Mats Wilander sabe do que fala e acertou em cheio no lançamento deste Open da Austrália quando comentou que, ao contrário do que aconteceria com o quadro masculino, o feminino seria mais aberto do que nunca. Foi mesmo assim, sem tirar nem pôr – se Novak Djokovic e Rafa Nadal tiveram uma progressão até à final em versão rolo compressor, Petra Kvitova e Naomi Osaka foram ultrapassando etapas num caminho onde, por exemplo, Serena Williams teve match point frente a Karolina Pliskova no segundo set dos quartos e deixou fugir essa vantagem. Entre as finalistas, cada uma teve o seu statement ao longo do torneio: o da checa foi nos oitavos, quando “atropelou” Amanda Anisimova, grande surpresa até aí; o da japonesa foi na terceira ronda, quando teve o jogo praticamente perdido contra Su-Wei Hsieh mas conseguiu ainda dar a volta. Assim, havia apenas uma certeza nesta final – quem ganhasse sucedia a Simona Halep como número 1 do ranking. Além disso, tudo em aberto.

Naomi Osaka. Ouve Beyoncé, é fã dos Pokemons, já derrotou três monstros do ténis e agora ganhou o US Open

Foi assim também o primeiro set deste confronto de gerações em Melbourne. A checa, que apareceu na final sem um único set perdido, teve o primeiro break no terceiro jogo de serviço de Osaka mas não conseguiu concretizar; mais tarde, teve um triplo break point que podia fazer o 5-3 e colocá-la a servir para fechar as contas mas também não aproveitou. Osaka revelou sempre aquele espírito guerreiro que lhe valeu o primeiro Grand Slam da carreira no último US Open, conseguiu os melhores serviços nos momentos determinantes e chegou mesmo a ter dois set points antes do tie break. Aí, e pela primeira vez, houve desequilíbrio – entre ases, respostas a condicionar o jogo da adversária e winners, a japonesa fechou o primeiro set com 7-2.

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Kvitova nunca tinha perdido um set neste Open da Austrália mas perdeu. Nas duas finais que fizera de Grand Slams, ambas em Wimbledon, também nunca cedera nenhum set mas perdeu. Mais do que a força anímica que Osaka ganhara para o resto da final (e estamos a falar de uma jogadora que tinha conseguido ganhar os 59 encontros anteriores em que começou em vantagem…), era da resposta da checa de 28 anos ao revés no set inicial que sairiam os contornos para o que restava. E essa não demorou: logo no primeiro serviço da japonesa, conseguiu finalmente fazer o break. Assim como a contra resposta da adversária, que num jogo que foi cinco vezes para vantagens conseguiu também ela o break na segunda tentativa, ganhou o seu jogo de serviço e alcançou novo break, virando uma situação de 0-2 para 4-2, com o seu serviço a confirmar essa reviravolta.

Kvitova cedeu nessa fase do encontro e foi somando muito mais erros, sobretudo na sua direita. Nem os pontos conseguidos no seu serviço alteravam um rumo que parecia traçado e que viria a confirmar-se no seu jogo de serviço, quando Osaka teve três match points. Do nada, tudo mudou: enquanto a japonesa ia acusando a pressão, quase como se a bola queimasse, a checa voltou a ter o melhor jogo do primeiro set e reentrou na luta ao salvar o seu jogo de serviço e ao conseguir o break no jogo da nipónica. Se Kvitova está agora a ter uma espécie de segunda vida no ténis, depois do ataque sofrido em casa à facada que a deixou ferida com gravidade na mão esquerda, também na final ganhou essa segunda vida. E mesmo tendo novo break no seu serviço, deu a volta, chegou ao 6-5 e quebrou o serviço de Osaka para fechar o segundo set quando tudo parecia perdido.

A conta oficial do Open da Austrália no Twitter deixava uma frase que resumia na perfeição o que se estava a passar naquela fase em Melbourne: “This match is insane“. E a própria Osaka, reconhecida pela forma como lida com apenas 21 anos com a pressão dos pontos decisivos, já não disfarçava a completa alteração do estado anímico, saindo mesmo direta para os balneários depois de perder o segundo set que teve na mão por mais do que uma ocasião – um segundo set que valeria também o jogo, o título, o segundo Grand Slam da carreira e a liderança do ranking WTA. Kvitova tinha conseguido operar um “milagre”.

Por uma questão lógica de encadeamento, entre a melhoria do jogo da checa e o quase desespero da japonesa, tudo apontava para um de dois cenários: ou Kvitova conseguia manter o nível com encontros seguros no seu serviço à procura de provocar o break na adversária ou voltaríamos à regularidade do primeiro set com ambas as jogadoras a segurarem o seu jogo de serviço. No entanto, aquela saída de court acabaria por ser providencial para um terceiro cenário que não demorou a desenhar-se – Naomi Osaka acalmou-se, regressou à qualidade que tivera em grande parte da final e conseguiu o break que lhe deu o 2-1.

Depois de voltar a ganhar o seu serviço, Kvitova deu tudo para responder ao break inicial. E não se pode dizer que tenha falhado porque, da parte dela, nada mais poderia ser feito. A questão é que Osaka recuperara a sua melhor versão e, mesmo pressionada por um ponto de break que poderia fazer o 3-3, sacou do melhor serviço e de direitas poderosas para agarrar o 4-2 mas voltou a não aproveitar três pontos de break ao ver a adversária voltar aos ases e aos serviços de resposta impossível que varreram por completo essa possibilidade de 5-2 e adensaram a intriga de uma final empolgante, uma das mais equilibradas no Grand Slam dos últimos tempos, ao nível daquela que se viu no ano passado entre Caroline Wozniacki e Simona Halep. No entanto, aquele break inicial faria toda a diferença e a nipónica de 21 anos agarrou mesmo a vitória por 6-4.

Depois de ter fechado o ano de 2018 a nível de Grand Slams com uma vitória na final do US Open frente a Serena Williams, que até gerou mais notícias pelo ataque da americana ao árbitro português Carlos Ramos, Naomi Osaka começou da melhor forma 2019 com o segundo Major consecutivo e a ascensão à liderança do ranking mundial. Voltando à ideia original deste texto, é muito complicado prever um domínio claro de uma jogadora nos próximos anos mas a japonesa parece ser neste momento a que melhores condições tem para se aproximar nesse cenário. Tal como Mats Wilander afirmara na antevisão do torneio.

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