Quando a pergunta “qual é o maior clube do mundo?” aparece – não o melhor, o maior –, a resposta deriva entre dois emblemas: Real Madrid e Manchester United. Não só pela história recente mas também pelo passado, vários estudos apontam espanhóis e ingleses como os dois clubes mais mediáticos do mundo. O Santiago Bernabéu e Old Trafford, a camisola merengue e a dos red devils, George Best e Di Stéfano, fazem parte do imaginário de qualquer adepto de futebol. São poucos os que conseguem deixar Manchester e Madrid com o estatuto de símbolo. Cristiano Ronaldo é um deles.

A 13 de agosto de 2003, Cristiano Ronaldo foi apresentado no Manchester United. A 6 de julho de 2009, foi apresentado no Real Madrid. Os dois passos mais importantes da vida do capitão português foram dados com seis anos de diferença e a confirmação daquela que é a terceira grande transferência da carreira chegou na semana passada, nove anos depois depois da última mudança, e a apresentação acontece dia 16, segunda-feira. Apresentação essa que será também a terceira de Cristiano Ronaldo. O rapaz que nasceu para o futebol no Andorinha e no Nacional, da Madeira, e foi formado no Sporting vai chegar à Juventus de Itália como o homem que venceu cinco Ligas dos Campeões, três ligas inglesas, duas espanholas e foi considerado por cinco vezes o melhor futebolista do mundo.

Quando chegou a Old Trafford, em 2003, era apenas o miúdo do Sporting que tinha dado nas vistas frente ao Manchester United na inauguração do novo estádio José Alvalade. Cristiano Ronaldo impressionou o treinador Laszlo Bölöni  e tornou-se em 2001 o único jogador da história dos leões a jogar nos juvenis, nos juniores, na equipa B e na equipa principal na mesma temporada. Um ano depois, em outubro de 2002, estreou-se no Campeonato português frente ao Moreirense: marcou dois golos dos três do Sporting. Durante a temporada 2002/03, foi sugerido ao Liverpool, à Juventus e ao Barcelona e Arsène Wenger, o francês que liderava o banco do Arsenal, chegou a reunir com Ronaldo em Londres. Nada avançou.

Kléberson e Cristiano Ronaldo: as duas apostas de Alex Ferguson no verão de 2003

A 6 de agosto, na antecâmara do Campeonato da Europa organizado por Portugal, o Sporting inaugurava o novíssimo Estádio José Alvalade. O convidado era o Manchester United, que chegava com Giggs, Van Nistelrooy, Scholes e Ferdinand. O verde e brancos venceram por 3-1, com dois golos de João Vieira Pinto e outro de Luís Filipe, mas o protagonista foi outro. Cristiano Ronaldo assinou uma exibição soberba e no fim daquela noite regressou a casa com a certeza de que já não ia jogar a época seguinte em Alvalade. Pouco depois do jogo, Alex Ferguson abordou imediatamente os responsáveis do Sporting e o próprio jogador e a transferência ficou apalavrada. Quando chegou ao balneário, como o próprio já contou, alguns elementos do plantel dos red devils perguntaram-lhe se aquele miúdo de caracóis e borbulhas no rosto se ia juntar a eles. A resposta foi simples: “Estou a tratar disso”.

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Sete dias e 15 milhões de euros depois, Ronaldo chegava a Manchester como o adolescente mais caro da história da Premier League. Foi apresentado em conjunto com Kléberson, o brasileiro de 24 anos que tinha ajudado o Brasil a vencer o Mundial do Japão e da Coreia no ano anterior e que jogava até ali no Atlético Paranaense. Ao lado dos dois, Alex Ferguson. Estádio vazio, pouca imprensa, pouco alarido. Kléberson era o primeiro brasileiro da história do clube, Ronaldo o primeiro português; mas nem isso entusiasmou os britânicos. Na altura, a notícia do The Guardian tinha como título: “Adolescente fica com a camisola número 7 de Beckham”. O agora capitão da Seleção Nacional até pediu para jogador com o 28 – número que usava no Sporting e na seleção – mas Ferguson insistiu que aceitasse o sete.

