O Jameson Urban Routes “não é um festival fácil de programar”, alerta Pedro Azevedo, responsável pela construção do cartaz do festival que celebra anualmente a programação do clube e sala de concertos Musicbox, no Cais do Sodré, em Lisboa. Afinal, é um festival com um formato bastante diferente dos restantes festivais de música, estando “até mais próximo dos festivais de cinema”, por decorrer durante vários dias e com sessões de concertos que acontecem também durante a semana, este ano entre esta terça-feira, 23 de outubro, e este sábado, 27.

“Há uma gestão de públicos e de géneros que tem de ser diferente”, refere o programador, precisamente porque o festival, que reivindica ecletismo nas escolhas, tenta atrair fãs de diferentes estilos de música, da eletrónica ao rock, este ano muito presente na programação.

Numa primeira fase o festival decorria ao fim-de-semana, entre quinta-feira e sábado. Esse formato mudou porque sentimos necessidade de que o festival representasse aquilo que o clube é. O Musicbox está aberto de domingo a domingo, só fecha um dia por semana [precisamente ao domingo]. Lisboa está tão ativa e desperta que temos público para qualquer dia da semana. Não há um dia perfeito para fazer um concerto, eles acontecem quando podem acontecer. Também trabalhamos para públicos de 300 pessoas [lotação da sala] e isso ajuda”, aponta.

Para provar que faz sentido um clube desta dimensão e com esta lotação apostar em concertos durante a semana, Pedro Azevedo avança que a sessão de quarta-feira, 24 de outubro, “está esgotada” e que a da véspera, de arranque do festival, “para lá caminha”.

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Ao longo dos mais de dez anos de duração do festival, já se registaram alguns momentos épicos, como um concerto dos Future Islands em pleno auge de fama — depois de uma ida da banda ao programa Late Show with David Letterman, no qual interpretaram energeticamente o single “Seasons (Waiting For You)” –, a primeira atuação ao vivo dos Orelha Negra, um concerto de homenagem de JP Simões a Chico Buarque, um tributo às bandas sonoras dos filmes de Quentin Tarantino idealizado por Fred Ferreira (Banda do Mar e Orelha Negra), um concerto de piano em plena madrugada (dado por Moon Face) e uma noite de dança recordada como “épica” por quem a viveu, ao som de Toro y Moi e El Guincho.

Este ano, há propostas fortes internacionais mas Pedro Azevedo destaca “uma aposta muito grande nas bandas nacionais” e uma estreia que aguarda com grande expetativa, a dos Mão Morta de Adolfo Luxúria Canibal (que já lá esteve para alguns espetáculos, mas sem a companhia da banda). “Tenho sempre a tendência, quando acabo de programar cada edição, de achar que programei a melhor edição de sempre, de acreditar que este conjunto de artistas e a forma como estão dispostos fazem desta a melhor edição já feita. Mas acredito mesmo que a programação é melhor do que a de anos passados, está mais voltada para a cidade”, refere. Estas são as nossas escolhas de concertos a não perder no festival.

Damien Jurado

Terça-feira, 22h15

A carreira do norte-americano Damien Jurado impõe respeito: já leva mais de 20 anos a gravar canções e editar discos. Talvez por isso cause alguma estranheza o facto do músico de Seattle manter-se ainda relativamente marginal, desconhecido do grande público. As canções justificam mais atenção e palcos maiores, mas o clube lisboeta Musicbox aproveita a pouca notoriedade — porventura justificada em parte por Jurado ter fama de tipo difícil, avesso a grandes estratégias comerciais e promocionais — para voltar a trazer o músico, depois de um concerto dado há apenas dois anos no mesmo local. O interesse renova-se com a edição de The Horizon Just Laughed, 13º álbum de estúdio deste contador de histórias ora íntimas ora surrealistas e psicadélicas, que se serve da guitarra e dos ambientes mais solenes para compor canções sem artifícios, ancoradas na voz, palavra e acordes delicados. É possivelmente o grande destaque do festival e toca a seguir ao português Sean Riley (Afonso Rodrigues), que, vindo do festival-convenção francês MaMa, atua a partir das 21h30 . No dia seguinte, Damien Jurado estará no Theatro Circo, em Braga, uma sala de beleza, acústica e arquitetura (tem uma plateia sentada, em vez de lugares de pé) possivelmente ainda mais adequadas à sua música e a este disco novo, sóbrio e pouco expansivo.

Mão Morta

Quarta-feira, 22h45

Depois de uma noite orientada para os contos folk e country de dois autores a solo, a noite seguinte é dedicada à música mais agressiva. Às 21h30, a sonoridade industrial de Author & Punisher (Tristan Shone) abre para o rock and roll desabrido e agitador dos veteranos Mão Morta. Numa altura em que a banda assinala 30 anos de edição do seu primeiro álbum, homónimo e no qual constavam canções como “Oub’Lá” e “Até Cair”, a banda de Adolfo Luxúria Canibal mantém-se ativa, dando concertos e gravando discos ao vivo como Ventos Animais (de 2014) e Nós Somos Aqueles Contra Quem os Nossos Pais nos Avisaram (editado no ano passado). “Sempre a abrir a noite toda / Sempre a rock & rollar“, como bem os conhecemos, agora na primeira vez no Musicbox.

