do poder político indicados pela Assembleia da República e pela ministra da Justiça.

Castanheira Neves, que é advogado de Joaquim Barroca (ex-vice-presidente do Grupo Lena que é um dos acusados pelo MP nos autos da Operação Marquês), manifestou na reunião que se verificou, como é habitual, na sede da Procuradoria-Geral da República, em Lisboa, o seu mais vivo repúdio pela divulgação de imagens que fazem parte dos auto da Operação Marquês por entender que a SIC estava impedida de o fazer, depois de ter sido advertida pelo próprio MP de que tal violação constituía crime de desobediência. Contactado pelo Observador, escusou-se cordialmente a fazer comentários sobre a reunião do CSMP. “Não posso/devo pronunciar-me sobre assuntos do CSMP”, afirmou por escrito.

António Ventinhas, presidente do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público, dá este sábado uma entrevista ao Expresso, onde contesta a proposta feita por Castanheira Neves e suscita a questão da incompatibilidade entre a condição de advogado do processo e de membro do Conselho Superior do Ministério Público. “Há pessoas que são advogados de arguidos e apresentam propostas que estão relacionadas com os processos em que estão a trabalhar. (…) O sistema não pode permitir que uma pessoa possa estar no conselho e tome decisões conexas com os processos em que estão a trabalhar”.

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Como impedir transmissão na SIC? Buscas na redação ou providência cautelar?

O facto de a SIC ter dividido a transmissão dos referidos vídeos e audios dos interrogatórios e de escutas telefónicas (matéria que também pode constituir crime de desobediência qualificada) em três dias (16, 17 e 18 de abril), obrigava os procuradores do MP a agir no final do primeiro dia, argumentou o causidico de Coimbra. no período antes da ordem do dia. Tudo para evitar, no entendimento de Castanheira Neves, a deliberada continuação da alegada atividade criminosa.

O advogado chegou mesmo a defender que a situação exigiria uma “atuação enérgica” do MP, que deveria ter mobilizado parte dos seus magistrados para evitar a transmissão de imagens no segundo dia (17 de abril) em que foi emitida a “Grande Reportagem” da SIC.

Apesar de não ter especificado quais eram, no seu entender, os meios legais ao dispor do MP para evitar tal transmissão, vários dos conselheiros presentes interpretaram, ao que o Observador apurou, que Castanheira Neves estava a referir-se a buscas judiciais na redação da SIC ou à interposição de uma providência cautelar contra a estação televisiva. Neste último caso, e tendo em conta o prazo de 48 horas que os juízes têm para decidir sobre esse ato urgente, o mesmo poderia não ter qualquer efeito em tempo útil.

A proposta de Castanheira Neves (indicado pelo PSD) foi debatida pelo CSMP, assistindo-se a uma clivagem clara entre os representantes dos magistrados do MP e os do poder político.

Sem a presença de Pinto Ribeiro (advogado e ex-ministro da Cultura de José Sócrates indicado pelo PS), Magalhães e Silva (advogado e igualmente indicado pelo PS), Madeira Lopes (advogado e indicado pelo PCP) e Arala Chaves e Maria João Antunes (ambos indicados pela ministra da Justiça, Francisca Van Dunem) manifestaram-se a favor da proposta do advogado de Joaquim Barroca. Magalhães e Silva e Arala Chaves classificaram a proposta de Castanheira Neves como importante e Madeira Lopes insurgiu-se contra os julgamentos na praça pública, acrescentando que vai expôr o tema no próximo Congresso dos Advogados.

Já do lado dos magistrados, a procuradora-geral Joana Marques Vidal alertou para o perigo de tal inquérito disciplinar colocar em causa o princípio de autonomia dos magistrados do MP. Posição que foi apoiada por Euclides Dâmaso (procurador distrital de Coimbra) e por Alexandra Chícaro (procuradora da República)

Conflito de interesses?

Sendo advogado de um dos principais arguidos da Operação Marquês, as posições que têm sido tomadas por Alfredo Castanheira Neves no CSMP que diz respeito a matérias disciplinares direta ou indiretamente relacionadas com aquele processo judicial têm causado incómodo junto dos magistrados do MP.

Isto porque Castanheira Neves, de acordo com o pensamento de vários conselheiros do CSMP, estará a incorrer num alegado conflito de interesses. Tudo porque, ao ser advogado de um dos arguidos nos autos, não deveria pronunciar-se sobre matérias disciplinares relativas a procuradores titulares dos mesmos autos.

O Observador contactou Alfredo Castanheira Neves por sms no sentido de perceber a sua disponibilidade para esclarecer vários aspetos da reunião do CSMP. “Agradecendo o favor do contacto, e como compreenderá, não posso/devo pronunciar-me sobre assuntos do CSMP”, afirmou o advogado de Coimbra igualmente por escrito.

Após o Observador ter confrontado Castanheira Neves com todas as informações que constam deste artigo novamente por sms, o advogado respondeu apenas: “Já percebi que está muito mal informado”. Instado a esclarecer alguma informação, desmentido-a ou rectificando-a, e confrontado com novo convite para uma conversa telefónica, Castanheira Neves respondeu: “agradeço a simpatia mas limito-me a enfatizar que está incorretamente informado, como aliás resulta da acta”, afirmou, sem esclarecer o que estaria incorreto.