O Hospital da Cruz Vermelha vai lançar um centro clínico dedicado às doenças cardiovasculares focado na prevenção e no acompanhamento dos doentes, com recurso a tecnologias inovadoras, anunciou esta quinta-feira o presidente da Cruz Vermelha Portuguesa, Francisco George, num encontro com jornalistas em Lisboa. O novo centro — chamado Heart Center [Centro do Coração] para sublinhar a “vocação internacional do hospital” — vai ser inaugurado a 11 de fevereiro, data em que se assinala o 156º aniversário da fundação da Cruz Vermelha Portuguesa, e pretende dar um contributo inovador para prevenir e combater as doenças cardiovasculares, que matam 139 portugueses por ano.

Segundo explicou Francisco George, antigo diretor-geral da Saúde, o novo centro, que representa um investimento de 10 milhões de euros da Cruz Vermelha, vai contar com “equipamentos de topo de gama disponibilizados pela Siemens que vão permitir intervenções minimamente invasivas”, incluindo substituições de válvulas sem necessidade de incisão torácica.

A grande novidade do Heart Center não serão, porém, os tratamentos cirúrgicos com recurso a tecnologia de ponta, mas sim o conceito de proximidade com o doente, afirmou Francisco George. O hospital vai lançar um número telefónico de quatro dígitos “de fácil memorização”, que será publicamente anunciado a 11 de fevereiro, para o qual os doentes poderão ligar com questões relativas a problemas cardíacos, e vai implementar um sistema de monitorização do estado de saúde dos doentes a partir de casa, através de wearables (dispositivos como pulseiras ou relógios que se podem utilizar no dia a dia e que registam e enviam para o hospital dados como a tensão arterial e outros).

Linha telefónica 24h por dia e cloud sobre estado de saúde

O médico cardiologista Manuel Pedro Magalhães, diretor clínico do hospital, explicou que o conceito passa por “dar um contínuo apoio” aos doentes cardíacos, que têm uma condição crónica. “Temos hospitais com excelentes máquinas, porque as máquinas estão no mercado e podem comprar-se. Mas, depois, o doente vai para casa e se se engana nas terapêuticas, o que fazemos? Se tem um inconveniente às tantas da noite, recorre às urgências”, argumentou o médico, explicando que o objetivo desta monitorização passa por tirar partido de dispositivos disseminados entre a população, como os smartphones ou os smartwatches, que já são capazes de registar vários dados relativos ao estado de saúde do utilizador.

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Por se tratar de um centro “focado no doente” e não na tecnologia, como defendeu Luis Baquero, cardiologista responsável pela iniciativa, as soluções de acompanhamento serão adaptadas a cada doente e podem passar pela simples monitorização do ritmo cardíaco através de um relógio ou pulseira ou então pela utilização de dispositivos mais especializados para controlar outros parâmetros. O objetivo é obter “uma cloud sobre o doente” que permita “personalizar o tratamento”, segundo explicou o cardiologista Luis Baquero.

O serviço estará disponível para todos os utentes que beneficiarem da ADSE, tiverem um seguro de saúde de qualquer marca, forem detentores do cartão da Cruz Vermelha Portuguesa (que custa até 8,5 euros por mês e dá acesso aos serviços do Hospital da Cruz Vermelha), ou tiverem possibilidades financeiras de o pagar. Porém, os responsáveis do hospital deixaram em aberto a possibilidade de futuros acordos de complementaridade com o Serviço Nacional de Saúde, até porque, como Francisco George fez questão de sublinhar, o Hospital da Cruz Vermelha não é um hospital puramente privado e “não pode ser confundido com outros hospitais privados”, já que a CVP é uma “organização humanitária, de interesse público e sem fins lucrativos” e o hospital é gerido pela instituição (que detém 55% do capital) e pelo Estado (que detém 45%).

Heart Center estará disponível 24 horas por dia, 365 dias por ano e contará com uma equipa de técnicos de cardiologia que vão atender os telefonemas dos doentes e controlar os dados clínicos em cooperação com a equipa médica. O call center funcionará como uma central de controlo que tanto receberá chamadas telefónicas como centralizará os dados clínicos em tempo real dos doentes monitorizados através dos wearables. Francisco George vincou que a linha telefónica não pretende substituir o 112, número de emergência nacional, mas sim ser um contacto para quem já está a ser seguido pelo Hospital da Cruz Vermelha e que tenha qualquer tipo de dúvida ou dor no peito.

O sistema será bidirecional: se um doente sentir uma dor ou tiver uma questão, pode ligar para aquela linha telefónica, que o pode esclarecer ou colocar em contacto com o seu médico; ao mesmo tempo, se a central de controlo detetar alguma anomalia nos dados do paciente, poderá contactá-lo quer telefonicamente quer através de uma notificação no telemóvel, alertando-o para alguma medida que deve ser tomada.

360 mil portugueses sofrem de insuficiência cardíaca

Um sistema assim pretende reduzir o tempo de internamento dos doentes crónicos e colocá-los no controlo do seu próprio estado de saúde. O Heart Center “vai diminuir muito a necessidade de tempo de estadia nos cuidados agudos e fazer com que não sejam precisas tantas camas para cuidados agudos”, explicou o diretor clínico do hospital. Segundo o cardiologista Vasco Gama Ribeiro, também presente na apresentação, o doente passa a “fazer parte do seu próprio tratamento e estará sempre e permanentemente acompanhado pela equipa médica”.

O hospital não vai entrar no negócio de venda dos dispositivos individuais, mas poderá aconselhar os doentes a utilizar determinado wearable e até a facilitar a aquisição dos dispositivos por parte do paciente, segundo explicaram os responsáveis. “Um telemóvel é um instrumento fantástico de comunicação”, frisou Manuel Pedro Magalhães, sublinhando que o facto de o doente ver os seus próprios dados consciencializa-o da sua situação.

Estima-se que em Portugal haja cerca de 360 mil doentes com insuficiência cardíaca, um problema que afeta entre 1 e 2% da população mundial, informou Teresa Magalhães, presidente da comissão executiva do hospital, sublinhando que é uma das principais causas de morte em Portugal. “30% das mortes em Portugal são por doenças do coração”, afirmou a responsável, tendo o cardiologista Vasco Gama Ribeiro acrescentado que “em 50% dos doentes com doença cardíaca, a primeira manifestação da doença é a morte súbita” e sublinhado a necessidade de prevenção. Só na área da Grande Lisboa, principal área da ação daquele hospital, estima-se que haja 165 mil pessoas com doenças cardiovasculares.