O gasóleo profissional permitiu o regresso de consumos de combustível que estavam a ir para Espanha atraídos pelos preços mais baixos. Mas isso já não estará a acontecer, diz o presidente da ANTRAM. Em declarações ao Observador, Gustavo Paulo Duarte avisa que esse efeito começou a perder força desde meados do ano. Isto por causa da “política comercial” das petrolíferas do lado de cá da fronteira que, afirma, estão a aumentar as margens no gasóleo, o que não permite aos transportadores comprarem a preços competitivos, mesmo com o reembolso da diferença de imposto entre os dois países.

O gasóleo profissional, lançado a nível nacional em 2017, foi um instrumento criado para amortecer a diferença na carga fiscal dos combustíveis entre Portugal e Espanha que estava a empurrar os consumidores portugueses, em particular os veículos pesados para abastecimentos do outro lado da fronteira. O fenómeno que dura há vários anos traz perdas aos operadores, mas também ao Estado que deixa de receber imposto pelo desvio no consumo. Foi também na expetativa de recuperação desse combustível e dos impostos associados, que o Governo criou o gasóleo profissional com uma estimativa de custo de 150 milhões de euros anuais, que seria compensada parcialmente com o regresso dos abastecimentos a Portugal.

Velha reivindicação do setor dos transportes, o gasóleo profissional foi aprovado pelo atual Governo para limitar o impacto negativo do aumento extraordinário do imposto sobre produtos petrolíferos de seis cêntimos por litro em 2016. Mas ficou limitado aos transportes pesados de mercadorias, camiões com 35 ou mais toneladas e para consumos de 35 mil litros por ano. A estes operadores, o Estado reembolsa a diferença entre os impostos praticados dos dois lados da fronteira, atualmente 12 cêntimos por litro. Mas se essa solução funcionou durante algum tempo, agora o presidente da ANTRAM diz que mesmo com esse reembolso, os preços são mais atrativos do outro lado da fronteira. “O que compensava pôr em Portugal, já não compensa, porque é muito mais barato em Espanha”, afirma ao Observador Gustavo Paulo Duarte.

Gustavo Paulo Duarte, Presidente da ANTRAM (Associação Nacional dos Transportadores Públicos Rodoviários de Mercadorias

“O Estado fez o seu trabalho” ao criar este mecanismo, mas a política comercial das empresas, estará a pôr em causa os resultados positivos que foram obtidos quando arrancou o gasóleo profissional. Segundo Gustavo Duarte, o preço do gasóleo aumentou mais em Portugal do que em Espanha, e isto não tem nada a ver com impostos, sublinha. “Comercialmente o que mudou foram as margens das companhias, que aumentaram. O diferencial é tão grande que já não chega”. O presidente da ANTRAM diz que o Governo já foi alertado para esta situação que, reconhece, é “difícil de explicar”.

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Uma das razões fora impostos que justifica preços mais altos em Portugal é o nível de maior incorporação de biodiesel exigido que é de 7,5% — (vai baixar para 7% em 2019) face aos 6% em Espanha. Este gasóleo é mais caro que o diesel normal e por isso faz subir o preço final em cerca de dois cêntimos por litro. Mas o presidente da ANTRAM diz que essa diferença de custos se esbateu nos últimos meses, mas que tal não passou para os preços.

Questionado pelo Observador, o secretário-geral da APETRO (Associação Portuguesa de Empresas Petrolíferas) diz que não reconhece a argumentação da ANTRAM. António Comprido assegura que Portugal “continua comparar bem com Espanha e mesmo com a média europeia” e lembra que mesmo com a redução do sobrecusto da incorporação do biodiesel, esta é superior em Portugal, e portanto sairá mais cara. E até envia um gráfico a demonstrar.

Uma consulta rápida às estatísticas europeias de preços médios antes de impostos no gasóleo revela que Portugal tem tido quase sempre valores mais baixos do que Espanha este ano, mas situação que inverteu-se no início de outubro, ainda que com uma diferença muito reduzira. Na última semana do mês, o gasóleo antes de impostos já era outra vez mais barato em Portugal, cerca de meio cêntimo por litro. Mas estes são preços médios que refletem a situação a nível nacional e não necessariamente a oferta em determinadas áreas do país. Já o preço depois de impostos é mais barato do lado espanhol 14 cêntimos por litro, o que reflete um imposto petrolífero mais baixo, mas também por via do IVA que é de 21%, ainda que este seja reembolsado para as empresas.

Imposto só baixa na gasolina. “Descontentamento generalizado” nos transportes

Mas muitas empresas, em parte ou na totalidade frota, estão excluídas do gasóleo profissional. E, por isso, os transportadores não gostaram de ouvir Mário Centeno anunciar a reversão do aumento extraordinário do imposto petrolífero em 2019 apenas para a gasolina. “Como muitas empresas vivem sem esse benefício, é a competitividade que está em causa. Não havendo alternativa , o gasóleo é como o IVA, toda a gente tem de pagar”, sublinha Gustavo Paulo Duarte. E há muitos operadores fora do gasóleo profissional, como, por exemplo, as empresas de distribuição do retalho alimentar.

O presidente da ANTRAM lembra ainda que este é um período de retoma económica em que estão ser revertidos aumentos de impostos de anteriores — na verdade este aumento de impostos foi já aplicado por este Governo — esperava-se que a subida do ISP, que no gasóleo foi de seis cêntimos fosse revertida. “Todos os operadores vão ser afetados por esta penalização fiscal porque todos têm veículos que não podem beneficiar do desconto do gasóleo profissional.”

Gustavo Paulo Duarte avisa que em todas as reuniões “se começa a notar um descontentamento generalizado”. Mas para já a ANTRAM, que representa cerca de 2.000 empresas, foi apenas mandatada para alertar o Governo para a situação. Já em setembro, a associação tinha alertado que a subida do preço do gasóleo estava a colocar em risco a sustentabilidade das empresas e do setor.

Em maio, e perante uma escalada no preço dos combustíveis, os transportadores pesados organizaram uma paralisação a nível nacional, um movimento que estava mais associado à ANT (Associação Nacional de Transportadores) e que acabou por não ter grandes desenvolvimentos depois de negociação com o Governo. O presidente da ANTRAM diz que o acordo feito com o Executivo tem vindo a ser cumprido, mas a maioria das medidas não tinha grande impacto imediato na situação económica e financeira das empresas, estavam sobretudo relacionadas com questões de regulação de atividade, horários de trabalho, segurança.

Nesta conversa com o Observador, Gustavo Paulo Duarte lamenta ainda a falta de uma estratégia para a descarbonização do transporte pesado de mercadorias, nomeadamente de apoios à transição para o gás natural, mas também pela ausência de medidas de discriminação positiva para os camiões mais eficientes ao nível de emissões. Diferenciar o preço das portagens e o IUC (imposto único de circulação) em função da eficiência energética dos veículos e do seu impacto ambiental, são os exemplos apontados. Veículos pesados que cumpram o limite de emissões Euro 6 têm descontos nas portagens em países como a Bélgica e Alemanha, exemplificou.