Domingo, 2 de setembro. A noite cai na Quinta da Boa Vista, a norte do Rio de Janeiro. No Palácio de São Cristóvão, onde se localiza atualmente o Museu Nacional, as visitas já tinham terminado quando, às 19h30, soou o alarme de incêndio. Seguiu-se uma noite intensa de combate às chamas. Como conta a Folha de São Paulo, durante mais de seis horas, 80 bombeiros tentaram conter o incêndio. Faltou água e parte do interior desabou, mas não há registo de vítimas.

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No interior do museu mais antigo do Brasil estavam 20 milhões de itens, incluindo 26.160 fósseis — entre os quais o fóssil humano mais antigo do país, o crânio de Luzia com cerca de 12 mil anos. Lá dentro estava também a Biblioteca Nacional, com 537 mil títulos, 1.560 dos quais considerados raros. Nas palavras do presidente, Michel Temer, foi um “dia trágico” para o país, que perdeu 200 anos de trabalho de conservação e sofreu perdas para a história que “não se pode mesurar”. Mas, como o próprio chefe de governo nota, os danos vão além do espólio do museu — o próprio edifício tinha grande valor histórico.

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Palácio de São Cristóvão: de Paço Real a Museu

Com 11.417 metros quadrados de área construída, dos quais 3.500 eram área de exposição, o edifício recebia anualmente 150 mil visitantes. Fundado por decreto real de D. João VI em 1818, o museu é uma das marcas deixadas pela família real portuguesa aquando da sua estadia no Brasil. Inicialmente instalado no Campo d’Santana, o museu foi criado pelo rei para promover a “educação, a cultura e a difusão da ciência” na cidade que foi capital do império português.

Por esta altura, a família real estava instalada no Palácio de São Cristóvão, residência que tinha sido oferecida por um mercador à família. O palácio tinha sido construído por volta de 1803 e era à época considerada a mais luxuosa residência do Rio de Janeiro. Tinha três andares: o primeiro para serviços gerais, o segundo (mais ornamentado) para receber visitas e o terceiro destinado a dormitórios e à vida familiar.

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Esta foi a residência oficial da família real portuguesa entre 1818 e o seu regresso a Portugal em 1821. Com a proclamação da independência do Brasil (1822), tornou-se na residência oficial do imperador, que aqui habitou até 1889, ano em que o país se tornou uma república. Foi também neste ano que o palácio recebeu a primeira Assembleia Constituinte Republicana do Brasil.

Dois anos mais tarde, em 1892, o Palácio de São Cristóvão passou a albergar o Museu Nacional que abriu portas a 25 de maio de 1900. Durante os seus dois séculos de atividade (que celebrou a 6 de junho de 2018) recebeu visita de notáveis cientistas, como Albert Einstein ou Marie Curie, e tornou-se num dos maiores museus de história natural e antropológica da América Latina.

Problemas crónicos de financiamento

Em 1946, o Museu Nacional passou a integrar a Universidade Federal do Rio de Janeiro. A instituição cientifica mais antiga do país atravessava uma grave crise — chegando a correr o risco de fechar portas — e estava a perder a importância face a outras instituições científicas que surgiram na década de 30 e 40 no Brasil.

Esta integração reconfigurou a orientação do museu, que se tornou numa instituição de investigação e ensino universitário. No entanto, ao fazer parte da universidade, o museu passou a estar dependente do orçamento da universidade. Segundo os funcionários, o financiamento ao museu tem sido desde então deficitário, sendo necessário recorrer a apoios externos.

O incêndio deflagrou assim em plena campanha de angariação de fundos. Sob o pretexto da comemoração dos 200 anos, os funcionários do museu denunciaram a falta de financiamento estatal e lançaram o apelo a doações.

Num vídeo divulgado na página que assinala o bicentenário, vários trabalhadores falam sobre a necessidade de obras no palácio onde a degradação é visível em paredes descascadas e fios elétricos expostos.

É ainda mencionada a necessidade de construir edifícios secundários para albergar a investigação, ensino e armazenamento. A ambição era abrir os três pisos do palácio para exposições.

[artigo corrigido a 4 de setembro às 12h45]