O Cravo Taskin do Museu Nacional da Música (MNM), em Lisboa, foi alvo de intervenção e volta a ser escutado no sábado, num recital de Kenneth Weiss, que preparou um programa especial sobre Barroco francês para este instrumento de 1782.

O cravista norte-americano, em declarações à agência Lusa, afirmou que vai apresentar um programa dedicado a 11 compositores do barroco francês, intitulado “Les Elements, Pièces de caractères”, com obras marcadas pelo seu poder narrativo, na representação de objetos, ideias ou emoções.

O programa é constituído por obras de Rebel, Sainte-Colombe, Louis, Armand-Louis e François Couperin, Jean-Philippe Rameau, Joseph Bodin de Boismoitier, Jean-Henri d’Angleterre, Jean François d’Andrieu, François d’Agnicourt e Louis-Claude Daquin, cobrindo um período que vai do barroco intermédio, no século XVII, à síntese tardia do século XVIII, contemporânea do cravo Taskin, do MNM.

O Cravo Taskin foi construído por Pascal-Joseph Taskin, em 1782, em resposta a uma encomenda do rei Luís XVI, de França, para o oferecer à sua irmã Ana Clotilde, tendo posteriormente sido propriedade da Casa Real de Saboia.

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No século XX, ficou na posse do último rei de Itália, Humberto II, que, quando se exilou em Portugal, o ofereceu à marquesa do Cadaval, Olga Pereira de Melo (1900-1996), em agradecimento por ter recebido a sua família em sua casa. Os herdeiros da marquesa pretenderam vender o Cravo Taskin num leilão, em Londres, em 2001, tendo o Estado português evitado a sua saída do país, ao adquiri-lo. Passou então a fazer parte das coleções do MNM.

Sobre o restauro, a diretora do MNM, Graça Mendes Pinto, disse em abril à Lusa que “primeiro foi necessário analisar e verificar o que era necessário para que ele voltasse a tocar – e com o som de um cravo deste período e deste construtor”.

Atualmente em “perfeitas condições para recitais”, segundo Graça Mendes Pinto, o cravo é “inaugurado” por Weiss, um dos cravistas de maior renome internacional, que à agência Lusa afirmou que a sua “abordagem inicial vai ser de veneração, e só, então, encontrar a melhor maneira de o fazer soar novamente”.

Para este recital, no sábado, às 18h00, no MNM, “o programa foi cuidadosamente construído para contar uma história”, disse Weiss à Lusa.

“O programa que vou realizar intitula-se ‘Les Elements, Pièces de caractères’. Um género musical francês constituído por obras narrativas que retratam objetos, ideias e emoções. Selecionei vinte trabalhos de onze compositores para contar uma história abrangente que retrata conceitos que vão desde o fogo a uma pulga, para mostrar este género musical rico e único”, disse, acrescentando que as obras que vai tocar estão entre as peças que teriam sido executadas no Taskin, quando ele foi construído.

O Cravo Taskin está classificado como Tesouro Nacional e, para o músico, “há sempre uma sensação de grande entusiasmo antes de tocar um cravo antigo”. O Taskin está impregnado dos “pensamentos dos músicos de há centenas de anos, que expressaram as suas alegrias e tristezas naquele mesmo instrumento, [o que provoca] um sentimento duplo de humildade e, ao mesmo tempo, inspirador”, disse Kenneth Weiss.

O músico revelou à Lusa que projeta gravar em breve no Taskin, não tendo adiantado datas ou o programa que interpretará. De Lisboa, onde já tocou várias vezes, Weiss recorda “uma audiência atenta, simpática e conhecedora”. Depois de Lisboa, Kenneth Weiss vai atuar no Lincoln Center, em Nova Iorque.

Weiss frequentou a High School of Performing Arts, em Nova Iorque, onde nasceu, estudou com Lisa Goode Crawford no Oberlin Conservatory, e com o cravista, regente e musicólogo Gustav Leonhardt, pioneiro do movimento da interpretação historicamente informada, no Sweelinck Conservatorium, em Amesterdão. Foi assistente do maestro William Christie e da sua orquestra de época, Les Arts Florissants, no início dos anos de 1990.

O cravista reparte a carreira entre recitais, música de câmara, ensino e regência. Recentemente tocou em Nuremberga, Montpellier, Barcelona, Dijon, Genebra, Antuérpia, Paris, Madrid, Santander, San Sebastián, Innsbruck, Santiago de Compostela e Bruges, entre outras cidades.

Em 2014, publicou “O Cravo Bem Temperado”, de Bach, gravado no histórico Ruckers-Taskin do Museu da Música da Cité de la Musique, em Paris.

O processo de restauro do Cravo Taskin, do museu português, profusamente decorado com motivos orientais, desenvolveu-se em várias fases e exigiu colaborações de diferentes especialistas, que se reuniram em Portugal. Este processo foi da responsabilidade do restaurador Ulrich Weimer, que há muito trabalha com este tipo de cordofones, e já tinha restaurado um outro cravo Taskin.

Weimer, que chegou a trabalhar doze horas consecutivas no instrumento, é o responsável pela parte organológica, tendo realizado todos os trabalhos de análise, filmagem e de colocação de cordas.

Geert Karman, um restaurador com oficina nos arredores de Lisboa, que também trabalha habitualmente com o MNM, ficou responsável por um novo conjunto de saltarelos — peças que se elevam, quando as teclas são pressionadas, pondo o plectro em contacto com a corda, provocando a sua vibração — do instrumento (os antigos estão preservados), pela harmonização e a afinação.

A parte estética e solidez do instrumento ficaram a cargo do laboratório José de Figueiredo, em Lisboa. O laboratório tem equipas especializadas nas diferentes áreas, desde as madeiras ao entalhamento, passando pela pintura, o douramento e a talha dourada.

“Foi um processo muito cuidadoso, que teve em conta não ser intrusivo, retirou antigos restauros abusivos, nomeadamente as purpurinas utilizadas para substituir a folha de ouro”, disse Graça Mendes Pinto.