Boogarins

Quinta-feira, 21h30

A terceira noite do festival prossegue na latitude rock. O arranque será ao som de uma banda que já é quase da casa, Boogarins. O grupo deu no Musicbox dois dos seus cinco concertos em Portugal. O terceiro acontece um ano depois da edição do disco Lá Vem a Morte, no qual a banda brasileira reforçou com novas canções o seu rock psicadélico (para os brasileiros, “psicodélico”) sonhador, que já cativou o público norte-americano. Em cinco anos, somam já mais de 30 concertos nos Estados Unidos da América. Haverá melhor prova de que cantar em português não é um entrave à expansão internacional? A noite termina com o regresso de Afonso Rodrigues ao Musicbox para um concerto com a banda Keep Razors Sharp (também de Rai, Bráulio e Bibi), que editou na sexta-feira passada, dia 19, o seu segundo disco, prosseguindo a madrugada com atuações de Palms Trax, Anna Prior e DJ Lynce.

B Fachada: dez anos de Viola Braguesa

Sexta-feira, 22h15

O que andará B Fachada a fazer? Entre 2007 e 2012, o músico português gravou canções e álbuns a um ritmo alucinante: foram 13 edições em cinco anos, entre álbuns completos e EP. Repentinamente, na reta final de um ano (2002) em que revelou aquele que foi provavelmente o seu álbum com maior impacto no público, Criôlo, e em que recriou com a banda Minta e o músico João Correia o disco Os Sobreviventes, de Sérgio Godinho, Fachada anunciou O Fim, seis canções de despedida de uma beleza desconcertante. O ponto final veio a revelar-se falso alarme. Dois anos depois, em 2014, voltou a agitar as águas com um álbum homónimo, em que constavam “Camuflado”, “Pifarinho”, “Dá Mais Música à Bófia” e uma excelente versão de “Já o Tempo se Habitua”, de José Afonso. Daí para cá imperou o silêncio, excetuando alguns concertos e um EP gravado com as Pega Monstro (Júlia e Maria Reis), em 2015. Como um músico de carreira consolidada, que olha pelo retrovisor, B Fachada, enfant terrible, músico de canções tão ácidas e subversivas quanto festivas, regressa ao EP Viola Braguesa, revelado há dez anos (2008). É um disco em que a produção, à época menos sofisticada, camuflou a qualidade das letras e acordes de viola braguesa do músico. Em palco, soará melhor, por certo. A abrir o concerto, Maria Reis (Pega Monstro) revelará canções a solo.

Ata Kak

Sábado, 00h30

A história parece um conto impossível: um músico ganês gravou um disco em 1994 (Obaa Sima), pouca gente o ouviu, a cassete ficou perdida no tempo e em 2002 um curioso melómano norte-americano deparou-se com ela entre as mais de 50 que comprou a um mercador local, numa rua de Cape Coast, no Gana. O norte-americano, Brian Shimkovitz, estudante de etnomusicologia e fã de música africana, ficou maravilhado quando, três anos depois de comprar o álbum, em 2005, finalmente o ouviu. Nessa altura, Ata Kak (nome artístico) gravara Obaa Sima há já 11 anos. Shimkovitz partilhou a descoberta no seu blogue (posteriormente editora) Awesome Tapes From America, tornou o “desaparecido” alvo de um culto online e procurou-o incessantemente durante anos, com viagens ao Canadá e Alemanha incluídas. Acabou por descobri-lo em Toronto, já em 2015.

Ata Kak ficou incrédulo ao saber que ainda havia alguém que ouvia Obaa Sima perto de vinte anos depois de ter gravado a cassete. Mais estupefacto ficou quando se apercebeu que havia uma comunidade online que conhecia a música que julgara esquecida. O álbum foi reeditado, houve elogios na comunicação social à forma como misturava a tradição musical ganesa com funk e disco norte-americanos e seguiram-se digressões pelo mundo. Em 2016, um voo perdido impediu que Ata Kak se estreasse em Portugal e em Lisboa, na discoteca Lux Frágil. Dois anos passados, espera-se que a rota do músico passe finalmente pelo país. Se assim for, dança não faltará no Cais do Sodré. A madrugada prossegue com os Irmãos Makossa (1h45) e CelesteMariposa (3h).

Iceage

Sábado, 22h15

Lê-se e é difícil acreditar: como é que os Iceage, banda dinamarquesa com dez anos de vida, quatro álbuns e três EP editados, nunca tocaram em Lisboa? Com dois concertos no festival de Paredes de Coura e um no festival gótico de Leiria Entremuralhas, o quarteto de Elias Bender Rønnenfelt (que já tocou em Lisboa com a sua outra banda Marching Church, na Galeria Zé dos Bois) estreia-se agora na cidade, neste festival. Levando na bagagem um álbum editado este ano na gigante das editoras independentes norte-americanas Matador, Beyondless, os Iceage revelarão em Lisboa o seu nervo punk com voz agradável, riffs de guitarra de quem conhece a melhor tradição do rock and roll, sentido pop nos refrães e mais complexidade na instrumentação e arranjos do que o habitual no punk e pós-punk clássicos. É um bom chamariz para uma noite que conta com concerto de abertura dos portugueses Palmers, vindos das Caldas da Rainha (21h30), e que termina com atuações do rapper e produtor musical Mike El Nite (em formato DJ set), Brodinski e Darksunn, já perto das 6h.