O tetraplégico que esteve em protesto desde sábado à porta do Parlamento tinha convidado o Governo a visitá-lo para conhecer de perto as “reais necessidades” das pessoas com deficiência, que querem ter uma vida independente. “Gostava de ver aqui os governantes que eu desafiei. Ontem [sábado, dia 1] foi o dia do Presidente da República e ele não veio. Hoje é o dia do primeiro ministro António Costa e amanhã [segunda-feira] o do ministro Vieira da Silva”, disse à Lusa Eduardo Jorge, de 56 anos, que se encontra numa cama no interior de uma pequena tenda gradeada colocada à frente da Assembleia da República desde as 15:00 de sábado, alimentado exclusivamente a água.

Eduardo Jorge acabou por ser visitado pelo Presidente da República na noite de domingo, sem qualquer nota de agenda anunciada, e acompanhado pela secretária de Estado da Inclusão, Ana Sofia Antunes. Após uma longa conversa com Marcelo, o homem que sofre de tetraplegia desde que sofreu um acidente de viação, decidiu terminar com o protesto no local algumas horas depois. Já o primeiro-ministro António Costa e o ministro do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social Vieira da Silva não responderam ao apelo lançado pelo manifestante, não tendo aparecido no local onde esteve em protesto. No entanto, foi aceite um pedido para reunião que ficou agendada para esta terça-feira com o governo.

Conforme tinha explicado antes, “seria interessante eles virem para entenderem as reais necessidades das pessoas como eu, porque está a ser criado um projeto-piloto de vida independente que de independente nada tem. Gostava que viessem ver no terreno as dificuldades que temos”, disse Eduardo Jorge. Em causa, explicou, está o atraso no arranque dos Centros de Apoio à Vida Independente e o modelo adotado para o arranque de um projeto piloto, que impossibilita o apoio de um assistente pessoal que não obrigue as pessoas com deficiência a abandonar as suas residências.

Para o manifestante, o modelo atual não é suficiente: “É mais um apoio domiciliário para as IPSS que continuam com os vícios das esmolas e do assistencialismo“.

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“Tem que se legislar como deve ser e por isso um projeto piloto tem que ser como deve ser. Se não estiver no lar não posso trabalhar e eu quero produzir, sou assistente social, quero ter o meu emprego e ser cidadão como os outros”, disse.

Segundo Eduardo Jorge, “o Estado neste momento tem 1.027 euros para dar a um lar, 520 euros para um centro de atividades ocupacionais e 93,15 euros de ajuda para a terceira pessoa, mas não se pode ganhar mais de que 600 euros”. “Isto é ridículo. O Estado paga para nos tirar das nossas casas”, disse.

O manifestante — que foi acompanhado por membros de movimentos e associações de apoio às pessoas com deficiência – admitiu que a primeira noite foi difícil, não conseguiu dormir e sentia-se cansado e preocupado com o seu estado de saúde, mas com força para continuar.

Eduardo Jorge, tetraplégico dependente de terceiros, tinha anunciado que estaria até dia 4 de dezembro em frente à Assembleia da República, numa ação de sensibilização a favor da criação dos centros apoio à vida independente e pela desinstitucionalização dos cidadãos com deficiência.

A coordenadora do Bloco de Esquerda (BE), Catarina Martins, deslocou-se ao local do protesto pelas 11h00 de domingo e lamentou, em declarações aos jornalistas, que a proposta do partido que permitia às pessoas institucionalizadas como o Eduardo também tivessem direito aos projetos de vida independente tenha sido chumbada pelo PS e pelos partidos da direita na semana passada, no âmbito das votações do Orçamento de Estado para 2019.

“Achamos, ainda assim, que o Governo deve ouvir o Eduardo porque tem possibilidade, no âmbito das suas competências, de alargar os projetos e torná-los mais capazes de dar resposta concreta às pessoas com deficiência e respeitar as escolhas de pessoas como o Eduardo que querem viver na sua casa”, disse, lembrando que na segunda-feira se assinalam os direitos das pessoas com deficiência.

O caso do Eduardo lança assim este alerta: “o Estado que paga a uma instituição nega a mesma verba a essa pessoa para que possa contratar assistência pessoal para a apoiar em casa”.

“O Eduardo tem uma casa e gostava de viver na sua casa, mas porque o Estado não o apoia a contratar um assistente pessoal e ele não pode viver sozinho tem que estar institucionalizado, mas a verba que o Estado recusa ao Eduardo é a mesma verba que dá a uma instituição para que o Eduardo lá possa estar. Isto é absurdo, porque é negar às pessoas com deficiência o direito a escolherem como querem viver quando elas têm a sua vida organizada, trabalham, têm rendimentos, têm direito a fazer essa escolha”, insistiu Catarina Martins.

(artigo atualizado às 7h35 de dia 3 de dezembro com a informação sobre a visita de Marcelo Rebelo de Sousa e o fim do protesto)