“O Último Tango em Paris”, “O Último Imperador”, “O Conformista”, “1900” ou “A Tragédia de um Homem Ridículo” foram apenas alguns dos muitos filmes marcantes do realizador Bernardo Bertolucci, que o tornaram um dos mais importantes do cinema italiano do século XX. O cineasta nascido em Parma morreu aos 77 anos em Roma, depois de sofrer de cancro durante vários anos, noticia o jornal La Repubblica.

A última longa-metragem de Bernardo Bertolucci, “Eu e Tu”, chegou às salas de cinema em 2012 — curiosamente, precisamente meio século depois de “La Commare Secca”, o seu primeiro filme, de 1962, baseado num livro do poeta e realizador Pier Paolo Pasolini. Foi aliás como assistente de Pasolini que Bernardo Bertolucci começou a carreira, que ganhou tração após o seu segundo filme, “Antes da Revolução” (1964).

Filho de um poeta (Attilio Bertolucci) e de uma professora (Ninetta Giovanardi), Bernardo Bertolucci chegou a ter pretensões de se tornar escritor como o pai, tendo frequentado a Faculdade de Literaturas Modernas de Roma. Ironicamente, foi através do contacto com um outro intelectual e poeta italiano (Pasolini, precisamente), que Bertolucci preteriu a poesia pelo trabalho em cinema, tendo abandonado a faculdade antes mesmo de se licenciar.

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Apesar de ter começado a filmar nos anos 1960, foi na década seguinte que Bernardo Bertolucci se tornou um realizador internacional de culto, com uma notoriedade que ultrapassou em muito as fronteiras italianas. “O Último Tango em Paris”, de 1972, foi o seu primeiro grande sucesso internacional. O filme seguinte, “1900”, manteve o cineasta na rota de sucesso, mas foi “O Último Imperador”, já na segunda metade dos anos 1980 (em 1987), que deu a Bernardo Bertolucci a primeira grande vitória nos Óscares norte-americanos.

Sem conquistas no mais importante prémio de cinema de Hollywood até 1987 (e não as voltaria a ter de futuro), o italiano conseguiu então levar para casa os prémios de Melhor Realizador e Melhor Argumento Adaptado (o filme é inspirado na autobiografia do último imperador chinês, Puyi). Indiretamente, Bertolucci levou outros sete Óscares para casa, já que o filme venceu ainda nas categorias Melhor Filme, Melhor Direção Artística, Melhor Cinematografia, Melhor Desenho de Figurinos, Melhor Edição de Filme, Melhor Banda Sonora Original (de Ryuichi Sakamoto, David Byrne e Cong Su) e Melhor Som.

Depois de realizar a sua última longa-metragem no início desta década, Bernardo Bertolucci, realizador eminentemente político, presidiu ao júri da 70ª edição do Festival Internacional de Cinema de Veneza (tinha presidido à 40ª, 30 anos antes), que abriu com o filme “Gravidade”, de Alfonso Cuarón. No festival, o cineasta norte-americano William Friedkin recebeu um prémio de carreira e o documentário “Sacro GRA”, do cineasta italiano Gianfranco Rosi, foi o grande vencedor da secção de competição.

A polémica da manteiga

Apesar da recetividade de boa parte do público e crítica internacional aos filmes realizados por Bernardo Bertolucci nos anos 1970 e 1980 (os posteriores não lograram a mesma atenção mediática, apesar de “Um Chá no Deserto”, “Beleza Roubada” e “Os Sonhadores” terem sido razoavelmente bem recebidos), o realizador passou a dividir cinéfilos e espetadores depois de “O Último Tango em Paris”, especialmente por uma cena particularmente polémica que foi discutida até ao fim da vida do italiano.

“A cena da manteiga”, como ficou conhecida, foi uma cena do filme “O Último Tango em Paris” em que a atriz Maria Schneider, que tinha então 19 anos interpretava a personagem Jeanne, foi alvo de uma simulação de cena de sexo anal por Marlon Brando, que interpretava a personagem Paul. Marlon Brando utilizou manteiga como lubrificante, para simular a cena. Schneider considerou a cena uma “violação”, porque só lhe foi comunicada antes de gravar (já depois de ter aceite o papel) e porque não sabia que Marlon Brando utilizaria manteiga como lubrificante.

Quand0 Maria Schneider morreu, vítima de um cancro da mama, Bertolucci publicou uma nota na revista francesa Premiere em que pedia perdão. Afirmou ainda, em vida, que não comunicou a cena e a utilização de manteiga nesta por querer filmar a reação de Schneider como “rapariga”, não como atriz, o que para muitos configura uma violação dos seus direitos.

“Acho que o sucesos do Último Tango deveu-se em parte ao escândalo, à sodomia e à manteiga, mas na verdade é um filme tremendamente desesperado. É muito raro que um filme desesperado como este consiga ter uma audiência tão abrangente”.