Sete esse que tinha sido de George Best, Bryan Robson, Eric Cantona e, até ao ano anterior à chegada de Ronaldo, de David Beckham. O miúdo de 18 anos que chegou a Inglaterra com 25 jogos no Campeonato português, barba mal semeada e dentes desalinhados aceitou carregar o mítico número nas costas. E foi a primeira vez que o mundo viu uma das uniões camisola-número mais rentáveis da história do futebol. Este pormenor, ainda que para Ferguson fosse a certeza de que o português ia ser um dos símbolos da história do Manchester United, não caiu bem junto dos ingleses. Nesse mesmo texto que dava conta da chegada de Cristiano Ronaldo, o The Guardian recordava que Ricardo Quaresma teria sido melhor investimento, já que “o jogador de 19 anos está acima de Ronaldo em termos de desenvolvimento” (foi para o Barcelona). Na estreia em Old Trafford, quatro dias depois da apresentação, não marcou nem fez uma grande exibição. Mas não foi preciso. Na altura, George Best chamou-lhe “indubitavelmente a estreia mais entusiasmante” que já tinha visto.

Seis anos depois, Cristiano Ronaldo chegou a Madrid. Se em 2003 aterrou em Manchester enquanto miúdo de 18 anos que só tinha vencido uma Supertaça na vida, apresentado em conjunto com outro jogador e apenas com o treinador ao lado, em 2009 teve direito ao aparato todo. E não era para menos. Na altura, o jogador português saltou para o primeiro posto das transferências mais caras de sempre: custou mais de 95 milhões de euros aos cofres merengues. Consigo trazia três Campeonatos ingleses, uma Liga dos Campeões, uma Bota de Ouro e uma Bola de Ouro. Era, oficialmente, o melhor jogador do mundo. E foi assim que foi apresentado.

Cristiano Ronaldo na apresentação no Santiago Bernabéu, com as velhas glórias Di Stéfano e Eusébio ao fundo

Se Old Trafford tinha as bancadas despidas naquele longínquo 13 de agosto de 2003, a 6 de julho de 2009 juntaram-se 80.000 mil pessoas no Santiago Bernabéu para ver chegar Cristiano Ronaldo (com o pormenor de que, dias antes, “apenas” 55.000 tinham assistido à apresentação de Kaká). Se seis anos antes apenas Alex Ferguson posou para as fotografias, em Madrid tinha Florentino Pérez, Alfredo Di Stéfano e Eusébio em pano de fundo. A apresentação do jogador madeirense bateu o recorde de uma outra, 25 anos antes – em 1984, 75.000 pessoas correram para o Stadio San Paolo para dar as boas vindas a Diego Armando Maradona, que acabara de chegar ao Nápoles.

O relvado do Santiago Bernabéu estava a ser retirado e os responsáveis do clube decidiram estender uma passadeira em tons de verde onde Cristiano Ronaldo desfilou, acenou e sorriu. Afinal, como o próprio revelou, estava a concretizar o sonho que tinha desde menino. Fez um breve discurso, gritou o ¡Hala Madrid! com que na passada terça-feira terminou a carta de despedida e deu início a uma das histórias mais bonitas do passado recente do futebol espanhol, europeu e internacional. Recebeu das mãos de Di Stéfano a camisola número nove, aquela que usou durante a primeira temporada em Madrid, enquanto Raúl González ainda estava no plantel. No ano seguinte, vestiu a sete blanca que só largou este ano.

À chegada a Turim, Cristiano Ronaldo não tem nada a provar. Conquistou títulos individuais, coletivos, de clubes e de seleções. É, aos 33 anos, o jogador de futebol mais mediático do mundo. Na Juventus, não vai precisar das 80.000 pessoas, da carpete verde, de Di Stéfano ou de Eusébio, de discursos emocionados. Mesmo com o estádio vazio, em conjunto com outro jogador ou apenas com o treinador ao lado, o dia é dele. E marcar uma nova era no futebol europeu é o próximo objetivo.