Imagine que está dentro de água num sítio escuro, estreito, de visibilidade quase nula. Imagine que não pode vir “cá acima” respirar, porque não há superfície, e que apenas pode contar com o respirador que tem na boca. Agora nade durante cerca de meia hora ou mais nestas circunstâncias, mantendo a calma.

Este é um dos cenários que as equipas de resgate estão a equacionar para resgatar as 12 crianças e o treinador que as acompanha que ficaram presos numa gruta na Tailândia. A alternativa é esperar que a chuva reduza e que as equipas de resgate consigam tirar água suficiente para que os encurralados possam sair pelo próprio pé — um cenário que, tendo em conta que no país se está na época das chuvas, pode demorar quatro meses a acontecer. Há ainda uma terceira hipótese de conseguir perfurar o solo, mas a operação é dificultada pelo terreno e pela longa extensão do sistema de grutas de Tham Luang Nang Non.

Além de alimentos, estes soldados tailandeses levam um cabo elétrico para a gruta onde se encontram as 12 crianças e um adulto. (Foto de LILLIAN SUWANRUMPHA/AFP/Getty Images)

O Observador falou com Pedro Lage, instrutor especializado em mergulho em grutas e um dos únicos 20 mergulhadores de todo o mundo a ter visitado o Britannic — o maior navio naufragado do mundo —, para perceber melhor como pode ser feito o resgate das 13 pessoas.

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Certo é que não está em causa apenas ensinar a mergulhar um grupo de crianças que não sabe nadar; trata-se de ensiná-las a fazer o tipo de mergulho mais difícil que existe.

É possível retirar este grupo da gruta onde se encontra?
Vai ser bastante complexo conseguir tirá-los de lá. Eles estão presos numa cavidade da gruta, numa bolha de ar, e têm de passar pela água para poder sair. Das duas, uma: ou [as equipas de salvamento] conseguem bombear a água toda para tornar a zona seca outra vez, o que pode não ser possível por ser uma grande quantidade de água; ou então dão-lhes equipamento e eles vão ter de fazer mergulho.

E consegue-se ensinar a fazer mergulho em tão pouco tempo e nestas condições?
Dar cursos de um dia para o outro não é fácil. O tipo de mergulho mais difícil é em gruta. É preciso ensinar-lhes a mexer no equipamento. A falta de visibilidade causada pelas lamas pode ser assustadora. Portanto têm de estar psicologicamente preparados para não verem nada, não é só usar o equipamento. Os miúdos aprendem rápido, há alguns que podem pôr aquilo às costas e avançar. Mas há outros que podem ter medo, se eles nem sabem nadar… Dos 12 meninos, pode haver alguns que nem consigam, se tiverem a tal fobia ou inaptidão para estar dentro de água. Outros podem conseguir de um dia para o outro. Seria um milagre conseguir ensinar os 13 a mergulhar o suficiente para saírem todos juntos.

[Veja no vídeo como os mergulhadores estão a enfrentar um dilema para salvar as crianças]

Tem-se falado de outras soluções. Bill Whitehouse, do Conselho Britânico de Resgate em Gruta, disse à BBC que estava a ser estudada a hipótese de trazer as crianças numa espécie de “embalagens” que fossem neutras em termos de peso. Acha que resultaria?
É improvável. A gruta pode não ser tipo um túnel do metro, pode ser um túnel acidentado ou estreito. É difícil colocá-los numa bolha de ar e ir a direito. Não há nenhuma solução tipo ‘mini-submarino’, isso é impossível. Ou eles metem o equipamento e conseguem fazer a distância autonomamente, ou não conseguem sair por ali. A outra solução é fazer como com os mineiros, furar a rocha até ao sítio onde estão. O que também é difícil, porque têm de descobrir à superfície onde eles estão e aí fazer o furo. E há uma montanha por cima, por isso imagine a distância.

O sistema de grutas de Tham Luang Nang Non situa-se debaixo de uma montanha e fica parcialmente submerso durante a época das chuvas (junho-outubro)

Em que é que o mergulho em gruta se distingue dos outros tipos de mergulho?
Imagine que está num sítio onde o teto é rocha. Não pode vir à superfície se tiver medo, falta de ar ou uma falha no equipamento. Tem zonas onde a visibilidade pode ser zero, não se vê uma mão à frente da cara. Depois, tem de ter um fio-guia, chamado fio de Ariadne, que leva até à saída.

Pode haver zonas da gruta estreitas onde tem de fazer “contorcionismo” para conseguir passar. Estes detalhes é que tornam o mergulho em grupo a vertente mais desafiante.

Acha então que é possível ensinar este tipo de mergulho àquelas crianças, naquelas condições?
É muito difícil. A criança tem de ter a calma suficiente para continuar a respirar. Mesmo não vendo nada tem de continuar a nadar. Não pode entrar em pânico, porque não tem sítio para onde ir, se tira o equipamento da boca morre afogada. Meter o regulador na boca é possível de ensinar, agora preparar mentalmente uma criança para estar meia hora ou mais num sítio escuro, com rocha por cima, estreito, é que é difícil. A barreira psicológica é a maior barreira.